Proposta de inclusão de assentados em curso de Medicina gera debate

Sindicato Médico do Rio Grande do Sul critica abertura de vagas para assentados, enquanto defensores do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) ressaltam a necessidade de democratizar o acesso à educação superior.

Por Andressa Siemionko Lacerda e Joana Moreira / Agência Em Pauta

UFPel propõe turma especial de Medicina. Foto: Divulgação

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) divulgou recentemente a possibilidade de ofertar uma turma especial no curso de Medicina para assentados da Reforma Agrária através do Pronera. A UFPel já ofertou vagas nesta modalidade para turmas de Medicina Veterinária. Se o projeto for implantado seria a primeira turma de Medicina para assentados no Brasil. Em meio aos debates gerados pela proposta, o Simers criticou a criação da turma.

Após o Sindicato divulgar a nota desaprovando a proposta, Luiz Alberto Grossi, presidente do Simers, expressou sua insatisfação com o projeto, alegando que os assentados não possuem qualificação adequada para ingressar no curso de Medicina. Grossi ainda fez uma comparação, mencionando que “índios também iriam querer fazer o curso“. Procurado pela equipe de repórteres do Em Pauta Web, o Simers não retornou o contato.

Na nota, Simers diz que encaminhou ofício à reitora da UFPel. Foto: Divulgação Simers

O Cremers (Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul) também desaprovou o projeto. Através de uma nota, o Conselho cita o artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil, que prevê a saúde como direito de todos e dever do Estado. A nota afirma ainda, que o Cremers repudia a criação de novas vagas sem critérios.

Educação dos trabalhadores e trabalhadoras do campo

O Pronera, programa criado em 1998, tem buscado promover a educação e formação técnica e superior voltada para a realidade e necessidades da reforma agrária. Com essa iniciativa, pretende-se ampliar o acesso à educação superior e suprir a demanda por profissionais de saúde em regiões rurais e periféricas do país.

Diante das críticas do Simers, representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e da UFPel defendem a inclusão nas universidades. Adelar Preto, membro da direção estadual do MST, afirma que a nota do Sindicato Médico é preconceituosa. “Nós não estamos tirando vaga de ninguém, pelo contrário, nós queremos ampliar as oportunidades, pela necessidade de ter médicos no interior do país”.

A reitora da UFPel, Isabela Andrade, lamentou o ocorrido e enfatizou que a Universidade não foi procurada pelo Simers para entender o processo necessário para a seleção dos possíveis alunos. “Por parte da gestão central da Universidade, nós temos total interesse na implantação dessa turma especial. Como a gente fala é uma turma especial, ou seja, não se trata de uma turma regular”, argumentou Isabela.

Outro ponto importante ressaltado pela reitora da UFPel diz respeito ao aumento de vagas para o curso de Medicina que seria proporcionado com o ingresso dos alunos assentados, visto que, o número de vagas oferecidas regularmente não teria alteração. Isabela reforçou a importância dessa proposta “Entendemos que é algo importante, necessário, viável e que temos que fazer todo esforço possível enquanto instituição pública, gratuita e socialmente referenciada”.

Com a repercussão negativa da posição do diretor do Simers, o Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Luiz Paulo Teixeira Ferreira, encaminhou no dia 10 de julho uma carta de apoio à iniciativa da criação de uma turma especial em Medicina para a população assentada. “O tripé entre o poder público, a sociedade e a universidade, cada qual com suas potencialidades são fundamentais para que programas como esse tenham êxito e possam de fato alcançar seus objetivos e metas” escreveu Ferreira.

O Ministro ainda ressaltou que o Pronera comemora 25 anos e que através dessas vagas a UFPel estaria contribuindo para a diminuição da desigualdade, bem como, ao acesso à educação. No final o Ministro reconheceu a autonomia da Universidade e reforçou o apoio à posição da reitoria.

Turma Especial de Medicina Veterinária

Primeira turma graduada em Medicina Veterinária, pela Turma Especial Adão Pretto. (De 2011 à 2015). Foto: MST Divulgação

O curso de Medicina Veterinária, destinado a assentados e filhos de assentados, já formou um total de 139 alunos. Afonso Souza é médico veterinário, formado pela Turma Especial Adão Pretto, primeira turma destinada a assentados da UFPel, e Mestrado em Agroecossistemas pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ambos os cursos conveniados via Pronera. Para ele, a formação de nível superior foi uma oportunidade de contribuir com a agricultura da sua região.  “No meu caso, auxiliar na área da produção leiteira das nossas famílias assentadas. Desempenhando atividades de campo junto a produtores de leite dos municípios de Candiota, Hulha Negra e Aceguá.”

Afonso ainda rebate as declarações contrárias à abertura de novas turmas através do programa. “Tal argumento não tem base material, visto que a primeira turma, formada em 2015 concluiu o curso com nota 8.0 na média geral e com 75% dos educandos aprovados. Em recente avaliação das Turmas Especiais de Medicina Veterinária que estão em andamento na UFPel, o MEC deu nota máxima. Percebe-se assim, que o posicionamento da entidade tem muito mais motivação de preconceito com o público dos pobres do campo do que realmente de argumentos com base na realidade.”

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