Uma retrospectiva cultural

por Vinicius P. Colares

Chegamos ao momento do ano onde as listas são infinitas. Revistas e sites especializados trazem o que de melhor aconteceu no ano – para o delírio de uma maioria que entra em desacordo com os melhores ranqueados.

Essa retrospectiva acontece em todas as áreas de produção cultural, mas vou me ater aqui (por um limite de caracteres) à música, cinema e literatura. Entendam essas listas – cinco produções em cada categoria – como uma tentativa de fugir (mas nem tanto) das escolhas previsíveis. Vou recomendar o que acho recomendável, apenas.

As cinco escolhas não estão em ordem.

Cinema

Essa vai ser a lista mais perigosa delas – por isso a primeira. Escrevo isso no fim de semana que precede o lançamento mais esperados dos últimos anos, Star Wars VII. É nesse período “pré-Oscars” que saem também alguns dos filmes mais aguardados por críticos e fãs.

Não vão estar nessa lista filmes com um potencial para aparecer nela – por não terem estreado ainda no Brasil. Alguns deles são Creed (dir. Ryan Coogler); O Regresso (dir. Alejandro Iñárritu); Os Oito Odiados (dir.Quentin Tarantino); MacBeth (dir. Justin Kurzel); Taxi (dir. Jafar Panahi); e Southpaw – com a terrível tradução de Nocaute (dir. Antoine Fuqua).

Vamos aos filmes.

Still Alice (Para Sempre Alice) – diretor: Wash Westmoreland e Richard Glatzer

O filme que foi lançado no Canadá no ano passado, estreou nos EUA e no Brasil esse ano. Julianne Moore ganhou todos os prêmios possíveis (Oscar, Globo de Ouro, BAFTA, SAG e Critics Choice) por uma das atuações mais poderosas da sua carreira. Com uma abordagem sensível sobre o Alzheimer, é um filme “pesado” sobre a sensibilidade humana, as relações familiares e a autopiedade.

Mad Max: Estrada da Fúria – diretor: George Miller

Um dos poucos filmes dos últimos anos que trouxe de volta uma franquia de sucesso e a engrandeceu. George Miller conseguiu agradar os fãs do clássico Mad Max e o atualizou. A força da mulher é destaque de um dos melhores filmes de ação do ano.

The Martian (Perdido em Marte) – diretor: Ridley Scott

Nas mãos de Ridley Scott, um blockbuster de entretenimento consegue atingir a grandeza de uma ficção científica que vai ser lembrada. A atuação de Matt Damon entre na lista de melhores de sua carreira. Um filme que mesmo com um final “suspeito” (sem spoilers aqui), preza por valorizar a ciência e mostra a possibilidade de um bright side em um momento de desespero inimaginável.

Irrational Man (Homem Irracional) – diretor: Woody Allen

Woody Allen é a garantia de um bom filme por ano. Críticos vêm falando mal das produções do diretor nos últimos anos, mas a força dos personagens de Homem Irracional faz com que o espectador reencontre a força de um roteirista responsável por obras como Manhattan e Interiors (Interiores).

Homem Irracional: mais um grande roteiro de Woody Allen (Imagem: Divulgação)

Homem Irracional: mais um grande roteiro de Woody Allen (Imagem: Divulgação)

Straight Outta Compton: A História do N.W.A. – diretor: F. Gary Gray

Em um ano de discussão sobre a ação da policia norte-americana, principalmente contra a comunidade negra e pobre, o filme que conta a história do grupo de Dr. Dre, Ice Cube, DJ Yella, Eazy-E e MC Ren é atual. Os músicos eternizaram Compton, cidade do sul da Califórnia, que era marcada pela violência do tráfico e pela repressão policial. As surpresas ficam para as histórias dos bastidores que marcaram a separação do grupo. Os fãs de música – não apenas do NWA – devem sair satisfeitos.

Literatura

O mercado editorial brasileiro nem sempre acompanha o que está acontecendo no resto do mundo (vide a vencedora do Nobel de Literatura em 2015). Alguns dos livros dessa lista, inevitavelmente, vão ser obras clássicas – mas que só chegaram aqui esse ano em edições que merecem destaque. São as cinco obras:

Soumission (Submissão) – Michel Houellebecq (editora Alfaguara)

Vendido no Brasil como “o livro mais polêmico do ano”, essa obra de Houellebecq não é nada polêmica para quem conhece a carreira do autor. Nesse livro que venceu o Prêmio Goncourt, são repensados os valores da sociedade francesa (e europeia). É um livro atual de um escritor que consegue cumprir o que propõe: falar sobre o que as pessoas temem enquanto o temor ainda está ali, fresco. Vem sendo constantemente comparado a 1984 e Admirável Mundo Novo – embora não se encontre muitos traços em comum além do caráter premonitório.

A Noite do Meu Bem: a história e as histórias do samba-canção – Ruy Castro (editora Companhia das Letras)

Reconhecido como um dos grandes biógrafos do Brasil, Ruy Castro se debruçou sobre um dos grandes gêneros da música brasileira e carioca: o samba-canção. Sempre encontrado na historiografia especializada como parte da MPB, Ruy Castro resolveu definir o samba-canção como um gênero particular e revisou um dos períodos de maior glamour do Rio de Janeiro.

Contos Completos – Liev Tolstói (editora Cosac Naify)

No mesmo ano em que anunciou o encerramento de suas atividades, a Cosac Naify lançou uma das caixas que será lembrada com mais saudade pelo leitor que acompanha a editora. Em três volumes de capa dura, é possível encontrar todos os contos (escritos entre 1850 e 1910) de um dos maiores nomes da história da literatura russa. É uma edição à altura de Tolstói.

Contos Completos de Tolstói são destaque no mercado editoral em 2015 (Imagem: Divulgação)

Contos Completos de Tolstói são destaque no mercado editoral em 2015 (Imagem: Divulgação)

História da Filosofia Ocidental – Bertrand Russell (editora Nova Fronteira)

Em uma caixa com três volumes de capa dura, uma das obras mais lembradas de Bertrand Russell é finalmente relançada no Brasil. Essa primeira edição da Nova Fronteira traz a obra completa em três tomos (Filosofia Antiga, Filosofia Católica e Filosofia Moderna). Um dos maiores pensadores dos séculos XIX e XX discute a obra de outros tantos autores clássicos de áreas de conhecimento diversas. Uma leitura que serve como base para um futuro aprofundamento em diferentes períodos da filosofia ocidental.

Paraíso Perdido – John Milton (editora 34)

Ao lado da Divina Comédia de Dante e da Ilíada e Odisseia de Homero, o poema épico de Milton é um dos mais importantes da história da literatura universal. A editora 34 traz esse ano uma edição bilíngue do poema de 10.565 versos, inspirado no Gênesis.

Música

Foi um ano de bastante movimentação no mercado da música. Três discos e dois documentários chamam atenção especial.

To Pimp a Butterfly – Kendrick Lamar

Um dos discos mais potentes da última década. Kendrick Lamar assumiu o posto de grande nome da west coast (de Dr. Dre, Snoop Dog, Tupac e Ice Cube, por exemplo) e lançou um álbum crítico e que traz de volta a força das políticas negras e da black music. Musicalmente e ideologicamente obrigatórios.

A Mulher do Fim do Mundo – Elza Soares

Elza Soares, aos 78 anos, lançou um dos melhores – e mais atuais – discos da música brasileira. Musicalmente é incontestável. Difícil respirar entre um relato de violência doméstica, a história da transexual Benedita – regada à distorção e metais – e a força da mulher-loba comendo um ‘cordeiro’. A Mulher do Fim do Mundo avisou que resolveu cantar até o fim. Nosso dever é ouvir.

The Epic – Kamasi Washington

O título do disco de Kamasi Washington não é em vão. São três horas de um dos álbuns mais surpreendentes do jazz contemporâneo. É o tipo de obra que merece ser ouvida e esmiuçada. Impossível acompanhar todos os elementos que aparecem em The Epic na primeira vez que se ouve ele. É o perfeito “disco de cabeceira”.

Kamasi Washington e um dos melhores discos do ano: The Epic (Imagem: Divulgação)

Kamasi Washington e um dos melhores discos do ano: The Epic (Imagem: Divulgação)

What Happened, Miss Simone? (documentário dirigido por Liz Garbus)

Nina Simone era uma mulher complexa e que nasceu para ser lembrada. O documentário biográfico (lançado no Netflix) dirigido por Liz Garbus mostra o que está por trás de um dos maiores talentos da música negra. É a força da personalidade de Nina que marca um dos melhores documentários de 2015.

Keith Richards: Under the Influence (documentário dirigido por Morgan Neville)

O guitarrista dos Rolling Stones é uma figura mitológica da música. O documentário de Morgan Neville segue o mesmo caminho da autobiografia de Keith. É uma tentativa de uma visão humanizada de uma figura que é a personificação do rock n’ roll. Destaque para o processo de produção do último disco solo de Keith Richards, Crosseyed Heart – também lançado em 2015.

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