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Informe Nº 06

Se as chuva dos últimos dias chegam como um alento aos agricultores sedentos, os efeitos da seca , bem como os da Covid-19,  ainda os castigam. Neste relatório trazemos informações e análises a respeito do veto presidencial ao PL 873/20 da lei 13.998/20 (auxílio emergencial) sobre diferentes públicos, típicos da Agricultura Familiar.

Boa Leitura.

Introdução
O sexto informe pretende analisar os principais efeitos da estiagem e da pandemia da Covid-19 para os diferentes públicos vinculados à Agricultura Familiar, são eles: Assentados de Reforma Agrária, Quilombolas, Pescadores artesanais e representantes de entidades ligadas à agricultura familiar. Especialmente, discute-se o impacto do veto presidencial ao PL 873/20 da Lei 13.998/20, que estenderia o auxílio emergencial mensal de R$ 600,00 a tais categorias da agricultura familiar do país.
A novela do veto presidencial
Apesar da possibilidade desse veto ser derrubado no Congresso Nacional, explicita-se nesse informe a necessidade de políticas emergenciais para esse público vulnerável da produção alimentar brasileira.
Quem teria direito?

Conforme tratado no informe anterior, um levantamento prévio realizado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG/RS) estima em cerca de 720 mil os produtores rurais familiares no estado do Rio Grande do Sul (RS) que teriam direito de acessar o benefício do auxílio emergencial por se enquadrarem nos seus pré-requisitos, tais como renda mensal familiar de até R$ 3.135,00 renda per capita familiar de até R$ 522,30 ou não ter recebido mais que R$ 28.559,70 em rendimentos tributáveis no ano anterior.

Uma olhada nos dados da região sul do RS dá uma ideia do número de agricultores familiares que deixarão de ser beneficiados e do volume de recursos que não irá circular nos municípios. Como se sabe, para ser considerado agricultor familiar, a família necessita enquadrar-se na Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), que estabelece uma série de critérios que diferencia esse grupo daqueles produtores não familiares.

Os efeitos do veto
Nesse sentido, a Tabela 1, abaixo, apresenta o total de Declarações de Aptidão ao Pronaf (DAPs) por município da Região Sul do RS e o percentual de participação por município. Conforme se verifica, se o Governo Federal tivesse incluído os agricultores familiares, quilombolas, assentados, pescadores artesanais, dentre outros, para o recebimento do auxílio emergencial de R$ 600, somente com a primeira parcela mensal, os agricultores familiares da região sul teriam acessado um valor total de R$ 27.219.600,00. Esses recursos significativos poderiam auxiliar as famílias nesse período de incertezas e dificuldades, diminuindo os problemas causados por ocasião da seca, assim como àqueles referentes à pandemia da Covid-19. Do mesmo modo, em um cenário de dificuldades de arrecadação dos entes municipais e de manutenção dos comércios e serviços, o veto a esses recursos significa dinheiro que deixará de circular nas economias locais, dificultando ainda mais a sua retomada.

Tabela 1. – Número de benefícios potenciais na região Sul do RS

Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados da Emater (2020).
*Foram excluídas as DAPs que em maio de 2020 se encontravam canceladas e suspensas.
Os diversos atores entrevistados corroboram a importância da inclusão desses grupos como beneficiários do auxílio, o que contribuiria para sua manutenção social e produtiva.

A situação da Colônia de Pescadores (Z3)
Um representante da Colônia de pescadores Z-3, de Pelotas, destaca que a seca pela qual passa a região – que vem sendo amenizada nas últimas semanas com volumes de chuvas regulares – teve efeito positivo para a pesca. Com pouca incidência de chuva a tendência da lagoa dos patos é salgar, gerando boa safra de camarão e tainha, o que não ocorria há sete anos.
A safra e a comercialização
 Embora a safra tenha sido boa, o preço de comercialização foi mais baixo e o número de consumidores também diminuiu por conta da Covid-19. Ainda que o entrevistado relate aumento do número de pessoas que tem se deslocado à Colônia para adquirir diretamente o camarão com os pescadores. Outra pescadora entrevistada destaca que o aumento da safra não foi suficiente para todas as famílias se manterem apenas com essa atividade (existe desigualdade dentre a categoria). Do mesmo modo, reitera que o valor de venda dos produtos tem sido mais baixo, seja pelas dificuldades de entrega (muitos pescadores não têm infraestrutura para isso) ou pela diminuição dos consumidores.

Esses dados corroboram as evidências que temos verificado ao longo das pesquisas, de que a pandemia tem afetado principalmente a dimensão da comercialização dos empreendimentos familiares e gerado novas dinâmicas de compra e venda de alimentos. Registra-se, ainda, que não há nenhum caso confirmado de Covid-19 na comunidade.

O auxílio emergencial
Em relação ao acesso ao auxílio emergencial, alguns pescadores acessaram o benefício de R$ 600,00 do governo federal por estarem cadastradas no bolsa família. Porém, seria justo que todos os pescadores recebessem, já que a comercialização foi prejudicada. Todavia, a situação financeira na comunidade está sob controle, e os pescadores receberão o seguro defeso durante quatro meses a partir de agora – junho a setembro.
A falta de políticas públicas
Por fim, ambos os entrevistados relatam a falta de políticas públicas específicas para a pesca artesanal em quaisquer das esferas públicas (federal, estadual e municipal) nesse momento. Destacam a burocracia excessiva e muitas dificuldades de acessar os poucos programas que existem.
Menção honrosa à prefeitura de Pelotas
Contudo, vale ressaltar a iniciativa da prefeitura de Pelotas, que tem dado orientações sobre saúde, feito entrega de máscaras e de algumas cestas básicas para um grupo controlado pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) na Colônia Z-3.
Agricultores Familiares continuam em dificuldade
Os agricultores familiares também enfrentam dificuldades, especialmente na comercialização, como observado nos informes anteriores.
As incertezas quanto ao auxílio emergencial
 Especialmente em relação ao auxílio emergencial, uma agricultora de Canguçu destaca que os agricultores familiares, em geral, ficaram muito decepcionados com a decisão de veto do governo federal. É bom lembrar, que inicialmente, em abril, a categoria da agricultura familiar não estava presente dentre as categorias de beneficiários, o que gerou muitas dúvidas em relação à possibilidade desses se enquadrarem como trabalhadores informais sem perder sua situação de segurado especial da previdência. Por esse motivo ela foi incluída (junto com os demais públicos) via projeto de lei em maio, o qual foi recentemente vetado pelo presidente. Conforme destaca a entrevistada, muitos agricultores contavam com esses recursos não apenas para garantir a produção de gêneros alimentícios – algo elementar no enfrentamento da pandemia atual – mas também para pagar contas tais como água e luz e comprar aquilo que não produzem. Ainda que a entrevistada relate não ter conhecimento de famílias passando necessidades na região, ela estima em torno de 60% da população como tendo direito ao auxílio.
Falta de ação do governo federal

Nesse sentido, ela observa que o governo municipal e estadual tem se esforçado para manter a população bem informada sobre tudo. O problema é o governo federal que não está assumindo as suas devidas responsabilidades e tomando atitudes para frear a pandemia, induzindo as pessoas a minimizar a seriedade do problema.

Finalmente, ao destacar a ineficiência do governo federal em propor políticas públicas para enfrentamento do vírus e da seca, ela declara que “a agricultura, que é um dos principais pilares da economia do país está esquecida e cada vez mais desvalorizada. A gente resiste porque ama o que faz, mas não está fácil. É triste ver os animais sem água, as lavouras secando, o preço dos insumos subindo e quando chega a hora de vender a produção, o valor recebido mal paga as contas e os investimentos na plantação/produção”.

Situação das comunidades Quilombolas

Nas comunidades quilombolas, de acordo com um representante do Quilombo do Algodão, de Pelotas, a seca vem afetando muito a produção, o que tem resultado na maior parte das famílias estarem produzindo apenas para subsistência, sem produção para comercialização. Por conta da Covid-19, os possíveis trabalhos com prestação de mão de obra eventual diminuíram. Do mesmo modo, nenhuma família acessa o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e apenas quatro famílias estão dentro do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Verifica-se, portanto, uma perda das fontes de renda na comunidade, restando apenas o bolsa família como receita regular para a maioria dos moradores. Ademais, o entrevistado destaca que na comunidade quase ninguém tem acesso à internet, por isso, os estudantes estão sem condições de manter as atividades escolares.

Por fim, ele reitera o descaso do governo federal com a agricultura familiar, já que, em âmbito municipal, ocorreram ações devido a articulação do Comitê Quilombola, e desde o início da pandemia a comunidade recebeu cestas básicas da Assistência Social e Secretaria da Saúde, com recurso do Estratégia de Saúde da Família Quilombola (ESFQ). O governo estadual também forneceu cestas básicas para as comunidades quilombolas, porém o Governo Federal até o momento não realizou nenhuma ação.

Situação dos assentamentos da região

Com relação aos assentamentos da região, a entrevista com um dos representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) corrobora a necessidade de acesso ao auxílio emergencial por parte desse grupo. Ele destaca as dificuldades impostas pela seca no planejamento da produção dos assentados, especialmente dentre aqueles produtores menos diversificados e dependentes de um tipo de produto. Em relação à Covid-19, ele destaca a interiorização do vírus nas últimas semanas, o que vem gerando preocupações nos assentamentos, anteriormente menos vulneráveis à pandemia, que se encontrava delimitada aos grandes centros urbanos.

Especificamente em relação ao auxílio emergencial, foi destacado que, apesar de 30 a 40% dos assentados da região serem beneficiários do bolsa família – e, por isso, receberem a renda emergencial – os demais tem tido dificuldades em reproduzirem-se apenas com a atividade agrícola. Desse modo, o veto presidencial do auxílio aos públicos da agricultura familiar, apenas demonstra que a política do governo federal é voltada para meia dúzia de brasileiros, excluindo-se os trabalhadores e trabalhadoras mais necessitados.

A posição do MPA

Representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) da região entrevistada ponderou que o veto governamental à renda emergencial caracteriza-se como uma negligência do estado frente aos agricultores familiares. Ela destaca as dificuldades pelas quais os agricultores do movimento vêm passando – tais como a perda na produção e no preço comercial do tabaco e problemas na aquisição de sementes para a próxima safra – e ressalta que o auxílio permitiria às famílias manterem não apenas as suas produções, mas também seria uma fonte de renda extra que traria segurança para enfrentar o atual período de isolamento. Ou seja, o auxílio emergencial serviria tanto para amenizar os efeitos da estiagem quanto para o enfrentamento do distanciamento social das famílias agricultoras.

Em relação às políticas públicas, o entrevistado destaca as diferenças de ações entre os três níveis da federação. Segundo ele, há alguns municípios da região sul mais voltados e preocupados com os assentados e os agricultores familiares em geral, especialmente através do reconhecimento desse público na produção dos alimentos que chegam à mesa dos urbanos. Porém, ele observa a inação do governo estadual em combater a estiagem na região, e o fato de que mesmo o governador sendo oriundo de Pelotas, pouco fazer para amenizar essa situação.

O relato da SDR de Morro Redondo
No município de Morro Redondo, de acordo com o representante da Secretaria de Desenvolvimento Rural, os impactos da pandemia afetaram diretamente os agricultores familiares, especialmente pela paralisação dos programas governamentais – PAA e PNAE. Os agricultores da região estão recebendo apoio do município e Estado, já que foram abertos novos canais de compra para dar saída aos produtos da agricultura. A renda da agricultura não é suficiente, seriam necessários novos projetos e estruturação nas propriedades, novas linhas de crédito, e com menos burocracia. Atualmente, estão sendo cadastrados os agricultores no programa do PAA municipal, que irá possibilitar uma nova fonte de renda para os agricultores.
A posição do CAPA
Para o representante do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA) entrevistado, esse cenário de dificuldades também é observado, assim como a necessidade de os agricultores da região receberem o auxílio emergencial, o que contribuiria para suprir as necessidades das famílias.
Em conclusão
 Assim como no Informe 05, publicado há alguns dias, reiteramos a necessidade de políticas públicas articuladas, que contemplem os diferentes públicos da agricultura familiar. Durante o período de análise (desde o início da pandemia), percebem-se diversas mudanças na rotina das famílias, especialmente na comercialização de seus produtos, o que mantém a necessidade da complementação de renda, especialmente nesse período da seca e da pandemia da Covid-19.

Ainda que algumas famílias tenham sido atendidas com o auxílio emergencial do governo federal, por serem cadastradas no bolsa família, outras tantas estão com dificuldades de manutenção das necessidades básicas e enquadram-se nos principais critérios para o acesso a essa renda complementar. Apesar de os governos municipais estarem adotando iniciativas emergenciais pontuais na tentativa de auxílio a esse público, como a doação de cestas básicas, por exemplo, entende-se que muito ainda pode ser feito, especialmente na criação de políticas articuladas entre as três esferas do poder público.

Você pode acessar e baixar o Informe Nº 6 em PDF .

Pelotas, 10 de junho de 2020

Observatório da Problemática da Seca e da Covid-19 na Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul – Grupo de Professores do Departamento de Ciências Sociais Agrárias (DCSA) da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), estudantes e convidados externos.

Abel Cassol (UFPel); Alberi Noronha (Embrapa Clima Temperado); Alessandra Bandeira da  Rosa (UFPel); Alice Pereira Lourenson (UFPel); Fernanda Dias de Avila (UFPel); Fernando Luiz Horn (Emater/RS-Ascar/Pelotas); Gabrielito Rauter Menezes (UFPel); Henrique Andrade Furtado de Mendonça (UFPel);  Juliana Cristina Franz (UFPel); Letícia Paludo Vargas (UFPel); Lúcio André de Oliveira Fernandes (UFPel); Marcelo Dias (UFPel); Maria Laura Victória Marques (UFPel); Mário Conill Gomes (UFPel); Mário Duarte Canever (UFPel); Patrícia Martins da Silva – Universidade Federal Fluminense (UFF) e Raul Celso Grehs (Embrapa Clima Temperado)