‘Ni una menos’

Por: Maiara Marinho

A origem do dia internacional da mulher é contada através de diferentes acontecimentos. Para algumas pessoas, esse dia é marcado por um incêndio numa fábrica nos EUA. Para outras, foi a revolução russa, cuja teve como estopim a luta das mulheres. Independente da precisão – ainda que ela seja importante pra historicidade da luta feminista – o 8 de março nos faz relembrar das jornadas pesadas e precárias de trabalho em condições inferiores às dos homens e a importante participação das mulheres na luta por seus direitos. Esse dia geralmente é marcado por diversas e distintas ações tanto do poder público, quanto dos movimentos sociais e feministas. Mas esse ano, as pautas e a organização do dia serão um pouco diferentes. Uma greve internacional de mulheres está sendo organizada e o debate gira em torno da luta anticapitalista e da libertação da sexualidade. Segundo reportagem do jornal El País, “o protesto internacional é inspirado no Dia Livre das Mulheres islandesas de 1975, quando 90% das cidadãs deixaram seus postos de trabalho em 24 de outubro desse ano para protagonizar uma grande manifestação nas ruas do país e marcar um ponto de inflexão na luta pela igualdade de direitos”. A proposta surgiu de uma nota feita por lutadoras como Angela Davis e Nancy Fraser, cuja tem como crítica central a política do presidente recém-eleito Donald Trump. A ideia com isso é propor uma nova forma de organização na luta com pautas mais objetivas e que reflitam sobre a desigualdade social. Em Pelotas, movimentos sociais, sindicais e feministas já se organizam para as atividades do dia. A intenção é que as mulheres não produzam no dia 8. A discussão historicamente foi feita defendendo que as mulheres tivessem o direito ao trabalho e com as mesmas condições que os homens. No entanto, o neoliberalismo flexibiliza cada vez mais as relações trabalhistas e, com isso, não basta a mulher ter um emprego se ele for precarizado e com baixos salários, por exemplo. O movimento feminista anticapitalista é contrário a exploração pelo trabalho e a desigualdade social. Nesse sentido, a reflexão acerca das diferentes mulheres que habitam este mundo que a todas oprime é fundamental para entendermos a complexidade do machismo na luta de classes e na manutenção da violência contra a mulher.

Há poucos dias foi comemorado o Happy Valentine’s Day na Europa e EUA. Essa época é a que mais se produz flores na Colômbia. Lá, homens e mulheres cultivam para que as empresas vendam aos países que comemoram a data. Em uma entrevista realizada para a revista Vírus, uma operária do cultivo de flores relatou que nessa época, além das extensas e pesadas jornadas de trabalho, as mulheres ainda têm ‘a cumprir’ a jornada doméstica. Mas, por outro lado, há empresas contratantes apenas de homens, para que, justamente, as outras jornadas das mulheres, não ‘interfiram’ na colheita que deve ser acelerada. Com emprego, elas sofrem com todas as “tarefas femininas” que a sociedade machista lhes deu. Sem emprego, sofrem com medo da não sobrevivência. É nesse sentido que se faz importante o recorte de classe e a discussão em torno do neoliberalismo.

O termo “ni una menos” é fruto das lutas na Argentina, país com alto índice de violência à mulher, mas com um histórico admirável e inspirador de lutas. A chamada de uma greve geral pode ressignificar a organização do movimento feminista e fomentar o debate, além de estimular novas organizações. A conjuntura age como a lei da ação e reação: quando o conservadorismo cresce, a revolução quer nascer.

Abaixo segue a nota escrita pelas feministas em apoio a greve geral de mulheres no 8 de março.

Para além do “faça acontecer”: por um feminismo dos 99% e uma greve internacional militante em 8 de março

Por Angela Davis, Cinzia Arruzza, Keeanga-Yamahtta Taylor, Linda Martín Alcoff, Nancy Fraser, Tithi Bhattacharya e Rasmea Yousef Odeh.

As grandes marchas de mulheres de 21 de janeiro [nos Estados Unidos] podem marcar o início de uma nova onda de luta feminista militante. Mas qual será exatamente seu foco? Em nossa opinião, não basta se opor a Trump e suas políticas agressivamente misóginas, homofóbicas, transfóbicas e racistas. Também precisamos alvejar o ataque neoliberal em curso sobre os direitos sociais e trabalhistas. Enquanto a misoginia flagrante de Trump foi o gatilho imediato para a resposta maciça em 21 de janeiro, o ataque às mulheres (e todos os trabalhadores) há muito antecede a sua administração. As condições de vida das mulheres, especialmente as das mulheres de cor e as trabalhadoras, desempregadas e migrantes, têm-se deteriorado de forma constante nos últimos 30 anos, graças à financeirização e à globalização empresarial. O feminismo do “faça acontecer”* e outras variantes do feminismo empresarial falharam para a esmagadora maioria de nós, que não têm acesso à autopromoção e ao avanço individual e cujas condições de vida só podem ser melhoradas através de políticas que defendam a reprodução social, a justiça reprodutiva segura e garanta direitos trabalhistas. Como vemos, a nova onda de mobilização das mulheres deve abordar todas essas preocupações de forma frontal. Deve ser um feminismo para 99% das pessoas.

O tipo de feminismo que buscamos já está emergindo internacionalmente, em lutas em todo o mundo: desde a greve das mulheres na Polônia contra a proibição do aborto até as greves e marchas de mulheres na América Latina contra a violência masculina; da grande manifestação das mulheres de novembro passado na Itália aos protestos e greve das mulheres em defesa dos direitos reprodutivos na Coréia do Sul e na Irlanda. O que é impressionante nessas mobilizações é que várias delas combinaram lutas contra a violência masculina com oposição à informalização do trabalho e à desigualdade salarial, ao mesmo tempo em que se opõem as políticas de homofobia, transfobia e xenofobia. Juntas, eles anunciam um novo movimento feminista internacional com uma agenda expandida – ao mesmo tempo anti-racista, anti-imperialista, anti-heterossexista e anti-neoliberal.

Queremos contribuir para o desenvolvimento deste novo movimento feminista mais expansivo.

Como primeiro passo, propomos ajudar a construir uma greve internacional contra a violência masculina e na defesa dos direitos reprodutivos no dia 8 de março. Nisto, nós nos juntamos com grupos feministas de cerca de trinta países que têm convocado tal greve. A ideia é mobilizar mulheres, incluindo mulheres trans, e todos os que as apoiam num dia internacional de luta – um dia de greves, marchas e bloqueios de estradas, pontes e praças; abstenção do trabalho doméstico, de cuidados e sexual; boicote e denuncia de políticos e empresas misóginas, greves em instituições educacionais. Essas ações visam visibilizar as necessidades e aspirações que o feminismo do “faça acontecer” ignorou: as mulheres no mercado de trabalho formal, as que trabalham na esfera da reprodução social e dos cuidados e as desempregadas e precárias.

Ao abraçar um feminismo para os 99%, inspiramo-nos na coalizão argentina Ni Una Menos. A violência contra as mulheres, como elas a definem, tem muitas facetas: é a violência doméstica, mas também a violência do mercado, da dívida, das relações de propriedade capitalistas e do Estado; a violência das políticas discriminatórias contra as mulheres lésbicas, trans e queer, a violência da criminalização estatal dos movimentos migratórios, a violência do encarceramento em massa e a violência institucional contra os corpos das mulheres através da proibição do aborto e da falta de acesso a cuidados de saúde e aborto gratuitos. Sua perspectiva informa a nossa determinação de opormo-nos aos ataques institucionais, políticos, culturais e econômicos contra mulheres muçulmanas e migrantes, contra as mulheres de cor e as mulheres trabalhadoras e desempregadas, contra mulheres lésbicas, gênero não-binário e trans-mulheres.

As marchas de mulheres de 21 de janeiro mostraram que nos Estados Unidos também um novo movimento feminista pode estar em construção. É importante não perder impulso. Juntemo-nos em 8 de março para fazer greves, atos, marchas e protestos. Usemos a ocasião deste dia internacional de ação para acertar as contas com o feminismo do “faça acontecer” e construir em seu lugar um feminismo para os 99%, um feminismo de base, anticapitalista; um feminismo solidário com as trabalhadoras, suas famílias e aliados em todo o mundo.

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