O frágil cessar-fogo recentemente estabelecido entre Hamas e Israel tem demonstrado crescente instabilidade. Desde o início da trégua, e apesar dos esforços dos Estados Unidos para a sua manutenção, cerca de 200 palestinos foram mortos (Al Jazeera, 2025). Tal número dissocia-se da primeira fase prevista, que visa o término dos embates e conflitos armados entre as partes.
O cessar fogo foi quebrado por Israel há duas semanas, o fato ocorreu após a acusação do primeiro-ministro israelense de que o Hamas havia violado a trégua: durante a devolução dos restos mortais de um refém, foi identificada a presença de restos mortais de um indivíduo já devolvido a Israel, o que sugeria a tentativa de enganação por parte do Hamas. Em resposta, o líder israelense ordenou que as Forças de Defesa de Israel (IDF) realizassem imediatamente bombardeios intensos na Faixa de Gaza. Por outro lado, o Hamas acusa Israel de violar o cessar-fogo em, pelo menos, 125 ocasiões, reiterando que a escalada militar sionista contínua compromete as buscas e recuperações dos restos mortais dos reféns (Brasil de Fato, 2025). A despeito dos confrontos, um alto funcionário dos Estados Unidos (sob condição de anonimato à Al Jazeera) afirmou que o cessar-fogo permanece em vigor e que o processo de pacificação do território será árduo após dois anos de conflito e destruição intensos.
Assim, o impasse na manutenção do cessar-fogo tem gerado insatisfação internacional. A relatora da ONU para Direitos Humanos nos Territórios Palestinos Ocupados, Francesca Albanese – sancionada pelos Estados Unidos desde julho por suas críticas a Israel -, criticou veementemente a trégua. Albanese reforçou que o ocorrido em Gaza configura um genocídio em curso, alegando que Israel obteve tamanha liberdade para tentar eliminar um povo por um período prolongado devido à omissão dos demais países do sistema internacional, os quais ela responsabiliza. Além disso, a relatora argumentou que o cessar-fogo proposto é inadequado e está em desacordo com o direito internacional, demandando a devida responsabilização do Estado israelense (ISTOÉ, 2025).
O posicionamento estadunidense de sancionar indivíduos que acusam Israel de genocídio, como observado no caso dos juízes responsáveis pelo mandado de prisão contra Benjamin Netanyahu por alegados crimes contra a humanidade no Tribunal Penal Internacional (TPI) e dos juízes no processo de acusações de genocídio levantado pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ), evidencia uma lealdade absoluta do país para com Israel. Em uma análise mais aprofundada, tais ações sugerem uma crise no multilateralismo estabelecido, tal crise pode ser observada na tentativa de censura de ambas as potências a indivíduos ou nações que ousam criticá-los, onde Israel os acusa de antissemitismo e os Estados Unidos os sanciona publicamente (impedindo-os de adentrar/visitar o país), dificultando a cooperação das partes com o sistema internacional para mitigar e/ou encerrar o conflito.
Nesse contexto, com os recentes posicionamentos de países historicamente aliados – como Reino Unido e França – em reconhecer o Estado Palestino, essa fragmentação é aprofundada, tornando incerto o futuro da conjuntura internacional multilateral e da prevalência do cessar-fogo em curso. Conforme afirmado por Héctor Luis Saint-Pierre, docente e vice-coordenador do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP, “A causa palestina foi, inequivocamente, colocada na agenda internacional. Mas isso não significa uma vitória feliz.”, remetendo aos futuros desafios que tal cenário apresenta.
Referências:
“Cessar-fogo entre Israel e Hamas é vitória para o povo palestino, porém “relativa e triste”, avalia docente da Unesp” Jornal da Unesp, 14 de Outubro de 2025. Disponível em: <https://jornal.unesp.br/2025/10/14/cessar-fogo-entre-israel-e-hamas-e-vitoria-para-o-povo-palestino-porem-relativa-e-triste-avalia-docente-da-unesp/#:~:text=Reportagens-,Cessar%2Dfogo%20entre%20Israel%20e%20Hamas%20%C3%A9%20vit%C3%B3ria%20para%20o,da%20Palestina%20na%20agenda%20internacional.> Acesso em: 30 de out 2025.
“Israel retoma bombardeios pesados contra a Faixa de Gaza; EUA dizem que cessar-fogo ainda está em vigor ” Brasil de Fato, 28 de Outubro de 2025. Disponível em:<https://www.brasildefato.com.br/2025/10/28/israel-retoma-bombardeios-pesados-contra-a-faixa-de-gaza-eua-dizem-que-cessar-fogo-ainda-esta-em-vigor/> Acesso em: 30 de out 2025.
“Israeli strikes in Gaza kill 104, health ministry says, after Hamas accused of killing soldier” BBC, 29 de Outubro de 2025. Disponível em:
<https://www.bbc.com/news/articles/cgjdy5eevn2o> Acesso em: 30 de out 2025.
“Plano de paz em Gaza é insuficiente diante de ‘genocídio’, diz relatora da ONU ” ISTOÉ, 22 de Outubro de 2025. Disponível em:<https://istoe.com.br/plano-de-paz-em-gaza-e-insuficiente-diante-de-genocidio-diz-relatora-da-onu> Acesso em: 30 de out 2025.
“Why did Israel launch air strikes on Gaza, then ‘resume’ truce? ” Al Jazeera, 29 de Outubro de 2025. Disponível em:<https://www.aljazeera.com/news/2025/10/29/why-did-israel-launch-air-strikes-on-gaza-then-resume-truce> Acesso em: 30 de out 2025.
*Maria Eduarda Motta é pesquisadora do LabGRIMA
