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Informe Nº 07

Uma das instituições de grande significado e importância regional é o Fórum da Agricultura Familiar da Região Sul. Neste informe apresentamos um encontro online realizado com a coordenação do fórum. Além do compartilhamento da visão da realidade, a reunião mostrou o quanto as agendas do Fórum e do Observatório estão próximas abrindo caminho sobre a possibilidade de uma colaboração mais efetiva.

Introdução
O sétimo informe do Observatório pretende apresentar o trabalho e as articulações realizadas pelo Fórum da Agricultura Familiar da Região Sul. Nesse sentido, buscou-se o diálogo através da proposição e realização de uma reunião virtual entre a coordenação do Fórum e o Observatório, onde as colaboradoras e os colaboradores dos dois grupos tiveram a possibilidade de expor o que vem sendo desenvolvido por cada coletivo, especialmente relacionado à seca e à pandemia da Covid-19.
Histórico e abrangência do Fórum
Constituído em 1996, portanto em atividade há mais de vinte anos, o Fórum reúne atualmente cerca de 100 (cem) representações de organizações governamentais e não governamentais, associações, cooperativas, poder público municipal, movimentos sociais, organizações sociais representativas da agricultura familiar, representantes dos assentamentos de reforma agrária, pescadoras e pescadores artesanais, comunidades quilombolas, populações indígenas, e outros. O espaço de debates, com o passar dos anos, se consolidou como instância de discussão e proposição de ações e encaminhamentos, integrando os diferentes atores e organizações sociais dessas categorias na reflexão, no debate e na formulação de programas, políticas públicas e projetos de desenvolvimento territorial sustentável.
Atualmente o Fórum abrange 25 municípios do território da Zona Sul do Rio Grande de Sul, contexto que apresenta importante diversidade ecológica, social, econômica, política e cultural. As reuniões ordinárias ocorrem nas 2ª terças-feiras de cada mês (março a dezembro) na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Centro de Pesquisa Agropecuária de Clima Temperado (Pelotas-RS) – Estação Experimental da Cascata, embora no período recente tenha-se experimentado um processo de descentralização das reuniões alternando-se entre os municípios do território.
Atuação e articulações do Fórum
Ao longo deste período o Fórum tem atuado em uma perspectiva abrangente buscando acompanhar e promover a discussão de temáticas relevantes relacionadas ao desenvolvimento sustentável da região e as transformações agrícolas, rurais e agrárias, considerando o público da agricultura familiar. Historicamente, destaca-se o debate e as ações no tema das políticas públicas, principalmente de infraestrutura, produção, agroindústria, comercialização, educação, cidadania, questões de gênero, produção orgânica e de base ecológica, crédito e previdência social. A promoção do debate acerca da contextualização dos impactos territoriais de temas como mineração, reforma da previdência, celulose, contaminação de sementes, Agroecologia e outros, também tem sido um campo de ação constante do Fórum desde o início da sua trajetória. Por isso, manter o Fórum ativo e com este papel de agente e agência, pautando a discussão, levantamento de problemáticas e demandas, proposição de ações e encaminhamentos, tem sido um desafio para a sua coordenação.
Ações da UFPel
Como exemplo dessas articulações o professor Felipe Herrmann da UFPel, membro da coordenação do fórum, destacou que as articulações para a compra institucional dos alimentos advindos da agricultura familiar para os restaurantes universitários da UFPel surgiram a partir de articulações do Fórum, ainda no ano de 2013. Além disso, a organização dos Kits entregues aos estudantes (cerca de 480) com produtos perecíveis durante a pandemia da Covid-19 foi uma ação importante da gestão da UFPel, pois permitiu que os agricultores mantivessem esse importante canal de comercialização, e consequentemente, a manutenção das receitas das famílias durante esse período crítico.
Preocupações com a seca e a COVID-19
Os moradores das comunidades quilombolas também participam das atividades do Fórum. Nilo Dias, um dos membros da coordenação que participou da reunião, representante do Quilombo do Algodão – Pelotas/RS, observa as dificuldades que a comunidade vem enfrentando, tanto pela seca, quanto pela pandemia da Covid-19. Um dos pontos elencados foi que a falta de chuva que prejudicou a produção de diversos cultivos da região e das comunidades. Além disso, onde os moradores do Quilombo trabalhavam com prestação de mão de obra eventual em propriedades vizinhas para complementação da renda, o que também foi comprometido. Ainda alertou que a comunidade vem se preocupando com a situação nos próximos meses, especialmente por conta da Covid-19, já que as dificuldades estão se acentuando.
Outro membro da coordenação do Fórum, Roni Bonow, Coordenador do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA) – Pelotas, destacou que a problemática da seca e da pandemia da Covid-19 afetou todo o público da agricultura familiar – cooperativas, órgãos de assistência técnica e extensão rural, além dos próprios agricultores. Entretanto, observa, assim como já discutimos em outros informes do Observatório, que a seca é um dos pontos mais observados pelos agricultores, já que desde novembro de 2019 a situação só tem se agravado. Com relação à Covid-19, o distanciamento geográfico entre os municípios parece, em um primeiro momento, diminuir os impactos da pandemia, já que os agricultores estão isolados em suas propriedades e os moradores dos municípios da região em sua maioria trabalham e residem nas suas cidades, o que pode estar diminuindo a propagação do vírus ou a percepção desta por parte dos agricultores. Na área rural dos municípios foram registrados poucos casos.
Questões e preocupações atuais no Fórum
As reuniões presenciais do Fórum da Agricultura Familiar foram suspensas, e durante o período da pandemia estão sendo realizadas virtualmente entre os membros da coordenação.

Plano Safra
No dia 07 de julho foi realizada uma reunião de preparação com a equipe da coordenação para um encontro virtual, previsto para o dia 14 de julho, no qual se discutirá o tema do Plano Safra 2020-21 e contará com a participação dos demais membros do Fórum.
Perda de sementes crioulas
Outro ponto elencado em virtude da seca é a perda das sementes e das variedades crioulas conservadas pelos agricultores familiares, especialmente no público mais fragilizado, como por exemplo as comunidades quilombolas. O aumento das situações de insegurança alimentar e a necessidade de ajuda humanitária e apoio assistencial para as famílias em situação de vulnerabilidade também foi observado. Mesmo com algumas ações pontuais das prefeituras, muitas famílias sofreram com a falta de água para o abastecimento humano, além das restrições para a produção vegetal e dessedentação dos animais.
Dificuldades das cooperativas
Ressalta-se também o impacto da pandemia nas cooperativas vinculadas à agricultura familiar, já que a produção diminuiu por conta da seca e as entidades encontram dificuldades em estruturar os estoques e comprar de seus cooperados. Além disso, as dificuldades na entrega para a alimentação escolar, via Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), também prejudicaram as cooperativas e os agricultores, já que as aulas foram suspensas na rede municipal e estadual. Uma das inovações do período de isolamento social, especialmente pela repentina restrição a ocorrência das feiras orgânicas, vivenciada em alguns municípios, é a possibilidade de vendas a partir de cestas de comercialização, uma inovação que pode permanecer como um novo canal de comercialização na região.
Públicos vulneráveis
Em relação à agricultura familiar, os públicos mais vulneráveis da região parecem corresponder às comunidades indígenas, que contam um total de quatro núcleos, localizados no interior dos municípios de Pelotas, Rio Grande e Canguçu, e as comunidades Quilombolas, que são mais de cinquenta comunidades espalhadas no território regional. O CAPA desenvolve atividades com treze destas. Somente no Quilombo do Algodão são mais de cem famílias atendidas. Entretanto, neste período, o acompanhamento relacionado à assistência técnica e extensão rural tem sido realizado de forma remota. Só estão sendo realizadas ações presenciais pontuais, especialmente voltadas à certificação orgânica e em ações de ajuda humanitária. As atividades coletivas estão paralisadas.
Assistência Técnica e Extensão Rural
No tema da assistência técnica e extensão rural, o representante do CAPA relatou que atua em uma chamada pública de Ater que atende 960 famílias de agricultores familiares na região, nos municípios de Arroio do Padre, Canguçu, Pelotas, São Lourenço, Amaral Ferrador e Turuçu, com vistas à diversificação da produção nas propriedades que cultivam tabaco. Este projeto, como os demais, esteve neste período restrito ao acompanhamento de forma remota, mas a partir desta semana estará retomando as visitas técnicas, atendendo a notificação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), porém com grandes preocupações e cuidados, priorizando os atendimentos individuais.
Dificuldades no atendimento remoto
Ainda, com relação aos serviços de Ater, observa-se que mesmo antes da pandemia, alguns contatos já eram feitos via WhatsApp ou telefone, porém, o atendimento remoto não substitui o atendimento presencial. Podem até ser organizadas ações remotas, desde que os primeiros contatos sejam presenciais. Além disso, muitos agricultores enfrentam dificuldades, já que se trata de uma população envelhecida e muitas vezes com acesso limitado às tecnologias.
As comunidades mais vulneráveis apresentam limites estruturais, onde não é possível um atendimento integral remoto, já que, estima-se que no máximo 40% tem acesso às tecnologias. As reuniões entre a equipe técnica já são mais fáceis de serem marcadas de maneira remota, de forma complementar.
O membro da coordenação do Fórum vinculado à Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS), Eduardo Souto Mayor, observa que as ferramentas digitais são úteis aos produtores rurais, e que muitos já utilizam aplicativo e bancos e redes sociais. No caso da Emater o trabalho estava sendo realizado de forma remota e passou a ser gradativamente restabelecido de forma presencial, de acordo com os decretos e orientações dos municípios, com os devidos cuidados com os grupos de risco para a Covid-19.
Iniciativas de comercialização online
Deve-se destacar neste período a multiplicação de iniciativas desenvolvidas pelos próprios agricultores, organizações e apoiadores sociais para comercialização de produtos, utilizando redes sociais, WhatsApp, entregas diretas e outros, em várias modalidades como cestas e compras online. Houve também um esforço e articulação para manutenção das feiras locais de agricultores familiares, em especial as feiras ecológicas, em vários municípios da região. Além disso, ocorreu a participação de organizações sociais da agricultura familiar da região, como associações e cooperativas, na comercialização de produtos direcionados a ações de ajuda humanitária e assistência social, redes de solidariedade e apoio, e projetos de aquisição de alimentos para distribuição de cestas voltadas a população em situação de vulnerabilidade.
Na Embrapa Clima Temperado, parte da rotina das atividades também está operando de maneira remota, com trabalho presencial apenas em serviços essenciais que observam medidas de segurança sanitária preconizadas pelo Ministério da Saúde. A ideia central dos trabalhos na Agricultura Familiar é buscar um diálogo horizontal e encontrar caminhos com enfoque na agrobiodiversidade, sociobiodiversidade e segurança alimentar e nutricional.
Perspectivas e cenário
Dentro dessa perspectiva, as entidades que compõe o Fórum da Agricultura Familiar já vêm articulando ações junto ao público vulnerável da agricultura familiar. As articulações vêm ocorrendo com o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional do Rio Grande do Sul (Consea-RS), Frente Parlamentar da Economia Solidária e Secretaria de Assistência Social do Rio Grande do Sul. A Embrapa Clima Temperado também pretende articular as ações do Núcleo Temático da Agricultura Familiar com o Fórum para a qualificação dos projetos.
Dentre os questionamentos levantados, destacam-se os seguintes: em um cenário de ausência e diminuição de políticas públicas para a agricultura familiar e a multiplicação e aceleração de casos da Covid-19, quais as possibilidades de manutenção das atividades nas instituições? Como são utilizadas as ferramentas digitais pelos agricultores familiares? Qual a dimensão da acessibilidade do referido público? Em caso de possibilidade de acesso, qual a qualidade das informações que chegam até as propriedades rurais? Em um contexto de priorização de uma extensão rural que motive a organização social, quais as possibilidades de realização das ações por meio de ferramentas digitais? E como propiciar a inclusão social dos diferentes públicos?.
Por fim, é necessário evidenciar a ausência das políticas públicas, principalmente no âmbito federal e estadual, de proteção e apoio a agricultura familiar em função da estiagem, bem como a “exclusão” do público da agricultura familiar do Programa de Auxílio Emergencial, voltado à proteção dos trabalhadores no período de enfrentamento à crise provocada pela pandemia do coronavírus – Covid 19.
Comentário final
Em face desse contexto, deve-se considerar que os impactos deste período devem contribuir para exacerbar as gritantes desigualdades sociais e econômicas já existentes em nosso país, nelas incluindo o público da agricultura familiar, que para além das dificuldades de produção e comercialização, também padecem frente às desigualdades estruturais de políticas de proteção e assistência social.

Você pode acessar e baixar o Informe Nº 7 em PDF .

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Pelotas, 09 de julho de 2020

Observatório da Problemática da Seca e da Covid-19 na Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul – Grupo de Professores do Departamento de Ciências Sociais Agrárias (DCSA) da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), estudantes e convidados externos.

Abel Cassol (UFPel); Alberi Noronha (Embrapa Clima Temperado); Alessandra Bandeira da  Rosa (UFPel); Alice Pereira Lourenson (UFPel); Fernanda Dias de Avila (UFPel); Fernando Luiz Horn (Emater/RS-Ascar/Pelotas); Gabrielito Rauter Menezes (UFPel); Henrique Andrade Furtado de Mendonça (UFPel);  Juliana Cristina Franz (UFPel); Letícia Paludo Vargas (UFPel); Lúcio André de Oliveira Fernandes (UFPel); Marcelo Dias (UFPel); Maria Laura Victória Marques (UFPel); Mário Conill Gomes (UFPel); Mário Duarte Canever (UFPel); Patrícia Martins da Silva – Universidade Federal Fluminense (UFF) e Raul Celso Grehs (Embrapa Clima Temperado)