Festival Cabobu: as relações raciais e de gênero no Brasil

A primeira mesa redonda que abriu a sequência de debates no Festival Cabobu tratou sobre a violência e o feminicídio de mulheres negras, cis, trans e indígenas, e contou com a presença de diversas figuras importantes para a causa

Por Maria Eduarda Lopes / Em Pauta

O Festival Cabobu, além de oficinas, shows, exposições e feiras, também incluiu em sua programação as mesas redondas. No primeiro dia de festival (21/04), às 08h30, na Bibliotheca Pública Pelotense, o Espaço Mestra Griô Sirley Amaro recebeu a primeira mesa com o título “As Relações Raciais e de Gênero no Brasil: A Violência e o Feminicídio à Mulheres Negras, Cis, Trans e Indígenas”. O debate, mediado por José Batista, contou com a participação de Cátia Cilene, Catharina Mota, Daiana Santos, Márcia Monks, Nina Fola e Pietra Dolamita.

Pietra Dolamita, Kowawa Kapukaja Apurinã, iniciou as falas da manhã: “Fala-se bastante que a mãe do Brasil é indígena, mas se esquecem de dizer que essa mãe foi violada e teve gravidez compulsória. Esqueçam qualquer fantasia ou textos antigos, rasguem a carta de Pero Vaz de Caminha, rasguem as partes dos livros de história que relatam sobre as mulheres indígenas e sobre os povos indígenas, e aprendam conosco”.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Dentre as várias pautas profundas tratadas pelas convidadas, o massacre e o abuso contra mulheres trans foi relatada por Márcia Monks, diretora executiva do Conselho Municipal dos Direitos e da Cidadania LGBT: “Eu não tenho mais medo de contar as minhas mortas. São tantas, e não são por um tiro, ou por uma facada; somos mortas pela desigualdade. A cada 48 horas uma transexual ou travesti é assassinada no Brasil, vítima de crueldade. Contamos as nossas mortas porque não temos mais medo de morrer, estamos dando a cara a tapa há muito tempo. O movimento de transexuais e travestis no Brasil já tem mais de 30 anos. Começamos a nos organizar quando percebemos que estávamos sendo mortas por uma estrutura de genocídio da nossa população, por pessoas que nos odeiam simplesmente por existir”.

A deputada federal Daiana Santos (PCdoB) também agregou suas ideias à discussão: “Precisamos entender essa violência como a ausência de políticas efetivas, de uma perspectiva real que nos condiciona a viver desta forma. Temos uma estrutura extremamente machista e racista, que traz como parte dessa construção da nossa sociedade todas as violências, tanto das mulheres negras e indígenas. Nós precisamos romper esse ciclo sistêmico de condicionamento das mulheres à aceitação de relações extremamente abusivas. Só dessa forma conseguiremos falar sobre a emancipação real”.

A Bibliotheca Pública Pelotense se encontrou ocupada por dezenas de pessoas que foram testemunhas da emoção ao ver mulheres tão potentes evidenciarem e denunciarem as causas pelas quais lutam. Um espaço que antes era de difícil acesso para a população negra, por ser um prédio majoritariamente tomado por homens brancos, colonizadores e escravocratas, na sexta-feira foi palco de uma parte tão importante do Festival Cabobu.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Em entrevista para o Em Pauta, Daiana Santos ressalta o valor em ter participado da mesa redonda: “Foi fundamental para mim participar desse Festival e estar nessa mesa, que simboliza a cara do Brasil. Essa diversidade somos todas, todos e todes nós. Trazendo isso de uma forma estruturada é estar condicionando a mudança efetiva. A partir do momento que mobilizamos essa fala e criamos essa narrativa num contexto como esse, dentro de um Festival tão potente onde temos um debate tão amplo, com um recorte bem específico de gênero e também de raça, conseguimos levar elementos para as transformações”.

Pietra Dolamita também expressou o seu contentamento: “Estar numa mesa redonda com Nina Fola, Catharina Motta e Márcia Monks, é marcar o nosso lugar e ter a esperança de um mundo contra o patriarcado. Nós lutamos contra o patriarcado, contra o machismo e o feminicídio das mulheres. Então, como mulher, eu me sinto extremamente feliz, e não só feliz, mas representada como uma mulher indígena num espaço muito segregador que é Pelotas, que tem uma estrutura de racismo e escravidão muito longa”.

O Festival Cabobu programou, além desta, mais cinco mesas durante os três dias de evento. Discutir a estrutura misógina e os instrumentos de opressão patriarcal na cidade de Pelotas, inseridos num contexto de raça, é de extrema relevância para organizar nossos movimentos e alcançar a equidade e emancipação.

Comentários

comments

Você pode gostar...