Jornalismo científico: tensionamento entre ciência e realidade

Por Ezekiel Dall’Bello

A figura do cientista é utilizada por muitos ramos para a especificação de dados e a consolidação de conceitos. Partindo-se do pressuposto de que estes profissionais são dominadores do conhecimento e detentores de uma especialidade, na qual são peritos, estes são procurados a fim de garantir uma certeza em questões diversas. Porém, atualmente existe um tensionamento entre as respostas trazidas por estes cientistas – principalmente através do jornalismo – e a realidade propriamente dita.

Estamos abordando esse tensionamento baseado em alguns casos reais específicos que nos vem à tona, como o do matemático Stephan Lechner. Junto a 300 cientistas, Lechner trabalha com margens teóricas, buscando resultados para as atividades naturais e humanas que gerem riscos e incertezas. Porém, não sabiam estes cientistas a que ponto um “deslize” na colocação de seus estudos poderia chegar.

Em 2009, na região de Áquila, na Itália, um abalo sísmico comprometeu as estruturas da cidade matando mais de 300 pessoas. Dentro dos estudos desse grupo de cientistas, tal terremoto não estava previsto, pois segundo eles, o risco era pequeno. Após a realidade provar o contrário da teoria especulada, acusações começaram a surgir de encontro a Lechner e seus pesquisadores, os quais se viram respondendo por este “erro” nos tribunais, passíveis de punições e sanções disciplinares da justiça comum, o que se confirmou com seis anos de cadeia.

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Terremoto matou mais de 300 pessoas em 2009
Foto: Divulgação

O julgamento foi um choque para todos, e logo Lechner organizou um debate intitulado “Ir para a cadeia por ser um cientista?”, no qual afirmou: “Este debate é a prova de que o caso de Áquila influenciou muito na forma como comunicamos o que sabemos e como nos relacionamos com a sociedade, através de políticos e jornalistas”. O matemático nos ajuda a refletir quanto à profissão do jornalista, do cientista e do jornalista-científico, pensando se o trabalho realmente vale a pena.

O jornalista, enquanto relator de fatos, é – ou ao menos deve ser – um transmissor da realidade. No momento em que ele afirma algo, como um dado científico, por exemplo, seus leitores não questionam a veracidade da informação pois são crentes do processo de apuração feita por este profissional, o qual não iria trazer uma inverdade para as folhas de jornal ou páginas de internet.

Entretanto, grande parte dos jornalistas científicos não são cientistas muito menos dominadores do assunto, mas apenas os intermediadores entre a informação do especialista e o desconhecimento do leigo (leitor). De tal modo, um erro muitas vezes passa despercebido por este jornalista. Quando essa inverdade se apresenta, tal jornalista é “crucificado”, perdendo a credibilidade perante os leitores e comprometendo a imagem e os clientes da empresa ou grupo de comunicação para o qual trabalha.

Esse “divisor de águas”, entre a notícia e o verossímil, sempre acompanhou o jornalismo, mas no científico cresce de importância devido às consequências, conforme exemplificado no caso supracitado. Todavia, isso não abala somente os jornalistas, mas também – se não principalmente – os cientistas. Estes se veem cada vez mais “acanhados” de apresentar resultados ou responder qualquer questão pois sabem da periculosidade de um erro.

Tanto isso é verdade que, hoje em dia, muitos são os cientistas que não falam mais com a imprensa, por exemplo, a não ser pela intermediação de seus assessores de comunicação. Esses profissionais tem a plena consciência do que dizer ou não dizer para a mídia, de forma a não comprometer o cientista em questão. Acerca disso, o próprio Lechner afirma que “Existe o risco de que muitos cientistas deixem de responder quando se lhes solicita uma opinião sobre sua experiência; muitos já deixaram de falar com a imprensa. Que utilidade tem isso para a sociedade?”
Hoje existe muito mais rigor da transmissão da mensagem científica para o jornalista ou público em geral, atentando para as consequências de uma informação imprecisa. E desde então, é consenso entre os cientistas nunca mais trabalhar na possibilidade de “risco zero”.

Para os jornalistas, sobra a missão de se tornarem conhecedores do assunto a fim de interpretarem a informação, e não só repassá-la “crua” como recebem. Não se faz necessário que se especializem no assunto – o que seria o ideal – mas que entendam do que estão relatando a fim de não serem mais reféns do desconhecimento e possibilitarem uma maior segurança aos cientistas em repassarem seus estudos. Caso contrário, perderemos a voz da ciência com medo do julgamento e, ratificando a fala de Lechner, isso não tem utilidade alguma para a sociedade.

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