A realidade da Casa do Estudante da UFPel

Por Estevan Garcia

Muitos passam pela frente. Muitos conhecem algum morador. Mas você sabe qual a realidade da casa?

(Foto: Estevan Garcia)

(Foto: Estevan Garcia)

 

Sábado, 20 de junho, centro de Pelotas, dia ensolarado, porém, frio (desses de comer bergamota no sol). O endereço era Andrade Neves, esquina General Teles. Chegando ao local, me deparei com uma madeira fixada na parede do prédio a qual indicava o número: 1290. Acima da madeira havia uma placa dizendo: MEC – UFPel – Casa do Estudante. Conclui: é aqui! Cheguei até a porta e pelo vidro, do qual era formada, enxerguei um homem sentado, usando fones de ouvido, em frente a um computador. Esperei alguns minutos para ver se o mesmo percebia a minha presença. Não percebeu. Logo, bati na porta. Notando que havia alguém ali querendo entrar, fez sinal com a mão: “Entre” – tirando um dos fones do ouvido. Girei a maçaneta, entrei, subi alguns degraus e me apresentei: “Olá, sou estudante de Jornalismo. Vim conversar com uma moça do terceiro andar.” Recebi um “Pode subir”.

Sem nenhuma instrução sobre se o “Pode subir” se referia à escada ou ao elevador, subi de escadas. O prédio dava uma impressão de umidade (típica da cidade de Pelotas). O piso das escadas era formado por tijoletas aparentemente antigas, com formas geométricas desenhadas. Depois de um lance de escadas cheguei ao segundo pavimento, onde encontrei longos corredores, cheios de quartos. Como meu destino não era aquele andar, segui em frente. Subindo mais um lance de degraus, cheguei ao terceiro pavimento. Sua entrada estava bloqueada por grades de um vermelho alaranjado, envolvido com uma corrente de metal e um cadeado. Materiais de construção caídos no chão anunciavam que o local estava em obras. Subi mais um lance de degraus e cheguei ao meu destino. Os números nas portas pintadas de um verde escuro diziam que eu estava perto do quarto.

A casa segundo a Pró-Reitora

Fui até a Casa do Estudante com a esperança de encontrar quartos com as características passadas a mim pela pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFPel, Ediane Sievers Acunha. Segundo a mesma, a Casa do Estudante, alugada há mais de 40 anos pela UFPel, possui 90 vagas e, atualmente, 88 moradores. Os quartos seriam ocupados por duas ou três pessoas, teria um banheiro para cada quarto, duas camas com colchão, frigobar novo, entregue em 2015, e armários. Segundo ela, a casa não possui área de cozinha porque a alimentação dos moradores é oferecida pelo Restaurante Universitário (RU). “Eles têm direito ao café da manhã, almoço, jantar e ceia. Essa ceia é um lanche que é entregue no horário que eles vão fazer o jantar. Nós colocamos frutas em todas as refeições para o pessoal poder levar pra fazer lanche fora de horário”.

Ediane conta que devido ao fato de a UFPel ter quase 2500 alunos em assistência, ela não tem muito tempo para acompanhar de perto a Casa do Estudante. “Pra isso, a gente tem o chefe do Núcleo de Moradia, ele tem uma sala lá e está sempre nessa sala. Ele que acompanha todo o funcionamento da casa, os problemas que têm, quando os moradores precisam de manutenção de alguma coisa, tudo que é problema que tem na Casa do Estudante é ele que administra”, afirma.

Quanto à estrutura da casa, a pró-reitora conta que é nada suficiente: “tu imagina que a gente tem quase 1000 estudantes em auxílio moradia e a gente tem menos de 90 lá, então a gente tem menos de 10% do que a gente consegue atender da demanda de moradia, que já é reprimida”. Segundo ela, o grande problema que desencadeou a falta de vagas para suprir a demanda na casa do estudante foi a UFPel ter aderido aos programas Reuni e Sisu. Aponta que depois que a Universidade aderiu a estes programas, aumentou muito o número de estudantes de fora da cidade, além de pessoas com condições financeiras mais precárias, e não se fez uma previsão desse aumento, nem se colocou mais leitos na Casa do Estudante.

Porém, em relação ao futuro, a pró-reitora diz estar confiante. Comenta que o grande projeto desta gestão, na assistência estudantil, é a construção de uma nova Casa do Estudante, a qual terá cerca de 1300 vagas.  “Então, isso pra nós resolve um monte de problemas, porque as pessoas vão ir pra um lugar onde elas serão acolhidas com as condições necessárias, que hoje a gente não tem nessa casa”.

A realidade da casa – visita e entrevista às moradoras

Cheguei até lá, a porta estava entreaberta. O quarto era grande, mal pintado. Possuía dois beliches, possibilitando que quatro pessoas dormissem ali. Havia toalhas penduradas na cabeceira das camas, com o fim de secar, imagino eu. Cumprimentei a moradora do quarto e sentei-me. O nome dela é Landa Ciccone, 30 anos, natural do Rio de Janeiro, estudante do curso de Filosofia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Contou-me que mora ali desde o início de 2011, quando foi transferida para lá. Com ela, neste momento, moram quatro estudantes, o que é um número grande. Porém comenta que já chegou a morar com sete pessoas em um quarto do tamanho daquele. “Você imagina, um quarto desse tamanho aqui com sete pessoas morando? Aqui a gente está em quatro, nesse momento, e às vezes já é meio caótico. Com a superlotação, você gera o problema de saúde mental. Nós estávamos tendo esses problemas aqui no período que tinha sete pessoas no quarto. Este foi o período que mais tivemos tentativas de suicídios e pessoas com alguns transtornos depressivos aqui dentro da casa”, afirma Landa. Na gestão do ex-reitor, César Borges, foi feito um acordo. A partir dali seriam entre duas e três pessoas por quarto. E assim se manteve até o início deste de 2015, quando houve o episódio de confronto entre alunos e assaltantes na casa provisória da UFPel, a qual abriga alunos os quais aguardam para morar na casa do estudante. “A gente trouxe eles pra cá num sistema de solidariedade mesmo, pra não deixar eles lá passando por este tipo de situação”, comenta a estudante de Filosofia. No início, os novos moradores dormiram no terceiro pavimento, o qual estava em reformas. Depois foram alojados nos quartos. E assim se deu a lotação de quatro a cinco pessoas por quarto novamente. A estudante conta ainda que a casa provisória é alugada, e que o contrato vence ainda no mês de junho. “Têm algumas pessoas que vão ter que sair de lá. E esse semestre não vai ter alojamento provisório para ninguém, pelo que disse a reitoria”.

Quando questionada sobre espaços de cozinha e convivência dentro da casa, a estudante aponta que nunca tiveram, e salienta a importância que teria um espaço de cozinha dentro da casa: “isso acontecia muito comigo no semestre passado: eu estava em um projeto, aí saia do projeto, ia pra aula e não dava tempo de ir pro RU (Restaurante Universitário) jantar. Às vezes, nem almoçar. Aí você passava o dia inteiro sem comer. Se tu tiveres algum dinheiro, tu consegues comprar alguma coisa. Se tu não tens dinheiro, tu vai ficar sem comer. O pessoal aqui faz direto miojo com água quente do chuveiro. E assim o pessoal vai se virando”.

A acadêmica ainda aponta que nem todos os estudantes conseguem ter os horários adequados ao horário do RU e que o RU não proporciona a alimentação adequada para todos: “Têm pessoas aqui dentro que têm alguns regimes alimentares que são diferenciados. A gente tem pessoas aqui que são soro positivo, tem pessoas que são diabéticas, ou seja, a alimentação é diferenciada”. Landa comenta também sobre os frigobares, que eram prometidos desde 2013 e foram entregues no início deste ano: “Tem frigobar em alguns quartos, mas não em todos. Alguns estão queimados, pois o sistema elétrico daqui não suporta os equipamentos”.

Outra moradora da casa é Grazielle Bessa, 19 anos, natural de São Paulo, capital. A estudante mudou-se para Pelotas no início de 2015, quando entrou para o curso de Teatro da UFPel. Desde então, mora na Casa do Estudante da UFPel. Grazielle comenta que a estrutura da casa é precária, e confirma a necessidade de um espaço de cozinha: “não possuímos cozinha, nem pia para lavar pratos, garfos, ou qualquer coisa de cozinha”. Além disso, comenta que os quartos só possuem um banheiro, o qual é dividido entre três pessoas que residem no quarto com ela. A estudante comenta que é quase impossível ficar sozinho no quarto: “Aqui você nunca vai estar sozinho, mesmo. A menos que esteja dividindo o quarto com uma pessoa só, o que é o correto, mas não acontece de fato”.  Grazielle completa exclamando ”A faculdade não se importa com quem vem de longe e precisa de um lugar para morar. O pior é que sabemos que esta não é a única moradia precária do país”.

Pelo menos em algo a pró-reitora e os moradores concordam: a casa não supre a necessidade dos estudantes. A reitoria da Universidade Federal de Pelotas deveria dar mais atenção aos moradores da Casa do Estudante da UFPel e suas reais demandas.

 

 

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