Março chega ao fim e índices de violência contra a mulher continuam crescendo após o mês que as homenageia

Números trazem reflexão acerca das políticas públicas que deveriam ser abordadas para a segurança dessa parcela da população

Joy foi a artista que realizou pintura no novo local do Centro de Atendimento à Mulher. Foto: Joyce de Sousa

Por Carol Quincozes / Em Pauta

Quando se pensa no 8 de março, Dia da Mulher, é comum que as mulheres ganhem flores, chocolates e outros tipos de gratificações. O mês de março, na realidade, pode ser considerado como o mês delas por muitas pessoas, que configuram como a maioria da população – 51,1% da nação brasileira é mulher.

A questão é, a vida continua, e apesar das homenagens direcionadas ao público feminino, palavras de carinho, afirmações e todo o tipo de frases caprichadas estampadas em imagens bem escolhidas, de que forma as mães, irmãs, filhas – mulheres – estão se sentindo em relação à sua segurança? De que forma as políticas públicas estão as acolhendo? De que maneira a sociedade realmente as vê?

Conforme a 4ª edição da pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, feita pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, cerca de 18,6 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência em 2022, seja ela física, sexual ou psicológica. Ainda de acordo com esse levantamento, uma em cada três brasileiras com mais de 16 anos sofreu violência física e sexual provocada por parceiro íntimo ao longo da vida. São os maiores números da série histórica (4,5 pontos percentuais acima do resultado da pesquisa anterior).

E afinal, quais as raízes desses problemas? O que leva 21,5 milhões de mulheres, ou 33,4% do público feminino, relatar que já sofreram violência física e sexual pelo próprio parceiro? Que fatores fazem com que uma mulher seja agredida a cada 22 minutos no estado do Rio Grande do Sul?

Segundo Elisiane Chaves, pesquisadora e historiadora, há indícios de que no início da convivência da humanidade em pequenos grupos, homens e mulheres viviam em situação de igualdade. Entretanto, no momento da divisão de tarefas, as mulheres tinham que cuidar dos filhos e coletar alimentos cotidianamente, enquanto homens, mesmo que não saindo para caçar todos os dias, elaboraram a ideia de que suas atividades eram mais “importantes”. 

“As mulheres não tiveram participação na construção desse modo de ver a vida. Para impor a elas esse pensamento, eles (homens) usaram até a violência física. Com o aumento da convivência entre diferentes grupos, essa ideia de superioridade masculina, como beneficiava os homens, foi sendo ensinada a outras sociedades e, como consequência, também foi transmitida entre as gerações, chegando até os dias de hoje, ainda que com menor vigor”, relata.

Lisiane auxiliou na dissertação de mestrado nomeada como “[…] eu quebrei a pau, chutei, arroxei os dois olhos, eu gostava tanto dela, não era pra ter feito aquilo comigo”: narrativas de réus julgados por violência doméstica na comarca de Pelotas-RS (2011-2018). No momento atual, está sendo feita uma pesquisa sobre os feminicídios ocorridos a partir de 2014 em Pelotas, cujo a realização servirá para a tese de Doutorado, prevista para ser defendida ainda no primeiro semestre deste ano.

“Para a dissertação de mestrado, foram entrevistados 18 homens que eram réus em processos que tramitavam no Juizado da Violência Doméstica de Pelotas. Os relatos que marcaram foram aqueles em que alguns disseram que mesmo sabendo que a situação das mulheres mudou, eles ainda as queriam submissas, como era antes. A maior parte dos réus relatou que aprendeu que o homem deve tomar a frente das decisões de um casal, pois sempre foi assim. Acreditam que isso foi aprendido tanto com os pais, quanto na convivência em sociedade”, analisa Elisiane. 

“O maior problema que eu noto é que a sociedade trata a vítima como culpada, ela culpabiliza a mulher por aquela violência, então a mulher tem vergonha de falar, seja para os amigos ou familiares”  é o que expõe Paola Fernandes, coordenadora do Centro de Referência ao Atendimento à Mulher Professora Cláudia Pinho Hartleben, local oferece serviços de acolhimento a mulheres que sofreram qualquer tipo de violência descrita na Lei Maria da Penha. 

Conforme a coordenadora, o centro realiza um trabalho psicossocial com as vítimas, onde psicólogas e assistentes sociais auxiliam nesse processo, que busca a superação do trauma e o recomeço da jornada dessas mulheres. “A mulher é muito descredibilizada, então quando ela vai contar uma violência que talvez ela possa não ter provas, como violência psicológica ou abuso sexual dentro de um casamento, a palavra da mulher, perante o judiciário, geralmente não basta. Isso é um fator muito complicado”.

Apesar de fazer parte da cidade há nove anos, o Centro de Atendimento teve adicionado o nome de Cláudia Pinho Hartleben a partir de 2020. Como destaca Paola, o nome é bastante representativo por ser um caso emblemático e de grandes repercussões, já que comoveu o município na época do crime. Cláudia lecionava na UFPel e tinha 47 anos quando foi vista pela última vez, em 9 de abril de 2015. Os principais suspeitos continuam sendo o ex-marido, João Morato Fernandes, e o filho do casal, João Félix Hartleben Fernandes. Em dezembro daquele ano, ambos foram acusados pelo Ministério Público de Pelotas por homicídio qualificado, ocultação de cadáver e feminicídio. 

Em 2019, o caso foi arquivado porque todas as pistas foram seguidas, mas o desfecho de Cláudia não se concretizou. Foto: Facebook/Reprodução.

Apesar dos ataques físicos e, pior ainda, os feminicídios serem o ápice da violência contra a mulher, existem outras formas de agressão que são inundadas de desrespeito e hostilidade – o assédio e a importunação sexual. Inclusive, as práticas citadas podem ocorrer em formato virtual, ambas enquadrando-se em atos criminosos, de acordo com a lei 13.718, com pena prevista de 1 a 5 anos de prisão. 

“Eu recebi uma mensagem de um número desconhecido e foi apagada sem eu ter aberto, daí na outra noite eu recebi uma foto de visualização única e era um pênis. Nisso, meu namorado foi falar como se fosse eu, enquanto o cara falava como se me conhecesse e eu quisesse aquela foto”, é o que compartilhou a estudante de Biologia da UFPel, Luíza Romano, que se enquadra como vítima dessa situação.

Infelizmente, relatos dessa natureza não são raros – muito pelo contrário, são tão frequentes que são praticamente comuns na vida das mulheres. De acordo com pesquisa publicada em outubro de 2020, intitulada como “Liberdade On-line? Como meninas e jovens mulheres lidam com o assédio nas redes sociais”, realizada pela ONG Plan International, 77% das brasileiras sofrem assédio pela internet. Para se ter uma noção, a média global é de 58%.  

Luíza diz já ter passado por ocasiões desse gênero e, inclusive, afirma não ter demonstrado grandes reações por isso. “Na verdade, eu não esbocei espanto, o que torna a situação bem mais triste”, finaliza a estudante. 

Pelas estatísticas da Secretaria de Segurança Pública do Estado, além dos dois feminicídios, em janeiro e fevereiro deste ano, Pelotas somou 169 casos de ameaça, 152 registros de lesão corporal e 14 estupros. 

Esses números comprovam que situações como a que Cláudia Hartleben foi acometida não são casos isolados. É possível citar Márcia Oliveira da Silva que, em agosto de 2021, via sua vida chegar ao fim após o marido jogar em seu corpo uma substância inflamável e, após alguns instantes, atear fogo. Ou, talvez, relembrar o caso da radialista Andreia Belasque, de 40 anos, que foi encontrada morta em novembro do mesmo ano, no km 521 da BR 116. Por fim, é possível citar uma companheira de profissão de Cláudia, desta vez, professora de matemática – Gillan Garcia de Oliveira, de 54 anos, foi morta a tiros pelo companheiro em março deste ano, deixando uma filha.

 

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