Caso Carlota e o debate sobre gênero

Por: Rafael de Lima

Estudante da PUC-RS, Carlota Miranda provocou debate nos últimos dias. Tudo porque mostrou nas redes sociais ter conseguido usar o nome social na universidade e informou que frequenta o banheiro feminino. Nada diferente se Carlota não tivesse barba, batom e se não fosse encarada por parte da militância trans como uma afronta aos direitos conquistados.

Carlota acredita que o fato de não se identificar como binário causou tanta polêmica, já que o uso de nome social até então é uma política para pessoas binárias, que se identificam com o gênero feminino ou masculino. Mas, sim, a barba é um marcador de gênero que está colado ao gênero masculino. A grande discussão se deu pelo fato de que a barba é um marcador de gênero que está colado ao gênero masculino e seu ser lido como um nome feminino. Mas Carlota não se identifica como mulher e nem como homem. Mas como uma pessoa não binária. Barba, bigode, saia, salto são marcadores de gênero, que Carlota considera desconstruídos. “Uso saia diariamente e quem me conhece sabe disso: batom, salto, glitter. Fui incorporando aos poucos. E sofro diariamente uma vigilância, pois não sou lido como um homem gays cis, pois estes símbolos ‘bagunçam’ este lugar. Estes mesmos símbolos não possuem gênero para mim, mas foram incorporados como sendo femininos ou masculinos. A saia, por exemplo, desestabiliza alguém que a lê como uma peça exclusiva do vestuário feminino. O batom, o salto… Faço por gostar e não por incorporar o gênero a estes símbolos”, afirma Carlota.

Muitos acham que Carlota não passa de um homem cis se apropriando dos direitos conquistados pela comunidade trans, debochando dos mesmos e atrapalhando a luta pelo reconhecimento da identidade. Sobretudo num momento em que o direito ao banheiro de pessoas trans é dificultado e confrontado por discursos de possíveis figuras ditas masculinas em tais espaços. Outras pessoas defenderam Carlota, dizendo que estavam fazendo exatamente o que muita gente transfóbica já faz: delimitar espaço por características e padrões do que é ser mulher, feminino e passável. Seja por uma vagina, por uma perna com pelos ou por uma barba. Muitas opiniões surgiram, mas muitas pessoas também ficaram sem saber o que falar sobre o assunto.

Algumas mulheres apresentaram uma opinião em seus comentários defendendo a ideia que se sentem invadidas, amedrontadas pelo uso do banheiro feminino pela Carlota, pelo fato de sua aparência remeter ao sexo masculino reforçada pelo uso da barba, mesmo estando vestida com roupas consideradas femininas perante a sociedade. Uma internauta, ao debater sobre o caso nas Redes Sociais, comentou que: “Eu sei que se eu ver uma pessoa com aparência de homem no banheiro feminino eu vou sentir medo, assim como sinto medo de um homem andando atrás de mim a noite na rua.”

Em alguns comentários por parte da comunidade trans que se manifestou, a ideia defendida é de que posturas assim atrapalham a luta pelo reconhecimento da identidade, só vestir roupas e passar baton não caracterizaria o direito a identidades, levando em conta todas as transformações que muitas pessoas fazem em suas vidas e seus corpos para conseguir um reconhecimento.

Mas a grande questão é quem determina o que somos ou não. A construção social a qual somos submetidos sobre aparência e definições de beleza parece sobressair ao fato do que realmente sentimos, o filósofo Michel Maffesoli em seu livro O tempo retorna – formas elementares da pós-modernidade nos apresenta a ideia de que não é de hoje que encontramos em astros ou personalidades que, ainda que durante seus quinze minutos de fama, surgem como salvadores da pátria e criam regras de como agir. O autor nos lembra que desde sempre passamos por este tipo de situação, estimulando o conformismo de pensamento em nossa sociedade. Ou seja, somos pautados e guiados por normas e regras criadas pela sociedade atual, obedecemos e seguimos critérios que busca nos definir, que procuram definir o outro por sua forma de agir ou vestir, mas com que poder podemos definir o que o outro é, se toda questão é de auto-identificação e, a recusa pela auto-identificação do outro é uma forma de opressão.

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