A integração euro-asiática no Mar Cáspio por Sérgio Antunes Botelho

Na última década, pode-se perceber uma notável mudança no relacionamento entre Rússia e Irã, após expressiva aproximação entre os países.

Rivais em séculos passados, as nações apresentaram uma melhora considerável em suas relações, após a atuação conjunta na Guerra da Síria (2011 – atualidade) com o intuito de manter Bashar Al-Assad no poder. Posteriormente, desde o início do conflito russo-ucraniano em 2022, o distanciamento entre Moscou e a Europa Ocidental, fez com que a Rússia se visse obrigada a buscar novos parceiros. Neste cenário, países asiáticos e africanos chegaram ao topo das prioridades da política externa russa e entre eles destacam-se China, Índia e Irã.

Desde então, Pequim e Nova Delhi viram a diminuição das vendas de gás e petróleo russo para a Europa Ocidental como uma oportunidade de abastecer seu mercado energético, comprando os produtos abaixo do preço de mercado. Devido a imensa população de ambos os países – aproximadamente  35% da população mundial – as fontes de energia se tornam vitais para a manutenção e aceleração do desenvolvimento das nações. No caso indiano, em específico, o governo de Narendra Modi busca se manter não alinhado a nenhuma das partes envolvidas no atual conflito e tenta tirar proveito das relações com o maior número de países possíveis. Além do petróleo, a Rússia é o maior fornecedor de armas para a Índia, representando quase 50% das importações indianas no setor.

No que tange a relação sino-russa, as nações possuem uma aliança nas mais variadas áreas. Por exemplo, no mercado energético, o novo projeto do “Power Of Siberia II” retrata o escoamento da produção de gás russo em direção à China. A rede de gasodutos passará apenas pelo território da Mongólia e como se trata de um país aliado, o Kremlin se mantém despreocupado em relação aos  possíveis problemas  durante o conflito na Ucrânia. Por sua vez, o Irã é um dos grandes produtores de petróleo do planeta e se beneficia da aproximação com a Rússia para desenvolver outras áreas do país. Devido às fortes sanções impostas aos iranianos, muitos serviços sofrem com problemas básicos, como  a ausência de peças para manutenção de aeronaves, fator levantado como um dos principais motivos do acidente aéreo que vitimou o até então presidente, Ibrahim Raisi (1960-2024). 

Normalmente,  o grande fator noticiado no  relacionamento entre Teerã e Moscou, é a  venda de armamentos russos e a compra de drones iranianos pela Rússia que é amplamente usados no território ucraniano. Porém, em meio a aproximação entre os países da Eurásia, um importante avanço realizado entre Rússia e Irã na área comercial, se dá pelo aumento considerável do comércio marítimo no Mar Cáspio. 

Atualmente, cinco nações possuem acesso ao Mar Cáspio: Azerbaijão, Cazaquistão, Irã, Rússia e Turcomenistão. A localidade, além de ser rica em reservas de petróleo e gás natural, também se destaca pelo turismo e pela venda de caviar. Dito isso, apenas Rússia e Irã possuem, somados, dez portos em funcionamento no Mar Cáspio. O comércio marítimo na região é realizado há  séculos, mas em 2022 obteve um crescimento muito expressivo (influenciado pela já citada diversificação de parcerias da Rússia). Nos dias de hoje  carros, caminhões, ônibus e outros meios de transporte são comercializados por ali.

Do mesmo modo, durante o vigésimo quinto Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, Rússia e Irã assinaram um acordo de cooperação naval, com fornecimento de peças e tecnologias para fabricação de navios e o estabelecimento de uma joint venture (consórcio). A iniciativa tem como objetivo facilitar e aumentar o volume de comércio realizado pelo Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITNS). O CITNS é uma rota de transporte multimodal que faz a conexão de Rússia, Mar Cáspio, Irã e Índia, reduzindo o custo e tempo de transporte de produtos aos países envolvidos, tornando-se um meio facilitador a integração euroasiática.

Sobre a integração regional, o Azerbaijão já demonstrou sua satisfação com o projeto, além de solicitar adesão ao BRICS+. A Índia se interessou pela nova rota comercial, pois reduz a dependência do país em realizar comércio pelas fronteiras de seu vizinho e grande rival, o Paquistão. Rússia e Irã consideram o CITNS muito importante para se esquivar das sanções internacionais e expandir a utilização do Mar Cáspio. Já o Cazaquistão aproveita de sua posição estratégica para desenvolver sua economia e se beneficiar dos novos projetos de integração realizados por seus vizinhos.

Porém, por mais que seja uma iniciativa muito promissora, vários problemas ainda precisam ser solucionados, entre eles: a baixa quantidade de navios iranianos no Mar Cáspio (muito influenciada pela dificuldade em importar peças para realizar manutenções), os problemas de drenagem de algumas partes do percurso (como o Rio Volga), o congelamento parcial do porto de Astracã no inverno e a conclusão de obras de infraestrutura inacabadas, que podem ser financiadas pelas próprias empresas locais, que já demonstraram interesse em aumentar suas atividades no Cáspio. 

 

Referências

BIANCO, Matheus. Avançam as negociações entre Rússia, Índia e Irã para a consolidação do Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITNS). NEBRICS, 2018. Disponível em: https://www.ufrgs.br/nebrics/avancam-as-negociacoes-entre-russia-india-e-ira-para-a-consolidacao-do-corredor-internacional-de-transporte-norte-sul-citns/. Acesso em: 21 ago. 2024

KALEJI, Vali. Expanding Maritime Trade Between Iran and Russia in the Caspian Sea: Capacities and Challenges. Valdai Club, 2023. Disponível em: https://valdaiclub.com/a/highlights/expanding-maritime-trade-between-iran-and-russia/?sphrase_id=1682602. Acesso em: 19. ago. 2024.

Iran and Russia to Undertake Joint Shipbuilding Project. teleSUR English, 2022. Disponível em: https://www.telesurenglish.net/news/Iran-and-Russia-to-Undertake-Joint-Shipbuilding-Project-20220617-0003.html. Acesso em: 21. ago. 2024.

Russia and China to sign Power of Siberia-2 gas pipeline contract ‘in near future’, says Novak. Reuters, 2024. Disponível em: https://www.reuters.com/business/energy/russia-china-sign-power-siberia-2-gas-pipeline-contract-in-near-future-says-2024-05-17/#:~:text=Russia%20has%20been%20in%20talks%20for%20years%20about,region%20in%20northern%20Russia%20to%20China%20via%20Mongolia. Acesso em: 20. ago. 2024.

* Sérgio Antunes Botelho é pesquisador IC do LabGRIMA.

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