O nono informe pretende apresentar uma breve análise a respeito do debate realizado em dois eventos do Ciclo de palestras organizado pelo Observatório.
O primeiro foi referente às transformações na comercialização e no consumo de alimentos após o início da pandemia, e contou com a participação de Helena Chies e Jonathas Rivero (Aura Verde Alimentos), Ana Júlia Días Rosa (Cooperativa Teia Ecológica), e duas consumidoras: Liara Duarte Terra e Marlene Batista.
O segundo evento aqui relatado tratou da agricultura orgânica e agroecológica em tempos de pandemia, e contou com a participação dos seguintes convidados: José Cleber Dias de Souza (Comissão de Produção Orgânica (CPOrg) – Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Nilo Schiavon (Agricultor ecológico / propriedade Agroflorestal Schiavon.
As transformações na comercialização e no consumo de alimentos após o início da Pandemia
Ana Júlia Días Rosa, da Teia Ecológica
Foi relatado que, durante a pandemia, em um primeiro momento, o restaurante foi fechado por trinta dias e o faturamento zerou. Os consumidores também demoraram a voltar à normalidade. Após readequação das atividades, a alternativa foi a entrega de marmitas e elaboração de pratos prontos servidos no local, com capacidade de público reduzida. Antes da pandemia, a cooperativa servia cerca de 140 refeições diárias, atualmente, entre marmitas e refeições no local, tem variado entre 40 a 60 refeições, uma redução de mais de 50%.
A readequação teve que ocorrer em diversos âmbitos. Um deles foi o marketing digital, que antes praticamente não acontecia. A cooperativa recebeu assessoria de marketing para trabalhar com Instagram, Facebook e WhatsApp, além de implantação do serviço de entrega a domicílio. A questão da adaptação do Buffet também teve que ocorrer, já que anteriormente os clientes escolhiam o que queriam comer, e agora os pratos são previamente elaborados e adaptados. Por isso, o cliente também teve que se adaptar. Mas, o que se pode dizer é que o consumo diminuiu. A Cooperativa tenta trabalhar na conscientização da importância do alimento saudável nesse momento. Também houve a possibilidade de atingir outros consumidores que não conheciam o trabalho, e que tinham aversão à alimentação sem carne.
Helena Chies e Jonathas Rivero, da Aura Verde Alimentos
As feiras foram canceladas no início da pandemia, e, mesmo com o retorno, o público frequentador se mantém abaixo do normal. Por isso, surgiu a ideia de elaborar o projeto Minha Feira em Casa, com um grupo de cooperativas e agroindústrias, e apoio técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS), que se reuniram para organizar cestas de comercialização com entrega a domicílio.
Observa-se que os agricultores, cooperativas e agroindústrias tiveram que implementar um novo serviço em uma situação extrema, onde muitos produtos estavam em falta, como as embalagens, por exemplo, e os prazos das transportadoras para entrega de mercadorias estavam elevados. A organização do projeto Minha Feira em Casa vai desde a colheita, higienização, separação e organização da logística de entrega. O projeto permite que sejam feitas cerca de 70 entregas pela cidade de Pelotas, e, em cinco meses foram entregues mais de 4 toneladas de frutas e hortaliças, 3.500 unidades de verduras e aproximadamente 5 mil ovos.
Liara Duarte Terra e Marlene Batista, consumidoras
Marlene, que é empregada doméstica, observa que com a pandemia, a frequência das idas aos supermercados é menor, por isso agora compra em maiores quantidades. Também relata que o consumo aumentou, pois, a família está mais em casa, especialmente pela redução da jornada de trabalho. Todavia, observa a redução do consumo de alguns alimentos, em detrimento de outros. Por exemplo, o consumo de carnes diminuiu, principalmente porque não se reúnem mais para fazer churrasco com várias pessoas. Em contrapartida, aumentou o consumo de legumes e verduras.
Agricultura Orgânica e Agroecologia em tempos de Pandemia: desafios e perspectivas
José Cleber Dias de Souza, CPOrg / MAPA
Porém, toda inovação acarreta em problemas ambientais, e já na década de 1960 esses fatos eram denunciados no Livro “Primavera Silenciosa” – Rachel Carson. Os cientistas perceberam que o modelo de subordinação da natureza já não era considerado um bom caminho. O termo orgânico, que adotamos a nível mundial como referência, é proposto em 1930 por Sir Albert Howard, na obra “O Testamento Agrícola”.
Neste contexto, os cientistas começaram a perceber que algumas cultivares modernas oriundas dos centros de pesquisa eram menos saudáveis e com menor capacidade de adaptação para ambientes adversos, do que aqueles que os camponeses produziam. Ao contrário da visão segregada, os camponeses continuavam com a visão integrada da natureza. Também começaram a observar a importância da saúde do solo para uma produção adequada.
Já na década de 1990 aumentou demanda pelos produtos orgânicos. Os Governos, inicialmente na Europa, começaram o processo de regulamentação oficial da produção orgânica. A primeira norma foi estabelecida pela União Europeia no ano de 1991, seguido dos Estados Unidos.
No Brasil, no ano de 1994 iniciou-se o processo de regulamentação, instigados pela União Europeia. As primeiras regras estabeleceram normas para produção agropecuária e para a certificação, inicialmente considerando a certificação de terceira parte. Entretanto, a regularização era baseada exclusivamente no estabelecimento do sistema de normas, sem uma visão integrada dos sistemas de produção. O que ocorria era apenas o acompanhamento e garantia da qualidade, além do serviço de fiscalização pelos ministérios.
No início dos anos 2000, a evolução do processo de regulamentação da produção orgânica possibilitou um intenso debate envolvendo vários setores com atuação na produção, movimentos sociais e organizações da Agroecologia, instituições de pesquisa e representações de órgãos governamentais. Como resultante a lei da produção orgânica estabelecida em 2003, e vigente até os dias de hoje, reconhece de forma pioneira a certificação participativa, em atendimento às formas de organização dos agricultores, principalmente direcionado ao público da agricultura familiar. Além deste, constam na legislação a certificação de terceira parte e a organização de controle social, este último exclusivo aos mecanismos de venda direta realizados pela agricultura familiar como as feiras livres.
Nessa perspectiva a Comissão da Produção Orgânica (CPORG) tem sido um espaço de construção deste formato de regulamentação. No RS a CPORG foi estabelecida em 2006, contando com a colaboração de diversas instituições públicas e representantes da sociedade civil. Ao longo deste período este tem sido um importante fórum de debate, reflexão e discussão das perspectivas para o desenvolvimento da agricultura orgânica e agroecológica no contexto estadual.
Nilo Schiavon, Agricultor
No ano de 1994, estava iniciando um trabalho pautado na Agroecologia, com auxílio do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (CAPA) na região. A propriedade foi uma das primeiras a começar o trabalho, que passou da produção de leite e soja convencional para a produção de frutas, hortaliças, tubérculos, dentre outros.
Um dos principais pontos foi a reestruturação da propriedade, principalmente em termos de matéria orgânica, já que o solo estava prejudicado. O agricultor observa que a propriedade é uma ilha no meio de propriedades convencionais, e ainda passa por um processo contínuo de recuperação do ecossistema.
Destacou que a sua produção de frutas começou pela demanda, e pela necessidade de diversificação. Começaram com uva, e depois incluíram pêssego e frutas cítricas. Dentre os pomares são plantadas hortaliças, abóboras, feijão, batata doce, aipim. Dificilmente encontram algum produto solteiro, sempre são consorciados em todas as áreas.
A propriedade também apresentava dificuldades com água, especialmente por causa da estiagem prolongada, por isso fizeram um sistema de armazenamento de água e a implantação de açudes. Os sistemas agroflorestais também são desenvolvidos na propriedade, e ainda ocorrem em poucas propriedades do Rio Grande do Sul. Por isso, o agricultor abre a propriedade para dias de campo, para que as pessoas possam conhecer esse sistema. Também são feitos mutirões de trabalho para que outros agricultores tenham a possibilidade de aprender novas técnicas agroecológicas.
A piscicultura sustentável e a apicultura também são atividades desenvolvidas na propriedade, além da agroindústria familiar, com produção de sucos. A mão de obra é familiar, com eventual contratação de empregados nos períodos de colheita. O agricultor também comenta que já construiu diversos implementos que podem ser utilizados na propriedade.
Ao longo desse período o agricultor observa a evolução da propriedade e do sistema de produção agroecológico, acentuando a dedicação e trabalho da família, demonstrado, por exemplo, na participação da feira ecológica, rotina que a família realiza semanalmente desde 1995, completando neste ano 25 anos. Ressalta também a importância e reconhecimento do trabalho através da obtenção da certificação orgânica da produção e da certificação agroflorestal da propriedade. Por fim, a respeito da pandemia, o agricultor considera que inúmeras mudanças ocorreram, destacando a abertura de outras possibilidades de comercialização principalmente relacionadas às entregas a domicílio e também as readequações que tiveram que ser realizadas nas feiras da agricultura familiar.
Em conclusão
Você pode acessar e baixar o Informe Nº 9 em PDF .
(Em Breve) Acesse também em podcast no Anchor ou no Spotify
Pelotas, 08 de setembro de 2020
Observatório da Problemática da Seca e da Covid-19 na Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul – Grupo de Professores do Departamento de Ciências Sociais Agrárias (DCSA) da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), estudantes e convidados externos.
Abel Cassol (UFPel); Alberi Noronha (Embrapa Clima Temperado); Alessandra Bandeira da Rosa (UFPel); Alice Pereira Lourenson (UFPel); Fernanda Dias de Avila (UFPel); Fernando Luiz Horn (Emater/RS-Ascar/Pelotas); Gabrielito Rauter Menezes (UFPel); Henrique Andrade Furtado de Mendonça (UFPel); Juliana Cristina Franz (UFPel); Letícia Paludo Vargas (UFPel); Lúcio André de Oliveira Fernandes (UFPel); Marcelo Dias (UFPel); Maria Laura Victória Marques (UFPel); Mário Conill Gomes (UFPel); Mário Duarte Canever (UFPel); Patrícia Martins da Silva – Universidade Federal de Pelotas (UFPel); Raul Celso Grehs (Embrapa Clima Temperado); Tatiana Porto de Souza (UFPel).