Leia Mulheres leva luz à literatura feita por elas

Por Claudine Zingler

Quantos livros escritos por mulheres você já leu? Quantas escritoras estão presentes em sua estante? A britânica Joanna Walsh não estava contente com as respostas que tinha dado a essas perguntas e criou a hashtag #ReadWomen2014. A ideia era postar livros escritos por mulheres nas redes sociais, para divulgar as autoras e seus trabalhos.

Foi inspirada pela hashtag e com vontade de fazer algo mais prático que Juliana Leuenroth, Juliana Gomes e Michele Henriques deram o pontapé inicial no projeto Leia Mulheres aqui no Brasil, primeiramente em São Paulo, cidade onde moram. Atualmente elas são parte da coordenação nacional do clube de leitura, porém cada cidade tem autonomia na escolha dos livros e locais de encontro. Leuenroth conta que “a criação do clube foi justamente para que pudéssemos discutir sobre o reconhecimento de autoras e para evidenciar o trabalho delas.”

Quando perguntada sobre as dificuldades enfrentadas pela iniciativa, Juliana conta que elas enfrentaram preconceito, “pois ainda se pensava nesse termo ‘literatura feminina’, como se as mulheres escrevessem algo com menos qualidade e direcionado exclusivamente para mulheres”. Hoje em dia, três anos depois de sua criação, muitos estados já recebendo o Leia Mulheres, inclusive o Rio Grande do Sul. No Brasil são cerca de 80 cidades e até fora do país os primeiros encontros do leia já estão acontecendo, como em Porto, capital lusófona. Aqui em Pelotas, o Leia Mulheres teve sua primeira edição em janeiro de 2018, com a discussão do best seller Outros Jeitos de Usar a Boca, de Rupi Kaur. Mas, a vontade de iniciar o grupo na cidade já existia há mais tempo. Porém, foi nesse ano de 2017 que as moderadoras do Leia aqui em Pelotas colocaram a ideia na rua, criando primeiramente um grupo no Facebook para unir as pessoas interessadas.

Viviane Martini, uma das moderadoras dos encontros em Pelotas, conta que já havia participado de clube de leitura, mas que ao se aproximar do feminismo e da literatura, já na universidade, percebeu “que não tinha contato com autoras como gostaria, e daí surgiu a vontade de aumentar a biblioteca”. Ela conta que conheceu o Leia Mulheres pela internet, se reuniu com mais duas interessadas (Claudine, essa que vos fala, e Deise Grellert) e assim se deu o início os encontros na cidade. “Já conversamos sobre diversos livros de autoras pouco conhecidas pelo grande público e de diferentes gêneros”.

Ela destaca diversos pontos positivos nos encontros do grupo: “Os encontros são levados de maneira muito natural, cada mês procuramos um lugar novo, comandado por mulheres, aonde os participantes dividem suas impressões sobre o que gostaram ou não nas obras”. Ela também fala sobre o fato de, em uma cidade universitária, as discussões não irem muito ao encontro de academicismos, o que pode às vezes afastar o público: “o fato dos encontros fugirem do teor acadêmico torna a conversa mais natural, e não uma procura de demonstrar conhecimento através de teorias”.

Viviane também pontua que o Leia Mulheres vai além da sua proposta inicial: “Os encontros tem sido uma grande troca, de dividir impressões e se conhecer um pouco mais, conhecer pessoas que dividem esse gosto pela leitura e estão dispostas a se jogarem em um livro que foi pouco ou nada falado”.

Outro ponto bastante citado é a oportunidade de conhecer autoras novas. Viviane chama atenção para o fato de ter conhecido escritoras “que talvez eu nunca fosse parar para ler se não fosse o grupo”. Essa é uma fala que se repete nas entrevistas. Ana Paula Camargo trabalha como técnica química na Embrapa e participa ativamente dos encontros do Leia Mulheres Pelotas. “A gente acaba indo pelos clássicos ou pelos mais aclamados da crítica e acaba perdendo tanta coisa boa e deixando de valorizar tanta gente bacana”, ela diz.

A química industrial conta, bem humorada, que apesar de ser “de exatas”, sempre gostou da área das humanidades. Ana diz que está tentando recuperar o tempo perdido sem ter o hábito de ler e que conheceu o Leia (como o clube é carinhosamente chamado) pelas redes sociais. “Nunca tinha participado de nenhum grupo e esse ano que eu resolvi me dedicar mais à leitura, conheci o Leia Mulheres, o que veio muito a calhar”, conta.

Ana Paula afirma:”“Estou amando! Falo pra todo mundo que eu conheço e que gosta de ler. As discussões incluem sempre o lado humano, a sociedade atual, os preconceitos, etc., e não só o assunto do livro em si. São encontros realmente enriquecedores”.

Mediadoras do projeto. Divulgação

O Leia Mulheres Pelotas é itinerante, sempre fazendo os encontros em estabelecimentos geridos por ao menos uma mulher. Além das participantes conhecerem novas autoras, têm a oportunidade de conhecer as mulheres que comandam suas próprias empresas na cidade. Izabel Brum, uma das responsáveis pelo restaurante Orion Gastronomia Intuitiva, juntamente com sua sócia Julia Tunes, recebeu em seu estabelecimento a edição do Leia Mulheres Pelotas de maio, que discutiu sobre O Conto da Aia, obra de Margaret Atwood. Izabel conta que como empresárias e feministas, as sócias tentam “sempre incentivar o trabalho feminino inclusive nos nossos eventos, sempre convidando artistas e empreendedoras mulheres para participar, bem como na contratação das nossas funcionárias, também mulheres”. Portanto, o Leia Mulheres no Orion veio a calhar: “Para nós, o leia mulheres é uma maneira muito positiva de incentivar a cultura e quebrar paradigmas, pois atualmente a maioria dos livros lidos são escritos por homens”, diz. Todas as escolhas feitas são políticas e, portanto, ela ainda pontua que o projeto promove uma nova forma de ver a cultura e as escolhas feitas pelas pessoas em relação à informação cultural.

Perguntada sobre as expectativas para os futuros encontros do Leia Mulheres Pelotas, Viviane conta que são as melhores possíveis. “Espero que os próximos encontros sigam tão bons quanto os que já se passaram”, torce. “Chegamos sempre à conclusão que nos falta literatura feita por mulheres. Sinto que nossos papos vão além do livro: compartilhamos experiências ao refletir o livro, e vamos construindo juntos, além de dividirmos dicas de livros, filmes, etc.”. Juliana, também falando sobre os resultados já atingidos e as perspectivas de futuro do Leia, conclui: “É muito legal ver que editoras passaram a olhar com mais cuidado essa questão é estão atrás de publicar novas vozes. Para o futuro, acredito que o principal é consolidar esses clubes, melhorar nossa estrutura”.

O próximo encontro do Leia Mulheres Pelotas será no dia 28/07 e irá discutir a história em quadrinhos Persépolis, de Marjane Satrapi, no Espaço oMZe (Rua Coronel Alberto Rosa, 200), às 15h. Após, haverá apresentação do Aklanto Poesia. O evento já está no Facebook!

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