A energia pulsante do Programa Lua Sangrenta

Por Claudine Zingler

Desde 2015, as manhãs de sexta-feira na Radiocom Satolep estão recheadas de representatividade e feminismo. O programa Lua Sangrenta começou como um bloco especial dentro do Manhã Cultural, programa matinal diário sobre cultura dentro da Rádio, comandado na época por Lili Rubim e atualmente apresentado pela DJ Helô, nome já bastante conhecido na cena musical pelotense.

Depois de dois meses como bloco dentro do Manhã Cultural, o Lua Sangrenta foi fixado na grade de horários da rádio. O novo programa passou a ser apresentado por Lili Rubim, juntamente com Adriana Yamamoto, contando sempre com participantes e apresentadoras não-oficiais interessadas em somar no movimento. Há quase três anos o programa se preocupa em dar voz às mulheres pelotenses, divulgando eventos culturais, artistas e iniciativas feitas por mulheres. A equipe se define como um coletivo de autogestão formado por mulheres de diversas áreas que se reúne no espaço da Rádiocom.

A arte do Festival foi feita por Jéssica Porciúncula, que também organiza o evento

A ideia do programa é de se espalhar pela cidade, para que mulheres possam ocupar Pelotas sem receio. Pensando nisso, foi criado o Festival da Lua Sangrenta, tendo sua primeira edição em maio de 2017. Organizado pelas “lobas”, denominação dada às participantes do Programa, além de contar com apoiadoras, o festival contou com bancas de venda de comidas e bebidas, shows musicais, peças teatrais e oficina de autodefesa.

No início de maio desse ano ocorreu a segunda edição do festival, com a temática Mutações Lunares. Helena Oliveira, uma das lobas do Lua explica a escolha do tema: “Em 2018, […] a Lua Sangrenta sangra e brilha em todas as suas fases: minguante, nova, crescente e cheia. Cada uma com suas potências, propriedades, saberes e vivências, sempre procuramos acolher a quem se negou o espaço para falar. Buscamos agregar mais participantes de cenários cada vez mais distintos, para que o conteúdo do programa seja de fato verdadeiro e diversificado”.

O festival aconteceu nos dias 5 e 6 de maio, predominantemente ao ar livre, com algumas oficinas sendo sediadas pela Casa Artemísia e com exposição de arte no Pagu Arte e Bar, na Rua Três de Maio. Aconteceram também shows, espetáculos de dança, rodas de conversa, oficinas, além de espaço para venda de produtos diversos.

DJ Dola (esquerda) foi responsável pelo som do festival. Foto: Thamires Seus

Após o término do evento, conversamos com algumas das mulheres envolvidas. Isadora Vieira (DJ Dola) foi responsável pela música que embalou o festival, apesar de ter sido oficialmente escalada para tocar por apenas 30 minutos no encerramento do evento. Ela diz ter gostado muito de participar, pois tudo foi “foi 100% organizado por meninas e sem financiamento”. Isadora também ressalta que isso acabou evitando alguns acontecimentos corriqueiros e incômodos, como casos em que homens tentam ensinar mulheres a fazer o que elas já sabem. “Esse ponto de encontro é fundamental pra gente saber quem são as minas que tão desenvolvendo seus trabalhos localmente e conseguir apoiar elas! Ir ao show, contratar seu serviço, comprar um bolo da sua banquinha nos eventos da cidade, fazer uma tatuagem…”, ressalta a DJ.

Ro Eponto Foto: Thamires Seus

O Pagu Arte e Bar exalava arte: o bar foi sede das tatuadoras e expositoras. Quem prestigiou o evento pôde voltar pra casa com a pele riscada por um preço bastante acessível, visto que as tatuadoras se prepararam para o evento e vieram com desenhos especiais e únicos com preços promocionais – os chamados “flashes”. Ro Eponto é uma tatuadora da cidade especializada na técnica de handpoke tattoo. Esse tipo de tatuagem é feita sem a máquina, somente utilizando uma agulha, e é feita ponto a ponto. A tatuadora destaca que o Festival também serve como um intercâmbio entre artistas: “Foi uma experiência muito gostosa conhecer e compartilhar com outras minas tatuadoras. Quase todas nós nos auxiliamos, trocamos ideia, emprestamos coisas… E o ambiente não era competitivo, mercadologicamente falando”. Ela também cita que se sentiu bastante acolhida no evento pelo fato dele ter sido organizado apenas por mulheres e vê com bons olhos o futuro do Lua Sangrenta: “Acho que o evento tende a crescer ainda mais! Vai ser muito “tri” se ele alcançar um público ainda maior do que a galera que já tá ideologicamente inserida nesse circuito, porque assim as vendas também aumentam e auxiliam a empoderar economicamente as minas que expõem”.

Helena Oliveira é uma das lobas do Lua Sangrenta. Foto: Thamires Seus

Helena Oliveira, estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pelotas, é uma das lobas apresentadoras do programa e organizadora do festival em conjunto com a matilha do Lua. Ela fez um balanço sobre a edição de 2018: “Foi muito lindo de ver… Recebemos apoio sempre das ocupações aqui em Pelotas, como a OCA (Ocupação Coletiva de Arteirxs), a Okupa 171 e a Ocupação Canto de Conexão, emprestando equipamentos para o festival”. Ela também explica sobre a novidade da última edição, que foi o tema Mutações Lunares: “A gente fala muito sobre astronomia e astrologia no programa, as meninas são muito bruxas, aprendemos juntas. Falamos sobre como isso nos afeta e como podemos usar isso pro bem. Esse ano resolvemos fazer o festival sobre as quatro fases da lua e cada atividade tinha uma lógica com o horário que ela estava disposta, então foi muito rico esse lado místico que a gente quer muito explorar, esse lado mais artístico, mais contador de história, meio mágico”.

Helena também ressalta o que mais a agradou na edição de 2018: “O que eu acho mais lindo é que a galera estava animada pra ver o que ia rolar e que a rua foi um espaço seguro pras mulheres. Foi muito legal também a troca que foi feita tanto com as mulheres que estavam lá quanto com os homens que respeitaram o espaço”. O festival se despediu deixando como lição que a união entre mulheres pode gerar frutos muito enriquecedores para a cidade.

O Programa Lua Sangrenta vai ao ar todas as sextas-feiras, das 10h30 às 12h na RádioCom Satolep (104.5 fm) e pode ser ouvido também no site radiocom.org.br.

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