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Informe Nº 03

Neste terceiro informe, a equipe do DCSA procurou focar na perspectiva do consumidor. O que ele pode estar pensando sobre as mesmas questões que conversamos com os agricultores?  Será que o consumidor está preocupado com a oferta de alimentos? E os preços? Seus hábitos se alteraram com a COVID-19?

Estas e outras questões são discutidas neste terceiro informe do Observatório do DCSA.

Introdução
O terceiro informe pretende fazer uma análise da percepção dos consumidores com relação à temática da seca e do Covid-19 na Região Sul do Rio Grande do Sul. Da mesma forma que o levantamento anterior com os atores relacionados à agricultura familiar e suas organizações, as questões centrais estavam vinculadas aos seguintes aspectos: saúde, produção, comercialização, articulações e preocupações futuras, especialmente no que diz respeito às principais mudanças dos hábitos de consumo durante a pandemia. É importante destacar dois pontos: o primeiro é que os questionários ainda estão sendo aplicados, e este é um panorama inicial no que diz respeito aos consumidores, por isso, nos próximos informes continuaremos a tratar do assunto; o segundo é que as questões foram aplicadas na semana de 22 a 29 de abril de 2020, período em que algumas cidades do Rio Grande do Sul decidiram pelo afrouxamento das medidas de isolamento social, o que pode ter influenciado algumas das respostas.
Hábitos de compra
De modo geral, foi possível perceber mudanças pontuais nos hábitos de compra e consumo de alimentos por parte dos entrevistados. Tais transformações, por estarem conectadas às características socioeconômicas dos participantes (categorias tais como classe, gênero, idade, profissão), conferem um conjunto difuso e diverso de respostas e perfis de acesso e consumo dos alimentos nesse contexto. Abaixo ressaltamos algumas delas.
Questão da saúde
Em relação à saúde, percebe-se que os consumidores têm se informado por meio de televisão e internet. Do mesmo modo, verificam-se mudanças em relação aos alimentos consumidos decorrentes das transformações causadas pelo distanciamento social e suspensão de parte das atividades do setor alimentício. Algumas das consumidoras entrevistadas destacaram um aumento no consumo de alimentos mais saudáveis, tais como frutas, legumes e verduras. Outro ponto positivo destacado refere-se à possibilidade de conhecer a origem do alimento consumido, o que decorre da necessidade de terem de prepara-los em casa. Em virtude da percepção dos riscos 2 associadas ao “comer fora”, também verificamos relatos de diminuição de compras em padarias e restaurantes, o que pode estar relacionado às mudanças anteriores.
Como veem os agricultores
Em relação às percepções quanto às dificuldades produtivas enfrentadas pelos agricultores familiares, seja em relação à seca ou ao Covid-19, os consumidores relataram percepções diversas. Boa parte declarou não perceber qualquer dificuldade, ainda que outros tenham observado menor movimentação nas feiras e possíveis problemas futuros aos agricultores se a situação de distanciamento social perdurar.
Comercialização de alimentos
Disponibilidade
A dimensão da comercialização e do acesso aos alimentos talvez seja aquela que mais tenha se modificado para os consumidores individuais. Dentre aqueles pertencentes à classe média, há relatos da diminuição ou abandono do consumo de produtos nas feiras em favor da compra em minimercados (produtos frescos) ou supermercados (produtos não perecíveis). Também há relatos de acesso por meio de compras a domicílio através do uso de plataformas digitais, tanto de agricultores familiares quanto de supermercados. Percebem-se mudanças nas dinâmicas de compras, que passam a ocorrer de modo menos frequente e com maior volume de produtos. Dentre os consumidores de classes populares, verifica-se um aumento das compras nos atacadões, possivelmente para aproveitar promoções, mas também orientadas por um maior espaçamento de tempo (a cada 15 dias) e maior volume de produtos adquiridos em cada compra.
Preços
Ressalta-se uma percepção compartilhada dos consumidores em relação ao aumento dos preços dos alimentos. Aqueles com maior poder aquisitivo destacam um aumento nos preços dos produtos in natura, enquanto os dos bairros populares indicam dificuldades em manter a quantidade de alimentos e a eventual falta de acesso a alguns produtos (feijão, arroz e lentilha). Por fim, cabe destacar que dentre os consumidores que mantém as compras nas feiras, a percepção em relação ao aumento dos preços dos alimentos são insignificantes, assim como dificuldades de encontrar algum produto.
O que esperar para o futuro?
Finalmente, as preocupações futuras da grande maioria dos entrevistados estão relacionadas à saúde, já que se sentem receosos com relação à doença, com medo de adoecer ou que algum membro da família adoeça e não tenham vagas em hospitais. Dentre os frequentadores das feiras da agricultura familiar, há uma preocupação quanto às dificuldades impostas aos agricultores que, a julgar pela diminuição do movimento 3 nesses mercados, podem piorar caso as medidas de isolamento social fiquem mais rigorosas.
Mobilização da sociedade
No nível da sociedade civil organizada, algumas iniciativas diretamente ligadas ao acesso e ao consumo de alimentos no contexto da pandemia e da seca na região merecem ser destacadas.

Fórum de Soberania e Segurança Alimentar
 Em primeiro lugar, destacam-se as atividades do Fórum de Soberania e Segurança Alimentar da região, composto por diversas entidades e movimentos sociais e que tem se mobilizado nos últimos anos para a concretização de um Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional na cidade de Pelotas. O fórum tem reivindicado garantia de recursos – por meio de políticas públicas – para viabilização da produção local oriunda da agricultura familiar e seus diferentes grupos (camponeses, assentados, quilombolas, pescadores, indígenas). Incentivo a construção de circuitos curtos de comercialização como forma de acesso a alimentos saudáveis, agroecológicos e com qualidade nutricional à população da região, especialmente àquela em situação de vulnerabilidade.

Nesse sentido, cabe destacar a recente iniciativa de distribuição de alimentos, produtos de higiene e segurança à saúde, às populações vulneráveis em diversos bairros de Pelotas, no escopo da Campanha de Arrecadação para o Combate à Fome e em Defesa da Soberania Alimentar instituída pelo fórum e que já contemplou inúmeras famílias com a doação de variados gêneros alimentícios pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Quilombo do Algodão; sabão e água sanitária doados pelo Coletivo Tranca Rua; e máscaras de proteção individual disponibilizadas pela Unidade de Cuidados Paliativos – Cuidativa/UFPel.

Retomada dos CONSEAS
Essas iniciativas reafirmam a importância da retomada das instâncias deliberativas da sociedade civil como mecanismo de enfrentamento coletivo dos problemas enfrentados. A criação e reativação dos CONSEAS municipais, regionais e estadual, é de extrema importância para que políticas relacionadas a alimentação e ao abastecimento alimentar sejam desenvolvidas e concretizadas, especialmente no contexto atual de incertezas.
UFPel/PRAE
No mesmo sentido, a Universidade Federal de Pelotas, por meio da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE), acaba de divulgar a aquisição de 500 kits de alimentos 4 da agricultura familiar da região para abastecer os estudantes em situação de vulnerabilidade social. Serão disponibilizados 06 modelos de kit, distribuídos uma vez por semana, compostos por 03 alimentos orgânicos. No total, a PRAE estima um investimento de cerca de R$ 30.000,00 com a compra direta de agricultores familiares.
Gol contra do Governo do Estado
Contrariamente, destaca-se a ação equivocada do governo do Estado na destinação dos recursos de compra de alimentos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Conforme diversas notas de entidades e associações ligadas ao tema da segurança alimentar e nutricional e da agricultura familiar, tais como a Associação Gaúcha de Nutrição (AGAN), o Conselho Regional de Nutricionistas da 2ª Região (CRN2) e a União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do Rio Grande do Sul (Unicafes-RS), dentre outras têm denunciado, o governo do Estado, aproveitando-se da Resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) nº 02/2020 que autoriza, em caráter excepcional, a distribuição de gêneros alimentícios adquiridos no âmbito do PNAE às famílias dos estudantes, em forma de kits; optou por adquirir alimentos ultraprocessados, com baixa qualidade nutricional e oriundos de um comércio atacadista. O total de recursos dispendido pelo estado é da ordem de R$ 22 milhões, que serão gastos com comida de baixa qualidade (açúcar, salsichas enlatadas, biscoitos, dentre outros) – ferindo as determinações do PNAE quanto à qualidade nutricional – e sem priorizar o mínimo de 30% oriundos da agricultura familiar, descumprindo com o artigo 14 da Lei Federal 11.947/2009 que regulamenta as compras do PNAE.
A seca continua...
Conforme temos relatado nos informes anteriores, os agricultores familiares do estado, especialmente os da região sul, tem se defrontado com dificuldades crescentes diante do contexto de dupla crise sanitária e de seca as quais têm sido acometidos. Nesse sentido, o governo estadual perde uma oportunidade relevante de transferir recursos a esse público, assim como garantir a manutenção da alimentação saudável dos escolares e de suas famílias.
Novidades nas políticas públicas?
Por fim, cabe destacar dois movimentos alvissareiros em relação às políticas de compras públicas.

Aquisição de alimentos
O primeiro refere-se à prefeitura do Rio Grande, que juntamente com a EMATER-RS, utilizou-se da mesma Resolução nº 02/2020 para adquirir 200 cestas de alimentos, fornecidas por 18 famílias de agricultores do município, e distribuir para 5 alunos e familiares de 04 escolas municipais (que deverá se repetir quinzenalmente ampliando o número de escolas beneficiadas).
R$500 mi para o PAA
O segundo diz respeito à liberação, por parte do governo federal, do valor de R$ 500 milhões para compra de produtos da agricultura familiar por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), através da Medida Provisória 957/2020, que visa prover o abastecimento desses alimentos às populações em situação de vulnerabilidade dos estados e municípios. Destaca-se, nesse sentido, o resultado da pressão feita por movimentos sociais e sociedade civil organizada na retomada do PAA como instrumento de garantia da segurança alimentar e nutricional no período de crise ora enfrentado.

Você pode acessar e baixar o Informe Nº 3 em PDF .

Pelotas, 1º de maio de 2020.

Dia do Trabalhador

Observatório da Problemática da Seca e do Covid-19 na Agricultura Familiar da Região Sul do Rio Grande do Sul – Grupo de Professores do Departamento de Ciências Sociais Agrárias (DCSA) da Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e convidados Abel Cassol (UFPel); Gabrielito Rauter Menezes (UFPel); Henrique Andrade Furtado de Mendonça (UFPel); Letícia Paludo Vargas (UFPel); Lúcio André de Oliveira Fernandes (UFPel); Marcelo Dias (UFPel); Mário Conill Gomes (UFPel); Mário Duarte Canever (UFPel) e Patrícia Martins da Silva – Universidade Federal Fluminense (UFF).