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Informe Nº 05

O foco deste informe são as políticas públicas em todos os níveis: federal, estadual e municipal e que ações recomendamos a luz dos dados analisados.

Estas e outras questões são discutidas neste quinto informe do Observatório do DCSA.

Introdução
O quinto informe pretende avançar na análise da situação das políticas públicas que vem sendo elaboradas e implementadas nas esferas federal, estadual e municipal no atual cenário da seca e da pandemia da Covid-19. A partir dos dados analisados e discutidos no informe anterior, apresentamos algumas ações que vem sendo desenvolvidas, principalmente em âmbito regional, para garantir a reprodução da agricultura familiar. Destaca-se a falta de articulação das políticas existentes entre os entes federativos, o que tem gerado dificuldades de acesso e ineficiência das mesmas junto aos agricultores. Por fim, ressalta-se que a coleta dos dados para elaboração desse informe, ocorreu durante a semana dos dias 18 a 22 de maio, portanto antes das chuvas que grassaram a região nos últimos dias e que podem ter amenizado temporariamente a situação de estiagem relatada.
Agricultura familiar: garantia de segurança alimentar
Nesse momento de incertezas frente à pandemia da Covid-19, diversos órgãos internacionais têm apontado a agricultura familiar como ator importante na garantia da segurança alimentar e nutricional das populações afetadas e na manutenção do abastecimento alimentar local dos países. A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), por exemplo, tem destacado que essa não é apenas uma crise sanitária, mas também uma crise econômica e alimentar decorrente da paralisia gerada pelas ações adotadas para mitigar a transmissão do vírus. Nesse sentido, além de apoiar a produção local de alimentos, majoritariamente realizada pela agricultura de base familiar, a FAO lançou uma cartilha na qual instrui os agricultores sobre ações (produtivas, transportes, comerciais, etc.) a serem tomadas para evitar o contágio pelo coronavírus[1].

[1] http://www.fao.org/3/ca8660en/CA8660EN.pdf

Preocupação mundial com a agricultura familiar
Esse processo de preocupação com a sobrevivência dos agricultores também tem aparecido em alguns países. Um exemplo é os Estados Unidos, onde foi anunciado ainda em 17 de abril e 2020, um pacote de 19 bilhões de dólares para ajudar o setor agrícola a superar a recessão econômica causada pela pandemia da Covid-19. Na América Latina e Caribe, membros de diversos países, inclusive a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Tereza Cristina, assinaram uma declaração conjunta para garantir o abastecimento durante a pandemia, se comprometendo a desenvolver ações para apoiar o funcionamento regular do sistema alimentar durante a crise da Covid-19.
O 'famigerado' veto do presidente Bolsonaro
Em que pese tal manifestação, o governo federal tem atuado muito pouco na garantia da reprodução dos agricultores familiares. Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro vetou o acesso dos agricultores familiares e suas diversas categorias da ajuda emergencial (renda básica) de R$ 600,00 mensais referente ao projeto de lei, o qual garantia esta inclusão, aprovado pelo senado federal no mês de abril.  Com o argumento de que o enquadramento dessa “profissão” geraria desigualdades em relação àquelas não contempladas, o governo federal impediu “pescadores profissionais artesanais e os aquicultores; os agricultores familiares; os arrendatários, os extrativistas, os silvicultores, os beneficiários dos programas de crédito fundiário, os assentados da reforma agrária, os quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais” de ter acesso a essa política. Segundo a federação dos trabalhadores na agricultura, no Rio Grande do Sul, quase 720 mil produtores poderiam receber o auxílio, se estivessem incluídos no programa.  Destaca-se que essa é uma das poucas ações efetivas elaboradas pelo poder público federal, e que poderia ter beneficiado os agricultores em situação de vulnerabilidade, especialmente por estarem com dificuldades de comercialização dos seus produtos no atual cenário da pandemia da Covid-19.
Falta de interesse também em nível estadual
Especificamente na Região Sul, a falta de compromisso e interesse dos governos estadual e federal com a produção de alimentos da agricultura familiar tem sido denunciada pelas várias organizações e representações desses setores, tais como as federações regionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Contraf), movimentos sociais e outros, os quais têm alertado que a região vive o período de estiagem mais longo dos últimos anos, onde vários municípios decretaram estado de emergência e os agricultores estão com perdas de 40 a 80% da safra por conta da seca. Um dos pontos elencados é a falta de compromisso com a implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) ao nível da gestão direcionada para a rede estadual, já que o governo estadual não adquiriu os 30% das compras de alimentos da agricultura familiar previsto em lei. Pior que isso, destinou a totalidade dos recursos (cerca de R$ 22 milhões) na compra de alimentos industrializados de uma grande rede varejista do estado, conforme destacamos em informe anterior.
Municípios fazem o que podem
Município de Pelotas
Na esfera regional, apesar da quase totalidade dos municípios terem decretado situação de emergência – especialmente em razão da estiagem, mas também da Covid-19 – verificam-se algumas ações e políticas públicas que vem sendo adotadas. Em Pelotas, as principais dificuldades apontadas são a quebra na produção agropecuária, a impossibilidade de os produtores quitarem seus financiamentos (Pronaf) junto aos agentes financeiros, problemas para a implantação da próxima safra agrícola e pecuária, dificuldades na sobrevivência e até a segurança alimentar das famílias.

Frente a isso, a prefeitura tem informado os órgãos competentes para viabilizar a liberação de recursos. Algumas das ações concretas foram a construção de açudes com subsídios do Governo Estadual, viabilizado pela Secretaria de Desenvolvimento Rural e Emater/RS; o contato com agentes financeiros para prorrogação dos financiamentos tanto de custeio como investimentos; e até a anistia de alguns Programas onde a Prefeitura Municipal/SDR é executora. A ideia central é evitar o abandono das propriedades e possibilitar condições de sobrevivência aos agricultores familiares, assim como trabalhar na garantia da compra de sua produção agrícola e seu respectivo pagamento. Além disso, a prefeitura tem ampliado a oferta de água, por meio de caminhões pipa, para a população rural. São cerca de 500 famílias atendidas pelo serviço em oito distritos da zona rural do município[1].

[1] http://diariodamanhapelotas.com.br/site/sanep-aumenta-abastecimento-por-caminhao-pipa-na-colonia/

Município de Rio Grande
O entrevistado responsável da Prefeitura de Rio Grande destacou que as principais dificuldades enfrentadas pela agricultura familiar são relacionadas a três pontos principais: comercialização, preço dos insumos e custos de irrigação. O poder público tem atuado na reorganização dos espaços das feiras livres, já que o município não as suspendeu, além de uma ação de disponibilização de matéria orgânica aos agricultores. Destaca-se que os mercados institucionais (PAA e PNAE) seguem funcionando, sendo que a alimentação escolar tem mantido a compra regular dos produtos da agricultura familiar. Porém, a prefeitura informa a inoperância do governo estadual em relação à seca e as amarras burocráticas, injustificáveis no contexto, que tem impedido melhor socorro aos agricultores.
Município de São José do Norte

O representante do município de São José do Norte destacou como principal problema o déficit hídrico que atingiu predominantemente a produção agrícola e pecuária na agricultura familiar, já que os açudes estão todos secos. O problema afetou a pecuária e as culturas de milho, feijão miúdo, abóboras e feijão. A cebola já estava pronta para venda antes da estiagem se acentuar, porém, para o plantio da próxima safra está sendo dificultado. Além disso, houve a ocorrência de vários incêndios, que atingiram diretamente mais de 1000 hectares, com forte impacto social e ambiental, principalmente no primeiro e terceiro distrito da cidade.

As feiras livres realizadas que envolvem a Cooperativa dos Agricultores Familiares de São José do Norte (Cooafan) e Grupo de Agroecologia Econorte se mantiveram, porém com algumas dificuldades de abastecimento de produtos. Com relação às políticas públicas, o município realizou a abertura e limpeza de poços e projetos de irrigação. O PNAE segue disponibilizando alimentos às escolas que os estão repassando às famílias dos alunos. Ao final, o entrevistado destaca o fato preocupante do envelhecimento da agricultura familiar do município, a qual é formada majoritariamente por pessoas com mais de 60 anos, as quais compõem um dos grupos de risco da Covid-19.

Município de Capão do Leão

No município de Capão do Leão desde fevereiro vem sendo elaborado um plano de ações para medidas de atenuação da problemática da estiagem, e em fevereiro decretou-se estado de emergência pelo coronavírus. O representante entrevistado destaca que a falta de água potável atinge de forma significativa o município, até mesmo para o consumo dos animais. A alimentação também é prejudicada, uma vez que não há água para irrigar as plantações, e consequentemente não há colheita de alimento para disponibilizar aos animais, o que tem acarretado a diminuição da produção de leite, por exemplo.

As feiras foram suspensas, diminuindo as vendas e a renda dos agricultores. As políticas municipais estão centradas na limpeza e abertura de açudes para captação da água, preparo do solo para as agriculturas de inverno, distribuição de oitenta cestas básicas para as famílias em situação vulnerável. Também está sendo organizada a distribuição de 17.500 mudas de hortaliças para que os produtores possam se manter no próximo período. Além disso, destaca-se que a manutenção do PNAE através da compra dos 30% da agricultura familiar garantiu o escoamento da produção e o aproveitamento do que foi colhido, diminuindo as perdas dos agricultores impossibilitados de acessar as feiras.

Finalmente, o gestor entrevistado destaca o impacto negativo das ações do governo estadual e federal. Segundo ele, há muita propaganda e pouca ação. A população acaba cobrando da prefeitura o que foi anunciado, mas que ainda nem chegou ao município. Isso expõe a falta de compromisso dos governos com a agricultura familiar. Em relação ao veto ao auxílio emergencial, considera-se um crime social, onde o agricultor já está sem colher nada e não consegue nem ter acesso a essa ajuda.

Para finalizar
Inépcia para articular
Diante do relatado acima, duas questões necessitam ser salientadas. A primeira refere-se à incapacidade de articulação das ações dos entes federativos no atual contexto. Conforme verificamos, há algumas ações e políticas que vem sendo desenvolvidas, retomadas ou ampliadas para o enfrentamento das crises sanitária, econômica e alimentar pela qual passamos. Todavia, essas ações estão fortemente desarticuladas entre os níveis federal, estadual e municipal, o que tem gerado ineficiências tais como dificuldades de acesso a políticas e recursos existentes, e, principalmente, a proposição de novas políticas.
A especificidade da agricultura familiar
Em segundo lugar, o contexto atual de incertezas reforça a necessidade de políticas públicas específicas para a agricultura familiar. Conforme temos destacado em nossos informes, a segurança alimentar e nutricional da população, essencial na crise sanitária e econômica pela qual passamos, depende do fortalecimento dos sistemas alimentares locais através da garantia da produção e do acesso a alimentos saudáveis, principalmente para os grupos sociais vulneráveis. E isso só pode ser alcançado por meio da ação do Estado e da construção de políticas públicas, especialmente para àqueles responsáveis pela alimentação cotidiana da população: os agricultores familiares. Portanto, faz-se imperativo o diálogo entre os gestores públicos, tendo como compromisso a construção de convergências entre atores, redes e instituições voltadas à agricultura familiar.

Você pode acessar e baixar o Informe Nº 5 em PDF .

 

Pelotas, 25 de maio de 2020 – Dia do Trabalhador e da Trabalhadora Rural

Observatório da Problemática da Seca e da Covid-19 na Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul – Grupo de Professores do Departamento de Ciências Sociais Agrárias (DCSA) da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), estudantes e convidados externos.

Abel Cassol (UFPel); Alberi Noronha (Embrapa Clima Temperado); Alessandra Bandeira da  Rosa (UFPel); Alice Pereira Lourenson (UFPel); Fernanda Dias de Avila (UFPel); Fernando Luiz Horn (Emater/RS-Ascar/Pelotas); Gabrielito Rauter Menezes (UFPel); Henrique Andrade Furtado de Mendonça (UFPel); Letícia Paludo Vargas (UFPel); Lúcio André de Oliveira Fernandes (UFPel); Marcelo Dias (UFPel); Maria Laura Victória Marques (UFPel); Mário Conill Gomes (UFPel); Mário Duarte Canever (UFPel); Patrícia Martins da Silva – Universidade Federal Fluminense (UFF) e Raul Celso Grehs (Embrapa Clima Temperado)