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Informe Nº 04

Neste informe, focamos nos produtores de soja, milho, fumo, carnes e leite. Estes produtos também são típicos da agricultura familiar e seus produtores enfrentam problemas não muito diferentes dos produtores de hortifrutigranjeiros.

Estas e outras questões são discutidas neste quarto informe do Observatório do DCSA.

Introdução
Nos três informes anteriores foram analisadas as situações referentes à produção e ao consumo de alimentos através da consulta com agricultores familiares, consumidores e organizações vinculadas majoritariamente à produção de hortifrutigranjeiros na região Sul do Rio Grande do Sul. Em virtude da reconhecida diversidade da agricultura familiar e em resposta aos questionamentos de alguns atores, este informe pretende tratar de outro público da agricultura familiar, caracterizado por agricultores mais dependentes dos cultivos comerciais e dos mercados agroindustriais, tais como os produtores de soja, milho, fumo, carnes e leite. Pretende-se realizar uma análise conjuntural dessas produções em diversos municípios da região e elencar as principais políticas públicas que podem orientar esses agricultores diante do atual contexto.
Porquê destes produtos?
A justificativa para essa escolha deve-se ao fato de que os produtores de alimentos destinados à cesta básica das famílias, estão conseguindo, na medida do possível, se articularem para as entregas nos mercados locais, diretamente nas casas, em feiras, para grupos de consumo, dentre outros meios. Porém, aqueles produtores que trabalham na produção de grãos estão com maiores dificuldades, especialmente com relação à seca na região, fato que vem sendo debatido e exposto há alguns meses.
Quais municípios acompanhamos
Os municípios elencados para análise foram os seguintes: Arroio do Padre, Canguçu, Capão do Leão, Cerrito, Cristal, Morro Redondo, Pedro Osório, Pelotas, Rio Grande, São José do Norte, São Lourenço do Sul e Turuçu. Tal seleção se deve à representatividade regional dos mesmos, e o fato das características locais comuns se repetirem no território. Destaca-se que as informações aqui expostas são aquelas as quais o observatório teve acesso e conhecimento até o momento. Portanto, deixa-se claro que outras políticas e iniciativas podem estar ocorrendo, embora não tenham sido aqui abordadas.
Fatos estatísticos
Importância do pêssego
Os dados do último censo agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2017) demonstram que uma das principais atividades desenvolvidas na região é a produção de pêssego. Os estabelecimentos rurais com 50 ou mais pés de pêssego são: Arroio do Padre, Canguçu, Cerrito, Morro Redondo, Pelotas e São Lourenço do Sul. A produção é advinda de 832 estabelecimentos rurais, com um total de quase 38 mil toneladas, destes, uma média de 83% advém da agricultura familiar.
Lavouras temporárias
Com relação às lavouras temporárias, nota-se que as principais culturas produzidas são as seguintes: arroz, feijão, fumo, milho e soja. Dos produtos advindos da agricultura familiar, o fumo e o milho têm uma representatividade de quase 100%, seguido da soja, com quase 66% do total produzido.

Os estabelecimentos com lavouras selecionadas (arroz em casca, feijão preto em grão, fumo em folha seca, milho e soja em grão) apresentam grande representatividade produtiva a partir de agricultores familiares. O feijão, o fumo e milho têm mais de 86% do total advindo da agricultura familiar, seguido da soja com 37% e do arroz com 21%.

Na Tabela 01, a seguir, se observa a representatividade das lavouras selecionadas em relação ao total produzido nos referidos municípios.

Fonte: Censo Agropecuário, IBGE(2017)

Pode-se observar, a partir dos dados da tabela, que as culturas elencadas são representativas na renda das famílias da região, especialmente o fumo e o milho, que tem uma média de 23% e 27% respectivamente, de representatividade em relação as atividades produtivas dos estabelecimentos. Por isso, entende-se que os impactos com a seca prejudicam as atividades produtivas e comerciais dos agricultores.

Produção animal
Já na produção animal, o número de estabelecimentos com bovinos de corte também é representativo, com quase 80% do total de estabelecimentos vinculados à agricultura familiar. A produção leiteira representa 86% do total de estabelecimentos da agricultura familiar dos municípios analisados.
O elemento comum: a seca
Em que pese a importante produção constatada através dos dados acima, os agricultores familiares têm sido impactados fortemente pela estiagem, situação que vem se prolongando, pelo menos, desde novembro do ano passado.

Veja o efeito em algumas atividades:

Feijão
Na safra de feijão, por exemplo, a Emater/RS estima uma perda de 60% da quantidade colhida, além da impossibilidade de plantio de uma segunda safra na região, devido aos efeitos da seca.
Milho
A produção de milho, do mesmo modo, tem sido bastante afetada. Dados do último boletim informativo da Emater/RS estimam que a colheita precoce dessa cultura, que já tem 43% da sua área total colhida, tem demonstrado uma produtividade extremamente baixa na região, variando de 1.130 quilos por hectare em Canguçu, a 2.090 quilos por hectare em São Lourenço. O total estimado de perdas é de 69,1% da produção.
Soja
A produção de soja também foi bastante afetada em virtude da seca. Com a colheita se encaminhando para o encerramento na região, estima-se uma variação de produtividade entre 700 a 1.620 quilos por hectare nos municípios com um percentual total de 50,7% de perdas devido à seca.
Fumo
Em relação ao fumo, com a totalidade da área colhida, verifica-se perda de qualidade no processo de secagem das folhas de tabaco em virtude da sua maturação precoce, acarretando preços reduzidos pagos pela indústria aos produtores, além de uma perda acumulada de 29% da produção decorrentes da estiagem.
Leite e Carne
Finamente, em relação à bovinocultura de corte e de leite a situação também é de perdas. Há relatos na região de baixa taxa de prenhez e uma estimativa de perda de 5 a 10% na produção leiteira na região, notadamente pela escassez hídrica nos açudes e bebedouros e os efeitos na qualidade das pastagens.
Hortaliças
Registram-se também relatos de dificuldades na manutenção da produção de hortaliças, com redução da área de semeadura das culturas de outono e inverno, o que poderá acarretar desabastecimento e escassez de produtos nos próximos meses.
Acesso ao PROAGRO
Percebe-se que enquanto a pandemia da Covid-19 tem resultado em dificuldades de comercialização, acesso aos mercados e mudanças nos hábitos de consumo – conforme relatado nos informes anteriores – a estiagem tem impactado diretamente na dimensão produtiva. As solicitações para o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO) no estado, para todas as culturas e hortigranjeiros, chegam a 16.453 vistorias até o momento.
E as políticas públicas?
Frente a esse cenário de dificuldades e perdas significativas da produção agropecuária da região, identifica-se ações tímidas do governo estadual no desenvolvimento de políticas emergenciais para enfrentamento desses problemas. No total, são 304 municípios gaúchos – dos quais 20 encontram-se na região – que decretaram situação de emergência por causa da seca.

Infraestrutura
Uma delas é o Programa de Apoio e Ampliação da Infraestrutura Rural, da Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) em parceira com os escritórios regionais da Emater/RS-Ascar. Esse programa tem realizado a abertura e construção de açudes para irrigação em propriedades rurais do Estado, inclusive aqui na região.
Burocracia
Também, a SEAPDR simplificou a emissão de notas fiscais de Produtor nas vendas internas para o Rio Grande do Sul (indústria, comércio ou outro produtor), desde que previamente o comprador/destinatário emita a Nota Fiscal de entrada. A medida tem validade desde 1º abril até 30 de junho e está no Decreto nº 55.173, publicado no Diário Oficial do Estado (DOE) de 9 de abril. O objetivo é evitar aglomerações em 5 razão da Covid-19, permitindo a autorização das notas eletrônicas pelo sistema, sem a exigência do número da Nota Fiscal de Produtos referente à venda/saída dos produtos.
Crédito
Em nível federal, recentemente o Banco Central do Brasil (BACEN) publicou duas resoluções acerca das políticas de crédito, tema sempre sensível à agricultura familiar. A resolução nº 4.801 de 09/04/20 autoriza a prorrogação do reembolso das operações de crédito rural de custeio e investimento; a contratação de Financiamento para Garantia de Preços ao Produtor (FGPP); e cria linhas especiais de crédito de custeio ao amparo do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), aos agricultores cujas atividades tenham sido prejudicadas em virtude das medidas de distanciamento social decorrentes da pandemia de Covid-19. Por seu turno, a Resolução nº 4.802 com mesma data, autoriza aos agricultores familiares e cooperativas, que tenham sofrido perdas de renda em razão da seca e da estiagem, a renegociação de operações de crédito rural de custeio e investimento; o financiamento no âmbito do Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias (PROCAPAGRO); e a criação de linhas especiais de crédito de custeio ao amparo do Pronaf.

Essa oferta atende a uma demanda dos movimentos sociais e sindicais da agricultura familiar que há alguns meses no estado têm solicitado a prorrogação do crédito rural e a criação de linhas de financiamento específicas para o combate à seca. Isso pode ajudar esse perfil da agricultura familiar frente o contexto atual no qual se verifica uma queda das relações comerciais de commodities agrícolas, possível aumento de preços e interrupção no comércio e distribuição de insumos, além de dificuldades na manutenção das exportações.

Iniciativas de Cerrito e Canguçu
Por fim, as inciativas mais auspiciosas estão sendo realizadas pelos governos locais municipais na região. Em Cerrito, o executivo tem trabalhado na distribuição de cestas básicas as cerca de 300 famílias em situação de vulnerabilidade e na abertura de mais de 150 açudes para acesso a água aos animais. Quase tudo realizado com recursos próprios. Em Canguçu, um dos primeiros municípios a declararem situação de emergência na região, o executivo investiu R$ 229 mil para o fornecimento de água potável às famílias e na abertura de poços artesianos e bebedouros para os animais. Cerca de 500 famílias estão sendo abastecidas regularmente pela prefeitura. Ademais, foram recebidas 15 caixas d’água distribuídas àqueles afetados com a estiagem. 6 A grande dificuldade constatada decorre da pouca articulação das ações e políticas municipais, estaduais e federais, o que tem fragilizado o combate à estiagem na região. Entretanto, é possível haver ações em andamento ainda não relatadas pelas prefeituras municipais, ou não conhecidas pelo observatório. Por isso, o tema das políticas públicas emergenciais relacionadas à seca e ao Covid-19 deverá ser retomado nos próximos informes, a partir do estreitamento do contato dos pesquisadores com os agentes públicos regionais.

Você pode acessar e baixar o Informe Nº 4 em PDF .

Pelotas, 15 de maio de 2020.

Observatório da Problemática da Seca e do Covid-19 na Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul – Grupo de Professores do Departamento de Ciências Sociais Agrárias (DCSA) da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e convidados Abel Cassol (UFPel); Gabrielito Rauter Menezes (UFPel); Henrique Andrade Furtado de Mendonça (UFPel); Letícia Paludo Vargas (UFPel); Lúcio André de Oliveira Fernandes (UFPel); Marcelo Dias (UFPel); Mário Conill Gomes (UFPel); Mário Duarte Canever (UFPel) e Patrícia Martins da Silva – Universidade Federal Fluminense (UFF).