Uma Trégua Comercial entre Estados Unidos e China? Avanços, desafios e implicações globais por Glauco Winkel

No final do mês passado, o presidente Donald Trump e seu homólogo Xi Jinping encontraram-se em Busan, na Coreia do Sul, durante a cúpula da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation).

Esse foi o primeiro encontro entre os líderes em mais de seis anos. A reunião, que durou cerca de duas horas, teve como temática principal a guerra comercial entre os países. Alguns avanços foram anunciados, entretanto, não houve assinatura de um acordo formal (Bicker et. al., 2025).

Do lado americano, as concessões foram moderadas. Washington comprometeu-se a: reduzir a tarifa média sobre produtos chineses de 57% para 47%; reduzir as tarifas sobre produtos relacionados ao fentanil de 20% para 10%, com efeito imediato; retirar a ameaça de impor uma tarifa de 100% sobre todas as importações chinesas; suspender as taxas portuárias especiais aplicadas a navios chineses; e suspender, por um ano, a nova norma que ampliaria restrições às subsidiárias de empresas já sancionadas (O Globo, 2025).

Este último ponto é particularmente relevante. A norma americana afetaria empresas com controle chinês igual ou superior a 50% por companhias presentes na lista proibida. Assim, além das empresas chinesas já sancionadas, outras companhias, não necessariamente de origem chinesa, mas com participação acionária significativa da China, também seriam atingidas. 

Por sua vez, o lado chinês comprometeu-se com três pontos principais: a suspensão dos controles sobre ímãs e terras-raras, a suspensão das taxas portuárias especiais aplicadas a navios dos EUA e a retomada das compras de soja americana (O Globo, 2025).

O primeiro ponto é altamente significativo para Washington. Beijing havia endurecido as restrições de exportação no início de outubro e, como domina o mercado desses minerais essenciais, fundamentais para tecnologia, semicondutores e defesa, o gesto reduz tensões em cadeias críticas. A China não apenas possui as maiores reservas de terras-raras do mundo, como também detém o maior processamento desses minerais (Huld, 2025). 

Para os EUA, trata-se da retomada do acesso a um mercado estratégico em meio à competição pela liderança tecnológica. Ainda assim, a dependência do país em relação à China pode tornar-se problemática caso o conflito persista, exigindo diversificação de fornecedores. Nesse contexto, o Brasil, segunda maior reserva de terras-raras do mundo (U.S. Geological Survey, 2025), tende a ganhar relevância geoeconômica para os Estados Unidos.

O segundo ponto, referente à suspensão das taxas portuárias aplicadas a navios americanos, indica um movimento de reciprocidade. Os EUA haviam criado essas taxas como forma de conter o avanço global das empresas chinesas e responder à crescente presença portuária do país ao redor do mundo. Com o compromisso bilateral, ambas as partes suspendem as cobranças, aliviando tensões no setor marítimo.

O terceiro ponto diz respeito à retomada das compras de soja americana. A China comprometeu-se a adquirir 12 milhões de toneladas ainda em 2025, ampliando o volume para 25 milhões de toneladas anuais pelos próximos três anos (O Globo, 2025). A medida reverte a queda causada pelas tarifas de retaliação, que haviam praticamente interrompido as importações e prejudicado agricultores americanos, segmento central da base eleitoral de Trump. 

Já para o Brasil, o movimento é motivo de preocupação: o país havia se tornado o principal fornecedor alternativo da China e pode ver sua participação diminuir. Assim, torna-se ainda mais urgente a diversificação de mercados, especialmente em direções ainda pouco exploradas, como o continente africano e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).

Duas temáticas importantes, entretanto, continuam sem solução: o superchip Blackwell, da Nvidia, e o futuro do TikTok nos EUA. A China busca acesso ao novo chip, mas os Estados Unidos restringiram sua exportação por motivos de segurança nacional. Trump afirmou que conversaria com Jensen Huang, fundador da Nvidia, mas nenhuma decisão formal foi anunciada. Já no caso do TikTok, não houve avanço: os EUA buscam limitar a operação da plataforma no país e defendem sua transferência para controle de empresas americanas, medida que Beijing se opõe firmemente. Ambos os presidentes comprometeram-se a se reencontrar: Trump deve visitar a China em abril de 2026 e Xi deverá fazer uma visita recíproca aos EUA (Barros, 2025).

O encontro entre Donald Trump e Xi Jinping em Busan representou, sem dúvida, um marco diplomático relevante, reunindo novamente os líderes das duas maiores potências do sistema internacional após mais de seis anos. Ainda que os anúncios tenham sinalizado avanços concretos, a ausência de um acordo formal e o histórico de imprevisibilidade do governo Trump contribuem para um cenário que permanece incerto, embora menos volátil do que em momentos anteriores da disputa comercial.

A reação distinta entre os mercados financeiros reforça esse quadro ambíguo: enquanto a China recebeu os desdobramentos com maior otimismo (Freitas, 2025), os Estados Unidos observaram volatilidade e queda das bolsas (Barros, 2025), refletindo diferentes percepções de confiança das elites nacionais em relação às capacidades e coerência de seus governos.

Para o Brasil, contudo, o resultado não é necessariamente positivo. A retomada das compras de soja americana e a disposição chinesa em reabrir negociações sensíveis evidenciam que o país está disposto a recalibrar relações comerciais com os Estados Unidos sempre que isso atender aos seus interesses estratégicos. Essa reaproximação, portanto, envia um sinal claro: produtos brasileiros que competem diretamente com produtos norte-americanos, podem perder espaço sempre que o ambiente bilateral entre Washington e Beijing melhorar, tal como a soja.

Nesse contexto, torna-se relevante que o Brasil amplie sua capacidade de adaptação geoeconômica frente às variações dessa relação bilateral. Isso envolve fortalecer estratégias de diversificação comercial, explorar novos mercados, especialmente na África e no Sudeste Asiático, e ampliar margens de flexibilidade diante de ajustes repentinos no tabuleiro global. Assim, o encontro em Busan evidencia simultaneamente a centralidade estrutural dos Estados Unidos e da China para o sistema internacional e a necessidade de que os demais países ajustem suas posições e estratégias às reconfigurações dessa dinâmica ao longo do século XXI.

REFERÊNCIAS

BARROS, Paulo. EUA e China firmam trégua comercial de 1 ano após encontro entre Trump e Xi. São Paulo: InfoMoney, 30 out. 2025. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/economia/eua-e-china-firmam-tregua-comercial-de-1-ano-apos-encontro-entre-trump-e-xi/. Acesso em: 13 nov. 2025.

BICKER, Laura; DRURY, Flora; ZURCHER, Anthony. Trump elogia encontro “incrível” com Xi Jinping, mas termina sem acordo comercial formal. São Paulo: BBC News Brasil, 30 out. 2025. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cp9780dld0po. Acesso em: 13 nov. 2025.

FREITAS, Aline. Encontro entre Trump e Xi Jinping, da China, tem redução de tarifas e acordos sobre fentanil e exportação de terras raras. São Paulo: G1, 29 out. 2025. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/10/29/trump-encontra-xi-jinping.ghtml. Acesso em: 13 nov. 2025.

HULD, Arendse. Rare Earth Elements: understanding China’s Dominance in Global Supply Chains. Hong Kong: 29 ago. 2025. Disponível em: https://www.china-briefing.com/news/chinas-rare-earth-elements-dominance-in-global-supply-chains/. Acesso em: 13 nov. 2025.

O GLOBO. Trump e Xi acertam trégua de um ano e anunciam acordo sobre terras-raras e tarifas. Rio de Janeiro: O Globo, 30 out. 2025. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2025/10/30/trump-e-xi-iniciam-reuniao-na-coreia-do-sul-com-uma-tregua-comercial-em-jogo.ghtml. Acesso em: 13 nov. 2025.

U.S. GEOLOGICAL SURVEY. Mineral Commodity Summaries 2025: Version 1.2, March 2025. Virgínia: USGS, mar. 2025. Disponível em: https://pubs.usgs.gov/periodicals/mcs2025/mcs2025.pdf. Acesso em: 13 nov. 2025.

*Glauco Winkel é pesquisador do LabGRIMA

Translate »