A Vida Finita: uma entrevista sobre a problemática da morte

 

Professora de Filosofia fala sobre morte e luto:
“É difícil lidar com o problema da existência e finitude, é difícil pensar que vivemos para morrer”

por Aline Vohlbrecht Souza

A morte de uma pessoa pública geralmente causa comoção em diversas partes do país. Ídolos de uns e desconhecidos de outros, não há quem não pare um minuto em frente à televisão para ouvir as notícias. A morte de alguém próximo ou de uma pessoa famosa sempre causa grande consternamento. Confira a seguir, a entrevista concedida pela professora de Filosofia e acadêmica do curso de Psicologia da UFPEL Martha Medeiros Goularte, sobre a morte e a dificuldade em lidar com o luto e a tristeza.

Repórter: Na sua opinião por que a morte ainda é um assunto difícil de ser falado?

Martha: Porque é algo que o homem, ao longo do tempo, não conseguiu superar, modificar ou ainda encontrar resposta. Porque talvez seja a única coisa certa de existir, da qual temos certeza de que irá acontecer, mas nunca estamos preparados. Eu posso vir a morrer amanhã, mas não posso nem pensar na possibilidade disso acontecer. É difícil lidar com o problema da existência e finitude, é difícil pensar que vivemos para morrer um dia, saber que iremos morrer e que pode ser hoje, amanhã ou mês que vem. E as coisas que não fizemos ainda? As que ficaram no meio do caminho? E o tempo não aproveitado ou que não se teve?

Repórter: Por que a morte de uma pessoa conhecida e famosa causa tanta comoção na maioria das pessoas?

Martha: Primeiramente, pela divulgação exercida pela mídia, pelo seu poder de influenciar o comportamento dos indivíduos. Ela busca meios de envolver ao máximo as pessoas em determinado acontecimento, parecendo não esgotar as possibilidades de concluir a notícia, o fato. É como se quisesse fazer as pessoas sentirem a mesma dor, sofrimento ou tristeza pelos quais um ídolo ou pessoa famosa vivenciou.

Repórter: A perda de um ídolo pode ser comparada a perda de alguém da família ou amigo?

Martha: Acredito que do ponto de vista da proximidade não, porque é outro tipo de relação que existe.Já do ponto de vista sentimental pode sim, pois há uma relação de afeto atribuída a esta pessoa.

Martha é professora de filosofia e estudante de psicologia da UFPel (imagem: divulgação/Facebook)

Martha é professora de filosofia e estudante de psicologia da UFPel (divulgação/Facebook)

Repórter: Qual a importância de uma pessoa viver o luto pela perda de alguém querido?

Martha: É importante porque faz parte da vida daquele que enfrenta, porque somos seres que vivemos em relação, tudo tem relação, se relaciona a algo, estamos sempre em relação. A morte é algo natural, mas o luto é muito difícil de ser elaborado. Passamos por diversas perdas ao longo da vida, mas a morte de alguém que amamos talvez seja a mais dolorosa. Nascemos e vamos morrer, mas temos medo do desconhecido, a morte é um mistério e todos estão sujeitos a ela. Acho que é importante buscarmos a compreensão do processo que é a existência e darmos o tempo necessário para cada situação ou processo ser elaborado, sem pressa, porque de pressa já basta o funcionamento da sociedade.

Repórter: Algumas teorias afirmam que o luto possui cinco fases. Quais são elas e o que dizem?

Martha: Em um primeiro momento surge a negação, a pessoa não quer enfrentar a realidade. Depois tem a fase da revolta, ou seja, a pessoa não entende por que justo ela tem de passar por aquela situação. Em um terceiro momento, há uma tentativa de superação, de aceitação, o indivíduo sente que será mais forte, viverá melhor, se sair daquela situação. A quarta fase é a da depressão, o indivíduo sente-se impotente para lidar com o problema. Por fim, há a fase da aceitação, a pessoa consegue enfrentar a realidade, tem condições para enfrentar a perda ou morte.

Repórter: Qual a melhor maneira de contar para uma criança a perda de uma pessoa querida?

Martha: Talvez não exista a melhor maneira, porque depende do contexto no qual a criança está inserida. Na minha opinião, a melhor maneira é contar o que é de fato, o que está acontecendo, não omitir. Mas, claro, que não se deve esquecer de que é com uma criança que estamos falando, então se faz necessário cuidado e atenção ao falar, explicar.

Repórter: Que tipos de danos a morte de alguém  próximo pode causar?

Martha: Penso que tem a ver com o tipo de vínculo que se tinha com o ente querido. Sendo assim, muitos danos podem ser ocasionados. Por exemplo, uma criança que perde a mãe ou o pai, terá que passar por um processo de desenvolvimento diferente do que seria com os pais próximos, já que é de extrema importância o papel desempenhado pelos pais no processo de desenvolvimento dos filhos. Outro exemplo, um casal em que um dos membros morre; quem fica, muitas vezes, o corpo físico adoece, porque a dor de ter que viver sozinho é insuportável.

Repórter: No caso de mortes súbitas e violentas, o processo de luto é diferente?

Martha: Com certeza. Está certo que a morte não avisa quando irá chegar, mas quando uma doença se instaura, a pessoa pode buscar uma preparação para a morte ou tentativas de enfrentar tal período de acometimento.

Repórter: O sepultamento  faz parte do processo todo, você acha necessário passar por esse momento?

Martha: Sim. Acho que é um processo natural e também uma questão cultural. Há culturas que celebram a morte, assim como celebram a vida.

Repórter:  Que dicas você daria para alguém  que está passando por esse momento, aliviar a dor , a ausência e a saudade  da perda de alguém?

Martha: Em primeiro lugar, acho que o importante é a pessoa buscar o autoconhecimento, o desenvolvimento de valores, virtudes, conhecer e respeitar seus limites, entender que cada um enfrenta os problemas de maneira particular. Cada um tem o seu tempo e muitas pessoas podem ter que elaborar o processo de luto por um grande período, mas faz parte. Outra dica que considero é desenvolver a religiosidade, acreditar em algo superior, algo bom, seja lá o que for, buscar uma fonte para se restabelecer. Acreditar em algo superior pode significar acreditar em si mesmo, ter fé em si mesmo, se entendermos que todos nós somos parte de um Deus, em cada um de nós existe algo divino.

*A imagem destacada na chamada desta matéria é a obra A Morte de Masaccio, de Auguste Couder

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