Propostas criativas na noite LGBT de Rio Grande

O DJ Diogo Azevedo dá continuidade ao seu trabalho com a música funk e busca novas alternativas        

Por Nathalia Farias

Rio Grande, município localizado no sul do Rio Grande do Sul. Possui uma população de 207 036 habitantes, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Vizinha de Pelotas, cidade universitária considerada referência quando se trata em vida noturna e entretenimento, Rio Grande está se mostrando uma grande aliada da população jovem e LGBT, agitando os finais de semana da cidade com propostas criativas, festas inclusivas e preços acessíveis a todos os públicos.

Com mais de dois mil seguidores no Twitter e no Instagram, a Lambe, produtora de festas totalmente rio-grandina, vem ascendendo significativamente nesse universo de entretenimento, elaborando eventos inovadores, como festas apenas com temáticas de músicas brasileiras, “sunsets”, temática “brega”, festas onde só entram mulheres, etc.

Diogo Azevedo, formado em Administração e Artes visuais, e Isadora Simões, formada em Pedagogia, são os rostos por trás da Lambe. Diogo também trabalha como DJ e afirma que começou a produzir festas depois de uma realização para o curso de Artes de Visuais na FURG, no final da sua graduação: “Depois dessa festa, acabei me interessando nesse mercado e colocando algumas ideias em prática. A abrangência da Lambe é algo que não consigo medir, tentamos abordar diversos gostos musicais diferentes, muitas vezes, eles se contrapõem e, de certa forma, perdemos público em um terreno enquanto conquistamos outros, então é uma fluidez muito intensa”.

O DJ rio-grandino ressalta que, para ele, o importante é entregar o que é prometido para o público que acompanha fielmente a produtora. “Procuro fazer um bom trabalho e esperar o resultado no dia da festa, casa cheia é sinal que conquistamos uma grande parcela, mas uma casa mais vazia com o público realmente interessado na proposta também é um resultado a se comemorar”. E quando se trata de audiência fiel, a Lambe conhece muito bem. Prova disso é a Sonzeira, festa que inclusive mudou de data para alcançar o público que iria participar do ENEM no final de semana. Com menos de duas horas no ar no Facebook, o evento já tinha mais de mil pessoas confirmadas.

A vida de DJ começou também na primeira festa produzida, o Sarau das Artes, para reduzir os gastos. “O DJ sempre compartilha um pouco de si com o público conectado na pista, é uma espécie de transe quando o trabalho flui, mas, claro, tudo depende da proposta na line-up”, explica Diogo. “Às vezes estou ali para suprir a necessidade de tocar hits comerciais do funk e, às vezes, para trazer um estilo diferente que me toca de maneira bem mais profunda. Tudo isso varia, tem que saber ler a pista e se conectar com ela para entender qual som encaixa no momento, lugar e proposta”.

“O que mais funciona ainda é o funk, é uma construção da periferia que dominou todo o cenário comercial” Foto: Stephany Borges

 

Diogo afirma estar sempre se inovando e aprendendo com outros DJs e na prática, mas o funk sempre acaba o “assombrando”: “O que mais funciona ainda é o funk, é uma construção da periferia que dominou todo o cenário comercial, o ritmo é realmente perfeito para o formato de festa. A grande resistência contra esse estilo são letras que, por muitas vezes, têm apologia misógina e machista. Tento ao máximo trazer produções que evitam essa visão”.

O funk continua sendo o seu principal material de trabalho, mas Diogo também busca outras alternativas. “Esse ainda é o estilo que trabalho como DJ, o público e os produtores esperam um set de funk vindo de mim. Porém, como produtor, vou na vertente contrária. O funk é um patrimônio cultural de peso e merece toda visibilidade que tem tido, mas já tem tantas produções abordando isso que prefiro dar visibilidade a outros estilos quando posso. É importante fugir do ciclo comercial vicioso”, opina.

Blackmay Clouds performa como drag queen desde 2017 e tem muitas fontes de inspiração, inclusive vilões Foto: Stephany Borges

Não é só de produtoras e DJs que a vida noturna LGBT é feita. Maicon Aurélio, também conhecido como Blackmay Clouds, performa como drag queen desde 2017. Drag queen (ou drag king) é o termo dado a transformistas de personagens criados por artistas performáticos que se travestem, fantasiando-se cômica ou exageradamente com o intuito profissional artístico. “Eu sempre me considerei uma criança meio esquisita e fascinada com vilões, de certa forma, identifico-me com eles pela sua história, pois normalmente os vilões se tornam vilões como uma forma de defesa após serem machucados. Então, essa foi a minha forma de canalizar toda a raiva e tristeza que eu sentia pela sociedade e o sistema em que a gente vive, criando um personagem e uma narrativa que fosse contra tudo isso”, ressalta o artista.

Ele considera que ser uma drag queen é uma forma de sobrevivência, além de ser um ato político. Maicon, que também atua como DJ, afirma que a ideia é criar atmosferas e universos: “Ser LGBT e estar em um palco produzindo conteúdo pra pessoas LGBTs me traz o sentimento de realização e esperança porque eu tento cada vez mais ocupar esses lugares, mesmo ainda sentindo que certos ambientes não nos querem como protagonistas”.

Blackmay – nome originado de um lado mais melancólico e obscuro do artista e também por sempre ser dito que ele aparentou  ter “a cabeça nas nuvens” – confessa que se inspira em absolutamente tudo ao seu redor: “Sinto-me muito inspirado o tempo inteiro, pode ser vendo uma pedra na rua ou até estando em contato com a natureza ou caminhando beira-mar. Muitas pessoas ao meu redor me inspiram, entre elas estão meus amigos e minha vó. Também sou fascinado por esse mundo de vilões, eu acho que eu sempre tento dar um toque disso nas minhas montagens por me identificar demais com esses personagens e com a história deles. Por muito tempo, eu fui excluído. E me senti uma ‘aberração’ em vários momentos da minha vida. Eu canalizo e conto tudo isso em forma de arte, usando experiências e sentimentos ruins que tive como uma força e inspiração”.

Com cada vez mais adeptos, criando cada vez mais artistas, DJs, beatmakers, cantores e dançarinos, Rio Grande se mostra uma cidade relativamente avançada para seu tamanho e sua localização, sendo berço de uma criatividade que beneficia todos os jovens através de ambientes acessíveis e confortáveis, gerenciados por pessoas também jovens que se preocupam em produzir meios em que todos sejam bem vindos.

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Monquelat vive e escreve história de Pelotas

Adão Fernando Monquelat dedica-se para a sua livraria e o resgate histórico de Pelotas       Foto: Lucian Brum

Por Lucian Brum

Em companhia de sua parceirinha, Adão Fernando Monquelat vinha se aproximando à entrada da Bibliotheca Pública Pelotense. Era início de tarde, horário em que tem frequentado diariamente a hemeroteca para pesquisar a história de Pelotas nas páginas dos jornais. Cumprimentamo-nos e perguntei se poderia entrevistá-lo: “Amanhã de manhã, passa lá na livraria”, indicou. E foi subindo as escadas com sua parceira, a yorkshire Lola, o único cão da cidade com carteirinha de pesquisador.

“Estás 24 horas atrasado”, exclamou o livreiro, quando adentrei a Livraria Monquelat na primeira hora da manhã um dia após o combinado. Sentado em sua escrivaninha, os pés fora da sandália, tomando chimarrão (com erva mate moído fino), ele estava escrevendo um artigo sobre coqueiros. Sim, esse coqueiro que dá coco, árvore que enfeitava diversos pontos centrais da cidade. E segundo o artigo publicado no blog Pelotas de Ontem, a Rua General Neto, por volta das décadas de 1815 e 1835, chamava-se Rua Coqueiro.

Adão Fernando Monquelat é uma autoridade na matéria história de Pelotas: livreiro, pesquisador, historiador, escritor, são algumas de suas atribuições. Com sede de conhecimento e paixão pelos livros, é um dos precursores da construção da atual historiografia pelotense. “A pesquisa, fora da atividade como livreiro, é minha paixão”, revelou.

Foi no início da década de 1980, quando mantinha a Livraria Lobo da Costa (na Rua Dom Pedro), que despertou para o ofício da pesquisa. Como a livraria era xará do poeta, os leitores apareciam para procurar seus livros, mas era raro encontrar editadas suas poesias. Em consequência, o livreiro se dispôs a investigar sobre o poeta nos arquivos das bibliotecas de Pelotas e Rio Grande, e encontrou um farto material. Dessas pesquisas nasceu o clássico — Antologia poética (e alguma prosa de e sobre) Lobo da Costa (1988).

“Livros de medicina em promoção”, informava o cartaz colado na estante em frente à porta de entrada. A livraria Monquelat, hoje na Rua General Teles, é uma sala onde os livros estão acomodados do chão ao teto. Sentado próximo da vitrine, ponto em que há mais luz natural, segurando a cuia firme para roncar o mate, o livreiro fixou o olhar para baixo e teve algumas reminiscências da infância. Época em que atuou pelo Santa Tecla F.C., time organizado, presidido e treinado por um barbeiro entusiasta do futebol (dono da bola e das camisetas). É nessa fase das calças curtas, que começou a assimilar na rotina do pai, o hábito que levaria para vida toda: “Eu sempre via o meu pai lendo aquele livrinho de bolso que ele tinha. Lembro-me dele no bolso de trás da calça. Sempre aqueles livros pequeninhos”, descreveu.

Sempre há movimento na livraria Monquelat: clientes que vão atrás de novas leituras, amigos que chegam para conversar, estudantes atrás de algum livro específico, pessoas querendo vender livros, passantes pedindo informação. Todos são recebidos com a mais sincera educação.

É uma das mais antigas lojas de livros da cidade, no entanto, não participa da Feira do Livro desde 1992. Da livraria já saíram títulos como: Notas à margem da história da escravidão (2009); Senhores da carne: charqueadores, saladeristas y esclavistas (2010); e Pelotas dos excluídos: subsídios para uma história do cotidiano (2014); entre outros que relatam a história do negro pelotense.

Quando indagado sobre a feira do livro trazer o tema no ano passado: “A Alvorada – imprimindo o alvorecer dos negros em Pelotas”, o livreiro desabafou: “Está atrasado. Essa homenagem já era para ter sido feita. Aliás, há uma dívida que Pelotas tem com a etnia negra, que acho que está começando a pagar. Mas não tem nenhuma rua homenageando um negro, não tem nenhum monumento, nenhum museu — tem museu para tudo —, e não tem o museu do negro. Espero que a cidade consiga fazer autocrítica. Há muito tempo que Pelotas deve isso à etnia negra”.

Reencontrei o Monquelat na hemeroteca da Bibliotheca Pública Pelotense. Ele procurava uma matéria que correspondesse à presença do Assis Brasil no Hotel Scheffer, para um artigo sobre antigos hotéis da cidade. Folheando o caderno do primeiro semestre do Diário Popular de 1924, a primeira reportagem que lhe chamou atenção foi sobre a fundação da Ponte do Retiro. Apanhou sua Canon powershot e fotografou a página. Só é permitido transcrever, ou fotografar (sem flash) o acervo de jornais, a maior fonte primária da história de Pelotas. Pois, muitas edições estão inacessíveis pelo ressecamento do papel devido ao manuseio com a fotocopiadora. “A digitalização do acervo é fundamental para salvaguardar o documento original. Se a biblioteca usou o acervo como fonte de renda, isso também contribuiu para que parte do acervo esteja deteriorado”, afirmou.

Historiador sem academicismos, sua obra foi construída com a curiosidade do saber. Juntou o gosto pela leitura com o fascínio da descoberta: “Olhando para o passado tu consegues comparar com o presente. É como alguns dizem — a história é uma roda. E o bicho que move essa roda é o mesmo. Ele só troca de roupa, e de interesse”. Monquelat passou cerca de uma hora folheando os jornais, fotografou algumas matérias que se interessou, mas não encontrou a referência sobre o Hotel Scheffer. Fechou o caderno no dia 15 de setembro. Despediu-se dos funcionários com intimidade, falando alto, com a naturalidade de estar em casa. Desceu as escadas com calma e atravessou a rua em frente à biblioteca. Costeando a praça, acompanhando da Lola em seu encalço, foram abrir a livraria.

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O Novo Caminho de Pinkman

O ator Aaron Paul está no papel principal

 

Por João Pedro Macedo

 

Alerta de spoiler! O filme El Camino: a Breaking Bad Movie, exibido pela Netflix, de Vice Gilligan, conta o que aconteceu com Jesse Pinkman (Aaron Paul) após ter sido salvo por Walter White (Bryan Cranston). No último episódio da renomada série Breaking Bad, Jesse estava sendo mantido em cativeiro e era obrigado a produzir metanfetamina para os sequestradores, já que ele era o único que sabia a fórmula do Walter White.

 

O filme parece mais um episódio da série do que uma produção independente. Cumpre com seu objetivo, que seria despertar o interesse dos fãs de Breaking Bad a assistir a série de novo e mostrar por que é um seriado tão respeitado pelo mundo todo.

 

A relação entre passado e presente é muito forte no filme, tanto que já começa com uma frase que praticamente resume todo o enredo. Logo no início, acontece uma cena que se passa no passado, antes de Jesse ser sequestrado, quando ele conversa com seu antigo “segurança”, Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks). Cansado de traficar e um tanto traumatizado com tudo o que aconteceu na vida dele, Pinkman quer fugir e recomeçar. E, então, Mike diz para ele que a ideia é até boa, mas é impossível reiniciar do zero.

Realmente é impossível recomeçar do zero, a primeira ação de Jesse após estar livre foi visitar seus antigos amigos e pedir ajuda. Ele muda completamente seu visual nessa visita e, assim, já facilita para o telespectador entender quando o filme está ocorrendo no passado ou no presente. Com a ajuda de seus amigos, ele consegue despistar a polícia, mas ainda assim, ele precisa de dinheiro para poder mudar de identidade e fugir. Então, Pinkman vai ao apartamento de seu sequestrador que foi morto pelo Walter White em busca de dinheiro.

Como dito antes, a relação entre passado e presente é muito forte no filme e, no decorrer do mesmo, nota-se que Jesse está perturbado psicologicamente com tudo que aconteceu com ele, não consegue tomar banho de chuveiro, tem dificuldade em dormir, porém isso também faz Pinkman ganhar novas características que ele não tinha na série. Enquanto, em Breaking Bad, Jesse tinha um comportamento explosivo e inconsequente de um adolescente revoltado com a vida tentando tirar o máximo proveito dela, em El Camino, ele está bem mais cuidadoso, mais maduro e tentando fazer de tudo para poder recomeçar, mesmo que não seja do zero.

Na casa do sequestrador, Pinkman demonstra seu senso moral dizendo que não atirava em policiais para os policiais que lá estavam. Ele se entrega e assim descobre que os homens lá não eram policiais e também estavam atrás de dinheiro. Jesse consegue um acordo com eles e os três dividem o dinheiro.

Agora, com o dinheiro, Pinkman vai até a uma loja de aspiradores de pó, que também tem na série Breaking Bad. O dono dessa loja recomeça a vida das pessoas teoricamente, dando uma nova identidade e um novo local para essa pessoa viver, porém Jesse ainda não tem o dinheiro suficiente e vai em busca dos outros dois homens com quem ele dividiu o dinheiro.

Um desses dois homens foi responsável direto em manter o Jesse Pinkman preso em cativeiro, mais uma vez mostrando a ligação forte entre passado e presente. O protagonista vai atrás dele, pega seu dinheiro e, agora, sim, pode recomeçar sua vida.

No fim do filme, Pinkman vai para o Alasca, lugar que ele tinha comentado em ir para Ehrmantraut no início do filme. Lá, ele muda de identidade e tenta recomeçar sua vida, mesmo que os traumas anteriores não o tenham deixado. Ainda no final aparece uma cena surpreendente e pouco esperada, uma memória também do passado da ex-namorada de Jesse, Jane Margolis (Krysten Ritter), que na série Breaking Bad morre de overdose. Na memória, ela conversa com Jesse sobre o universo e destino e assim o filme se encerra.

O filme em si fica confuso se você não viu a série antes, porém, para um fã da série, a produção se encaixa perfeitamente e ainda faz o telespectador matar a saudade de personagens que não via faz tempo. A atuação do Aaron Paul, mais uma vez impecável, justifica os prêmios pelas suas atuações em Breaking Bad. O diretor Vince Gilligan, sem mudar muito o estilo do filme em relação à série, conseguiu misturar cenas de tensão e de comédia no mesmo filme, sem contar o desenvolvimento da trama que ocorre perfeitamente. El Camino cumpre com seu objetivo e explica o que aconteceu com Jesse Pinkman.

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Bando053: o trap em Rio Grande

$mk TheKid, Rose G e Alemão levam o Trap com o Bando053 em  Rio Grande            Foto: Lisandra Miranda

Por Lisandra Miranda

O Bando053 é um grupo de rap que foca no desenvolvimento de músicas no estilo trap, considerado um subgênero do rap. Atua em Rio Grande, e é composto por três integrantes, sendo eles Bruno Ribeiro (20), Yago Gonçalves (20) e Rafael Motta (20), que no meio artístico são conhecidos, respectivamente, como $mk TheKid, Rose G e Alemão.

O nome $mk TheKid de Bruno Ribeiro é baseado no personagem Smokey do filme Sexta-feira em apuros, lançado em 1995. Enquanto, Rose G, nome artístico de Yago Gonçalves, é abreviação de seus sobrenomes Rosa Gonçalves, porém ele afirma que Rosa G soaria estranho e preferiu escrever rosa em inglês. E Rafael Motta, o membro chamado de Alemão, escolheu esse nome, pois é a maneira que todos o chamam, principalmente na rua. Nesse contexto, o Bando053 representa o sonho de três jovens no município de Rio Grande que querem conquistar novos horizontes e conseguir viver de suas rimas e beats.

$mk TheKid e Rose G estão há quatro anos na carreira musical, pois em 2015 se uniram e criaram inicialmente o grupo UmTrago. Em 2018 conheceram Alemão, que passou a fazer parte do grupo e, no início desse ano, criou a proposta do Bando053. A concepção parte de acordo com Yago, de “sempre agregar novos artistas”. “A gente trabalha por isso, para fazer dar certo, e não só pra nós, porque, de que adianta a vitória, se só eu vou desfrutar”. Isso mostra a consciência dos rappers da importância do crescimento dos diversos grupos de trap e rap na cidade de Rio Grande.

Trap e Rap

Os rappers do Bando053 produzem música trap, mas para compreender esse subgênero do rap é importante entender o rap como um tipo de música que possui um discurso rítmico com rimas. No Brasil, o rap tem uma função social ao ser usado para relatar os problemas vividos pelos brasileiros das periferias e, especialmente, em focar nos jovens pobres desses locais, sendo chamado diversas vezes de rap de mensagem. Segundo $mk TheKid, “o rap de mensagem quer passar a visão da tua realidade passando na vila, no bairro.”

O trap, por sua vez, começou na década de 2000 nos Estados Unidos, e ganhou popularidade em 2007, ao redor do mundo. Esse subgênero possui características específicas como um som mais agressivo e rápido, que influencia no ritmo da rima. No Brasil, o trap conquistou nos últimos anos os mais jovens, sendo tocado em festas e festivais. Tendo letras que fazem apologia a drogas e crimes em diversas vezes são consideradas inapropriadas, como o funk ostentação. $mk TheKid comenta: “A gente faz um bagulho mais festa, mais batidão. Um lance mais pista. É só o que que toca, se tu for ver o funk é estourado em tudo que é lugar.”

Diante disso, é possível pensar em uma rivalidade entre rappers de rap e trap, porém essa não é uma realidade em Rio Grande. Segundo $mk TheKid, “todo mundo é da quebrada e todo mundo tá se dedicando, só que cada um faz um trampo diferente. Eu e os guris fizemos um trampo que é para tocar nas pistas, o outro faz o que é para tocar o coração da pinta, vai contar uma história tu vai chorar, a gente faz um trampo que tu vai rir.”

Os músicos ressaltaram a construção de suas letras como parte essencial do seu trabalho, e afirmam que o desenvolvimento acontece em conjunto. $mk TheKid relata: “A gente se junta como irmão e vai fazer, por que junto é mais fácil, entendeu, junto acontece.”

Outra parte essencial da criação de uma música trap é a produção da mixagem e masterização, sendo a mixagem o primeiro passo, em que são estabelecidos os níveis de volume de cada voz e do timbre de cada um dos instrumentos da música. O segundo passo é a masterização, quando se procura corrigir quaisquer deficiências sonoras. No caso do Bando053, eles citam os mix e master Alã, 808Luke e Duck Beats, como produtores de seus trabalhos. De acordo com $mk TheKid, eles fazem o trabalho dar certo, pois fazem o beat e a melodia. “A gente só chega com a rima,” diz.

Eles também relataram os desafios que o Bando053 enfrenta na elaboração das rimas, como o fato de cada membro ser de um bairro diferente na cidade. Rose G mora no bairro Getúlio Vargas, enquanto $mk TheKid, no bairro Municipal, e o Alemão, no bairro Parque Coelho. Dessa forma, o principal meio de mostrar suas letras uns para os outros é através das redes sociais, e, segundo Alemão, “vai montando, um dá uma ideia e os outros abraçam.”

Outro desafio é a falta de tempo, pois todos do Bando053 ainda não conseguem se manter da produção de suas músicas, sendo obrigados a realizar outras atividades. Durante a semana, Alemão trabalha em uma esquadria de vidros, e Rose G é estagiário em uma empresa de fertilizantes. Como ele mesmo afirma, é “uma mente milionária no corpo de um estagiário”. Enquanto, $mk TheKid atualmente está à procura de um emprego.

Todos garantem, no entanto, estar sempre escrevendo, pensando e vivendo as rimas, e através das batidas criam suas letras diariamente. Alemão diz: “Meu tempo é quando eu chego do trampo cansado, boto o som a tocar, escrevo alguma coisa e assim a gente vai fazendo.” Enquanto Rose G afirma: “Acredito na rotina, acordo às cinco e pouco da manhã para ir trabalhar, a hora da manhã é a mais criativa pra mim, se eu tô escutando um beat (batida), eu já chego cantando na minha mente, é essa rotina que tem me ajudado.”

O grupo ressaltou as inspirações musicais que influenciam na criação das rimas de cada um deles. Citaram Sabotage, rapper que encontrou no gênero uma maneira de mudar a sua vida, conquistando reconhecimento na música brasileira. E o grupo Racionais MC’s, composto pelo mc’s Mano Brow, Edi Rock, Ice Blue. Mais DJ KL Jay, representante da vida de jovens negros, pobres e da periferia. Também lembraram de rappers estrangeiros, como Travi$ Scott, americano do Texas, que pode ser considerado um dos maiores representantes da música trap no mundo. Como fala $mk TheKid: “Minha inspiração vem do gringo, Travi$ Scott é o cara do momento do trap music, aí ele é inspiração pro cara, tá ligado.” Além dos rappers, os membros citaram que suas inspirações também vêm do dia a dia, a partir de suas vivências. Rose G diz: “O que mais me inspira é pensar, ter uma ideia e, pô, isso aqui é diferente, isso aqui é criativo.”

Com relação à entrada de cada membro no meio da música trap todos concordaram que sempre escutaram rap, algo que pode ser explicado por todos terem nascido em bairros periféricos, locais onde ainda o rap é mais cultuado. Alemão lembra: “Escutava os cara e pensava, acho que eu consigo fazer isso também e fui começando, escrevendo a primeira vez, escrevi a segunda, a terceira ficou boa, a quarta eu levei pra rua, e todo mundo curtiu, assim fui começando.”. Enquanto Rose G, o filósofo do Bando053, afirma: “Acredito que todo o artista quando vê algo que inspira, algo que ele sinta que possa estar naquele lugar e fazer, sempre carrega um sentimento de grandeza. Eu já tive várias viagens, assim eu comecei no rap e o sentimento foi sempre o mesmo.”

Cenário do trap e do rap no município de Rio Grande

Os rappers também conversaram sobre o trap na cidade de Rio Grande e sua valorização. Falam da falta de espaço, ainda mais para o trap, que traz apologias em suas rimas. $mk TheKid comenta: “Em Rio Grande, não se tem tanto espaço pra tocar nos eventos, a gente tocou na Boate Kali, mas, até pelo fato da gente fazer apologia, fica meio assim da gente tocar nas festas em Rio Grande sabe, tipo mateada, que rola aqui.”

Mesmo que Rio Grande não possua tanto espaço ainda, Rose G ressalta: “É uma cidade pequena com um grande sonho, tem muita gente talentosa, a gente acredita nisso, a gente tem a visão, por isso a gente tá procurando isso na verdade pra fazer dar certo, e não só para nós, porque de que adianta a vitória, se só eu vou desfrutar.”

Braion Alves (20), do grupo Artigo Rap, também de Rio Grande, concorda com todos do grupo sobre a falta de espaço do rap na cidade. E ressaltou a distância de Rio Grande do resto do Brasil, sendo importante usar as redes sociais para a divulgação dos seus trabalhos. Braion defende: “Rap vem muito da nascença, o rap veio da favela, o cara que cresceu em bairro sempre escuta rap desde criança, por isso que o cara tá sempre fazendo um som. Tem muita gente boa no Sul, na real, eles não dão muito espaço para nós, porque tamo meio afastado, mas tem que impulsionar na net”

Apesar do preconceito com o gênero do trap, os músicos defendem que ali está muito dos sonhos de todos

Outro fato destacado pelos rappers é a relação do apoio financeiro com patrocinadores. $mk TheKid afirma: “O erro aqui na cidade é a aposta, não tem aposta, não tem um cara que vai chegar em ti, mano vou te empresariar, eu sei que tu tem talento. Então a gente tem que tirá do nosso bolso, ai dói, dói no coração do cara.” E com esperança Alemão complementa: “Tu sabe que aquilo vale a pena, mas falta quem te incentiva, por que eles tão precisando te escutar, não importa a gente tocar aqui e não escutar lá, a gente tem que ter um investimento, para ao menos escutar, porque a gente sabe que vale a pena.”

Mesmo com mais esse outro obstáculo, os membros do Bando053 ressaltam o apoio de suas famílias, mesmo que seus familiares possuam preconceito com o gênero do trap, apesar de ali estar muito dos seus sonhos. $mk TheKid diz: “Estourar no rap é apoiar o pessoal da vila, fazer ONG, bagulho para as crianças. Caso o bagulho estoure mesmo, é isso que vai acontecer, ajudar as crianças da área. Difícil é destruir os sonhos.”

Em relação à divulgação de seus trabalhos nas redes sociais, eles mantêm seus perfis no Facebook atualizados com as novidades individuais e do Bando053. Agora querem investir em outras redes sociais como Twitter e Instagram. Rose G fala que, nessas plataformas, “a gente acaba meio que conhecendo algum público, vai mostrando o som, aí eles já curtem”. O grupo também posta suas músicas no Youtube, como a trap Flexiona, e na plataforma Soundcloud, como Fuck And Choppa.

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Muito legal,sucesso a vcs !! Boa sorte!!! Top

Patricia Alves Bastos

Pelotas busca retomar glória de seu carnaval

A General Telles e demais escolas de samba pelotenses voltam a desfilar entre os dias 21 e 24 de fevereiro                 Foto: Arquivo (imagensfatos.blogspot.com)

Por Paulo Lopes Marques

O carnaval é a maior festa popular do Brasil e a expressão da cultura nacional que é exportada para o mundo. Todos os anos, nos meses de fevereiro ou março, a alegria invade as ruas e transforma os quatro dias dessa folia nos mais esperados para milhares de pessoas de norte a sul do país. Considerado “o maior espetáculo da terra”, o carnaval dos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro é merecedor deste título. Mas Pelotas também já teve seu período de glória e o agora remodelado carnaval da Princesa do Sul tenta reencontrar sua identidade do passado, com um novo capítulo que tem data marcada entre os dias 21 a 24 de fevereiro de 2020.

O auge do carnaval de escolas de samba de Pelotas aconteceu durante as décadas de 1970 e 1980, quando chegou a ser considerado o terceiro melhor carnaval do Brasil. Escolas de samba desfilavam seu luxo e glamour pelas ruas 15 de Novembro, avenida Bento Gonçalves e rua Marechal Floriano, atraindo milhares de turistas, inclusive de países vizinhos. Aos poucos, de lá para cá, o carnaval pelotense foi perdendo sua grandeza, as escolas de samba passaram a enfrentar dificuldades e em anos recentes, já na região do Porto, nem mesmo o concurso aconteceu. Porém, a partir deste ano, uma nova fórmula foi experimentada, o carnaval foi remodelado, as escolas voltaram à avenida e o público que havia se afastado, tenta se adaptar ao novo modelo.

Os últimos anos foram bastante difíceis para as escolas de samba pelotenses. A crise financeira, junto com a falta de organização e de incentivo na política pública ao carnaval, afastou as escolas de samba da avenida. O último ano de realização de concurso (competição) havia sido em 2013. Nos anos de 2014 e 2016, as escolas de samba não desfilaram e, em 2015, 2017 e 2018, houve apenas desfiles de participação. Neste ano de 2019, o carnaval foi realizado fora de época, mas marcou o início de uma retomada, com o retorno da realização de concurso e a participação de três escolas de samba. Para 2020, as datas voltam ao calendário oficial do carnaval e o evento seguirá sendo realizado na zona do Porto da cidade, embora tenha sido cogitada a mudança de local.

O carnaval de Pelotas é promovido pela Associação das Entidades Carnavalescas de Pelotas (Assecap), mas desde essa última edição de 2019, uma empresa produtora de eventos passou a ser a responsável pela administração do carnaval. A empresa Bah! Entretenimento assumiu a responsabilidade de prover todos os recursos materiais necessários para o desfile, como arquibancadas, iluminação, sonorização e segurança interna. Como retorno financeiro ao investimento, a empresa administra os bares ao longo da avenida e a venda dos ingressos para o público.

De acordo com o diretor de manifestações populares da Secretaria de Cultura de Pelotas (Secult), Paulo Pedroso, a Prefeitura fica responsável pela parte externa aos desfiles, como o monitoramento, fiscalização de trânsito e segurança externa, através dos agentes da Secretaria de Transporte e Trânsito, Guarda Municipal e o apoio da Brigada Militar. O diretor afirma que a Secult irá repassar um montante de 350 mil reais à Assecap, que é a gestora do carnaval. Esse valor, que chegará dividido em três parcelas a partir do mês de novembro, será repassado pela entidade aos seus filiados (escolas de sambas adultas, mirins, blocos burlescos e bandas).

Abram alas para as escolas de samba pelotenses

A agremiação mais antiga da cidade e uma das pioneiras do país é a Academia do Samba, que em 2019 completou 70 anos. A escola do bairro Simões Lopes foi fundada em 3 de fevereiro de 1949 e já conquistou 11 títulos de campeã, sendo o primeiro em 1953 e o último em 2008. Para o próximo ano a escola azul e branco levará para a avenida o enredo “Na mesa de um bar nasce o meu carnaval”.

A caçula entre as agremiações é a Escola de Samba Unidos do Fragata. A escola amarelo e branco do bairro cidade foi fundada em 4 de outubro de 1991 e obteve nove títulos de campeã, sendo o primeiro em 1994 e o mais recente em 2003. O tema da escola para o próximo carnaval é “Viajei nas asas da imaginação, sonhar sonhei com a Unidos do coração”.

Afastada da avenida há alguns anos, a Estação Primeira do Areal volta no ano que vem a desfilar no carnaval. A fênix do bairro Areal foi fundada em 4 de março de 1977. A escola, que tem as cores amarelo, azul e branco, conquistou o carnaval de Pelotas 12 vezes, sendo a primeira no ano de 1978, um ano após a sua fundação e a última em 2013, na última vez em que concorreu. Mesmo já tendo definido o tema enredo, a agremiação só fará o anúncio oficial em um evento marcado para o mês de novembro.

A Escola de Samba General Telles, que tem um coração como símbolo, fundada em 8 de novembro de 1950, comemorará seus 70º aniversário no próximo ano. Como homenagem, o tema enredo será “Se recordar é viver, sou Telles até morrer”. A escola da rua General Neto e J.K. de Oliveira, já conquistou 22 títulos, o primeiro deles em 1961 e o último neste ano de 2019. O presidente da vermelho e branco, Marcão, afirma que a escola fará uma apresentação recordando seus grandes desfiles que a fizeram se tornar a maior vencedora do carnaval de Pelotas. Para atingir o bicampeonato, a escola já contratou uma nova harmonia e os ensaios estão programados para começar em janeiro. O presidente também argumentou que, neste último carnaval, a escola precisou investir 120 mil reais a mais do que o repasse recebido através da Assecap.

Além do repasse de verba pela Assecap, as escolas de samba de Pelotas têm realizado ao longo do ano vários eventos musicais, almoços, brechós, bingos e venda de camisetas, como forma para obtenção de recursos que custeiem os desfiles e a manutenção das agremiações.

O carnaval da parceria privada

O carnaval de 2020 acontecerá nos dias 21 a 24 de fevereiro na região do Porto. No dia 21, sexta feira, desfilam os blocos burlescos. No sábado, dia 22, quem desfila são as bandas carnavalescas. Dia 23, domingo, é a vez das escolas mirins e no dia 24, segunda-feira, é a grande noite das escolas de samba do grupo especial.

Os ingressos começaram a ser vendidos no período de 28 a 30 de agosto na banca 66 do mercado central e tiveram uma boa procura, mas agora só estão disponíveis pela internet, no site www.minhaentrada.com.br. Os valores vão de R$ 44,00, individual na arquibancada, até R$ 5.417,50, o camarote fechado para 15 pessoas. Todos os tipos de ingressos dão direito às quatro noites de desfiles.

Este novo formato de fazer carnaval, em que o poder público repassa à iniciativa privada a gestão do carnaval, foi uma alternativa encontrada para a tentativa de retomada e crescimento dos desfiles das escolas de samba. A verba que antes tinha que ser dividida entre as escolas, montagem e manutenção de toda a estrutura, agora pode ser repassada integralmente para as entidades recreativas. Em outras cidades com carnavais prestigiados, como Uruguaiana e Cruz Alta, essa modalidade vem dando bons resultados. Mas, se por um lado, o poder público economiza recursos financeiros e materiais na estrutura do carnaval, por outro, o acesso à avenida acaba tornando-se mais caro, pois existe a necessidade do evento gerar lucro.

De qualquer forma, a esperança é de que essa nova experiência profissionalize o nosso carnaval, consiga trazer de volta os grandes desfiles das escolas de samba e a participação de um expressivo público, transformando esse evento popular verdadeiramente numa grande festa democrática.

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Coringa conquista o público nos cinemas

 

Cena da dança após primeiro crime cometido pelo Coringa na interpretação magistral de Joaquin Phoenix            Foto: Warner Bros/Reprodução

Por Danieli Schiavon

A atuação impecável de Joaquin Phoenix é apenas um dos muitos motivos para que o filme Joker (Coringa) esteja sendo um sucesso de bilheteria em todo o mundo. O filme estreou no dia 3 de outubro no Brasil e, segundo a revista Variety, já arrecadou mais de US$ 500 milhões de bilheteria em todo o mundo.

A produção milionária da Warner apostou em uma combinação acertada de atuação, enredo, imagens marcantes e trilha sonora que fascinam até aqueles que não acompanham as franquias da DC Comics – criadora do personagem arquirrival do Batman.

Ambientado no começo da década de 1980, o filme retrata a desajustada vida de um palhaço animador de festas. Ele luta para encontrar seu lugar em uma sociedade em crise, na fictícia Gotham City. Após a demissão, por levar uma arma para um hospital infantil, Arthur Fleck, que já sofria rotineiramente com as consequências de seus distúrbios mentais, acaba sendo provocado por três homens no trem, e os mata a sangue frio.

O crime acaba causando uma onda de manifestações violentas pela cidade. Principalmente após o candidato a prefeito, Thomas Wayne – pai de Bruce Wayne – pronunciar-se sobre o crime, fazendo uma declaração que enfureceu a população. Os protestos começam a pregar a frase “Morte aos Ricos” pelas ruas de Gotham.

Um aspecto importante desse filme que não pode – ou pelo menos, não deveria – passar despercebido, é a trilha sonora notável. Traz um toque a mais de suspense, mistério e emoção em cenas fundamentais para o desenrolar do enredo. As músicas foram encomendadas pelo diretor Todd Phillips à violocenlista islandesa Hildur Guðnadóttir, após o roteiro do filme ter sido escrito.

A prova de que a trilha faz toda a diferença se evidencia minutos após o primeiro crime cometido, em uma cena de êxtase, quando o protagonista se tranca em um banheiro público e começa a dançar – talvez empolgado ou aliviado –, um marco do momento exato da transformação do doente e confuso Arthur Fleck em um psicopata liberto.

Outro ponto principal, que se deve principalmente à brilhante atuação de Phoenix, é o riso descontrolado do personagem em momentos inapropriados. Causados pelos seus transtornos mentais, a risada clássica do Coringa, foi, muitas vezes, relacionada aos principais crimes cometidos por ele, seja no trem, antes de matar os três jovens, ou em sua apresentação de stand-up comedy. Sua tentativa de emplacar na casa de shows acabou se tornando famosa, e o levou ao palco do programa de Murray Franklin, onde o filme se encaminha para o desfecho.

O filme é munido de muitas cenas de violência e sangue, contando com uma atmosfera pesada e obscura retratada principalmente pelos cenários, na maioria das vezes, sujos, com paletas de cores escuras. Apesar de sombrio, já foi vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza e tem grandes chances de concorrer ao Oscar na próxima edição da premiação.

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Pop norte-americano direto de Pelotas: bate-papo com Julie Schiavon

Julie Schiavon em apresentação na Universidade Federal de Pelotas, em 2017              Foto: Arquivo Pessoal

Por Arildo Palermo

Difícil é deixar de cantar os sucessos dos Bee Gees, dos anos 70, ou não dançar ao som do album mais vendido da história da música: Thriller (1982), de Michael Jackson. O pop é um gênero um pouco difícil de conceituar. Ele foi sendo construído com a mistura de vários estilos musicais, começando a surgir, de fato, em meados dos anos 50 nos Estados Unidos. As músicas consistem em melodias viciantes e comerciais, mas que mantêm o espaço para críticas sociais e produções mais intelectualizadas. É aquele ritmo que não conseguimos tirar da cabeça.

E quem nunca se imaginou sendo uma estrela? Cantando, dançando e sendo reconhecido em um palco internacional? Através do pop, a artista pelotense Julie Schiavon já tem certa experiência na bagagem aos 22 anos de idade. Com uma atuação notável no hip hop, ela canta, dança, faz performances e cria composições.
Julie apresenta certas peculiaridades na sua arte, começando pelas letras de suas músicas: a maioria é composta em inglês. Além disso, ela já tem três colaborações internacionais com produtores das Ilhas Maurício, que fica no continente africano. Nós conversamos com ela para entender um pouco mais da sua relação com a música, os desafios de ser uma artista independente e os sonhos para o futuro.

Arte no Sul – Bom, Julie, começamos te pedindo para contares um pouco da tua história e do teu envolvimento com a música.

Julie Schiavon: Então, hoje eu tenho 22 anos, mas a música faz parte da minha vida desde sempre, quando eu tinha uns três anos mesmo, eu já dançava e gostava de fazer performances para a família. Desde muito novinha, eu já tinha decidido que era isso que eu queria ser e fazer e nunca me imaginei fazendo nada que não estivesse relacionado à música. Meus pais sempre foram incríveis e super apoiadores desse sonho, e, com isso, eles sempre fizeram tudo que podiam para que eu pudesse viver no meio do que eu gostava. Quando eu tinha 11 anos, fiz aula de canto na Escola de Música Rass. Foi nessa época que eu realmente comecei a me envolver cada vez mais com a música. Além das aulas, eu também costumava compor em casa no teclado. Esse lance autoral sempre foi muito intuitivo pra mim. Sempre gostei de brincar criando melodias e letras, então, a partir dessa idade, eu procurei organizar melhor essas composições. E já, nessa época, eu gostava de compôr em inglês, a maioria das referências musicais que eu tinha em casa eram de artistas internacionais, vindas do meu pai principalmente. Isso me influenciou muito a sonhar em ser uma artista internacional também, então, acabei me sentindo bastante confortável em escrever assim. A maior parte das minhas composições acaba sendo em inglês por essa questão de gosto e conforto mesmo, mas eu também sempre procurei fazer músicas em português, que me agradam bastante. Acho que eu criei uma “facilidade” maior compondo em inglês por já gostar. Mas é muito significativo pra mim fazer letras em português, principalmente por saber que o alcance do que eu digo vai ser mais diretamente absorvido pelo público que me acompanha.

Arte no Sul – E diante dessas características artisticas, tu chegaste a pensar em fazer algum curso superior ou tentar outro caminho?

Julie Schiavon: Em 2016, eu ingressei na UFPel no curso de Licenciatura em Dança. Sempre tive a consciência de que a carreira de artista seria algo meio incerto e que demanda muitos fatores que não dependem só de mim. Então, como meu segundo plano de vida, meu sonho era me tornar professora de dança. E estar na faculdade me proporcionou diversas experiências relacionadas a essa arte, que também sempre foi uma paixão na minha vida. Acho que sempre amei tudo que envolvesse a música, tanto cantar quanto dançar, mas eu nunca tive muitas oportunidades de praticar dança durante minha infância e juventude. Eu costumava dançar em casa mesmo, assistindo vídeo. Depois de ter começado o curso, comecei enfim a fazer aulas. Também fiz parte do grupo de dança Rua Em Cena. Nesse período, eu realmente foquei e me desenvolvi mais como bailarina. Diria que a ideia de carreira profissional como cantora veio mais recentemente mesmo. Tudo que eu vivi até hoje me trouxe grandes reflexões e aprendizados pra esse momento que eu estou vivendo agora, que está mais voltado à estruturação e planejamento dessa carreira que eu sempre sonhei.

Arte no Sul – E como foi a trajetória desde os teus primeiros videoclipes de The Fear e Only You até chegar nas parcerias internacionais?

Julie Schiavon: Então, essas parcerias internacionais são com produtores das Ilhas Maurício (África). Antes mesmo de conhecer a existência desse país eu sempre ouvi as músicas de gêneros que predominam por lá. Num dia qualquer, eu resolvi seguir um dos meus produtores favoritos no Instagram. Por uma grande sorte. ele me seguiu de volta no mesmo dia e, muito coincidentemente, eu já havia postado uma storie sobre o clipe The Fear. Ele acabou vendo e entrou em contato comigo, pedindo pra fazer um remix. A partir disso, conversamos e deixamos em aberto a possibilidade de criarmos algo original ao invés do remix. Um tempo depois, ele entrou em contato de novo me enviando o instrumental da música que então se tornaria Believe, que foi minha primeira colaboração internacional. Desde esse lançamento, outros produtores de lá foram me conhecendo e entrando em contato comigo também, e fui trabalhando da mesma forma. Eles me enviavam algum instrumental, eu trabalhava em cima e íamos discutindo sobre a música até finalizarmos. Como mencionei, sempre sonhei com essa ideia de trabalhar no exterior, mas ver que, de alguma forma, isso já está acontecendo, que pessoas de tão longe estão me ouvindo, é bem louco e surreal.

Arte no Sul – E conta um pouco pra nós como é ser uma jovem artista independente. Quais os desafios desse cenário?

Julie Schiavon: Sobre ser uma artista independente atualmente, eu diria que é meio complicado mesmo. Existem muitos fatores que me entristecem sobre a forma como a música está sendo consumida hoje, e o quão seletivo é esse sistema. Aparentemente, a meu ver, já não se leva mais tanto em consideração o produto do artista. Trata-se mais da sua distribuição. É um assunto um tanto complexo pra mim, porque eu não acho que tenha o direito de julgar a arte de alguém como merecedora de sucesso ou não. Na minha opinião, isso é extremamente subjetivo, mas tenho entendido que não é mais tão necessário que o conteúdo seja de qualidade. Não quero definir o que é qualificado ou não, se o mesmo for conduzido pelos meios e contatos certos. Entendo que existe um conjunto de caracteristicas e ações que levam alguns artistas mais longe e que, realmente, é preciso serem avaliados mais aspectos além de suas artes. Porém, ao mesmo tempo, gostaria que houvesse um pouco mais de apoio e oportunidades para os músicos locais. Refiro-me também aos públicos que, muitas vezes, não demonstram tanto interesse em consumir a arte independente ou a que soa “diferente” de suas preferências. Acho que, considerando o meu papel como artista, eu sempre tive muita sorte de apreciarem os poucos trabalhos que já lancei. Reconheço as pessoas incríveis que me oportunizaram espaços em que eu pudesse me inserir, assim, meu lugar de fala não faz tanto jus a esses pontos que mencionei. Acabo vivenciando mais a questão de ainda não ter os contatos certos que consigam propagar meu trabalho cada vez mais. No entanto, sempre tive muito apoio de todas as pessoas que se permitiram conhecer um pouquinho do meu amor pela música.

Arte no Sul – Falando desse amor pela música, Julie, e para finalizar a entrevista, qual é o teu maior sonho?

Julie Schiavon: Eu sempre tive diversos sonhos e metas em relação ao que gostaria de alcançar com a minha música. Mas, por agora, meu maior objetivo é ter estabilidade na carreira. Já falando de um modo mais geral e sonhador, eu gostaria muito de um dia participar de grandes festivais, sempre fui fascinada com a beleza e força de uma multidão unida. É uma emoção assistir a esses eventos, pois acredito serem os locais onde essas características se enaltecem de uma forma única e linda. Acho incrível o poder que a música tem de união e isso sempre me emocionou muito. Espero um dia ter a permissão e oportunidade de pisar em um desses palcos que unem tanto artistas quanto telespectadores, para compartilhar de um mesmo sentimento de amor a essa arte.

Contatos

É possível entrar em contato com a artista e contratá-la para shows e eventos pelo Facebook em dois endereços e no Instagram. Ela ainda disponibiliza o e-mail para contatos profissionais: julieschiavon@gmail.com. E se você quer conhecer mais do trabalho de Julie, dá uma conferida no canal do Youtube ou nos shows do Galpão Satolep nos fins de semana. Vai que, numa hora dessas, ela está fazendo uma apresentação por lá.

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Show em Pelotas reuniu clássicos e novos singles de Paula Toller

Cantora apresenta antologia de sucessos musicais no  show “Como Eu Quero”          Foto: Divulgação

Por Isabelli Neckel

“Uma antologia de sucessos”. É assim que Paula Toller, ex-Kid Abelha, define seu novo show solo, “Como Eu Quero”. No dia 6 de outubro, a apresentação lotou o Theatro Guarany e seus 1200 lugares. Trouxe sucessos dos anos 1980 e também novas músicas de 2019, a turnê já foi assistida por mais de 100 mil pessoas pelo Brasil. Em Pelotas, a cantora mostrou por que é considerada uma das vozes femininas mais marcantes das últimas décadas.

Depois de se dizer honrada em cantar no tradicional palco do Guarany, por onde já passaram artistas como Carmen Miranda, Paula abriu show com a clássica “Fixação”. De 1984, a canção ditou o tom do que viria a seguir: uma noite para relembrar hits marcantes das décadas de 1980, 1990 e 2000. Músicas recentes foram tocadas, porém, é inegável que a conexão entre o público e a artista se deu, principalmente, quando soaram pelo teatro os sucessos antigos da extinta banda Kid Abelha.

Do primeiro acorde à última batida, a plateia vibrou com o pop nostálgico de “Alice”, “Te Amo Pra Sempre”, “Eu Tô Tentando”, “Eu Tive um Sonho”, “No Seu Lugar” e “A Fórmula do Amor”. Nestas faixas, principalmente nos camarotes, a animação foi geral, tanto que o público se levantou para dançar – conforme permitiu o espaço apertado do teatro.

Já nas melancólicas “Nada Por Mim” e “Lágrimas e Chuva”, a letra foi cantada, uníssona, por espectadores emocionados. Além disso, houve a faixa que dá nome ao show, “Como Eu Quero”, anunciada por Paula no meio da noite como “motivo pelo qual estamos aqui”.

O público, composto principalmente por pessoas de meia-idade, parecia mergulhado em saudosismo. Muitos cantavam de olhos fechados, aparentemente passeando por lembranças que só a boa música pode marcar e, anos depois, trazer à tona novamente.

Paula apresentou suas versões para as canções “Ando Meio Desligado”, dos Mutantes, “Céu Azul”, da banda Charlie Brown Jr, e “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, de Hyldon. A elas, a cantora se refere como “músicas que não fiz, mas gostaria de ter feito”.

A artista também trouxe à plateia faixas mais recentes, como a novíssima “Essa Noite Sem Fim”, lançada nas plataformas digitais na semana passada e feita em parceria com Liminha, ex-Mutantes e reconhecido produtor cultural. Além desta, o setlist contou com outras músicas de sua carreira pós-Kid Abelha, como “À Noite Sonhei Contigo”, “Calma Aí” e “Oito Anos”, feita para o filho Gabriel.

Depois da já tradicional “despedida de mentirinha”, a plateia pediu bis e Paula retornou. Com energia, ela embalou mais três hits, “Grand’ Hotel”, “Os Outros” e “Por Que Não Eu?” e, por fim, despediu-se oficialmente com uma animada versão de “Pintura Íntima”, acompanhada, é claro, pelos gritos e aplausos incansáveis da plateia. Neste momento, ficou claro que, embora bem produzidas e com seus méritos, as novas canções nem de longe empolgam tanto quanto os clássicos.

Junto com sua banda, formada pelos incríveis Gustavo Camardella (violão e vocal), Pedro Dias (baixo e vocal), Pedro Augusto (teclados), Adal Fonseca (bateria) e Liminha (violão), Paula apresentou um show maduro e que deu ao público exatamente o desejado: um revival das décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000. Sua voz, que já foi criticada pela imprensa e até por Cazuza no passado, hoje apresenta-se consistente e, ao mesmo tempo, suave, digna dos sucessos que canta.

Portanto, a apresentação entregou à plateia vozes e arranjos impecáveis, sem a menor necessidade de grandes efeitos de palco ou performances mirabolantes, tão comuns aos shows atuais. Paula Toller e sua banda bastam. Ela, mais uma vez, mostra-se uma artista com obras que resistem ao tempo e, seja nos discos de vinil ou no YouTube, continuam embalando romances, reflexões e despedidas.

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Danças de Matriz Africana combatem racismo

Grupo de Daniel Amaro realiza a Dança dos Orixás sempre na frente da antiga senzala da Charqueda          Foto: Luiz Henrique Schuch

Por Marcela Lima

A cena pelotense fica mais bonita, pois se constrói de muita arte e de eventos culturais. Diversos festivais, apresentações e concertos são realizados na cidade, possibilitando opções bem atrativas para quem aprecia uma boa agenda cultural. O Museu do Doce, localizado no Centro Histórico de Pelotas, ajuda a impulsionar diversos projetos culturais, assim também como as universidades de Pelotas. No entanto, para entender a cultura que move a cidade de Pelotas, é bom observarmos os lugares que impulsionam as mais diversas manifestações culturais. Alguns pontos turísticos bem conhecidos da cidade nos remetem para um passado de ancestralidade e pluralidade cultural. As Charqueadas, por exemplo, é um desses lugares na qual carrega uma bagagem histórica muito forte no contexto histórico local, e anualmente tem potencializado a manifestação da Dança de Matriz Africana.

Companhias de dança, como a do professor, bailarino, coreógrafo e diretor artístico Daniel Amaro, ajudam a compreender o processo da Dança de Matriz Africana a partir de quatro linhas diferentes – a dança afro-brasileira, dança de originária de Benin, do Senegal e a dança afro contemporânea, estabelecendo uma fusão dessas técnicas. A propagação da Dança de Matriz Africana leva ao público a possibilidade do contato com uma cultura enérgica, forte e cheia de ritmo, que contagia qualquer pessoa que queira prestigiar.

O grupo de Daniel Amaro  realiza a Dança dos Orixás, sempre na frente da antiga senzala da Charqueda São João, construída em 1803. O espetáculo envolve, dança, música e capoeira, sendo que a décima edição do evento aconteceu no dia 21 de setembro. A história começa a ser contada na entrada do local e percorre todo um trajeto que destaca cada aspecto histórico importante para o contexto da narrativa. Cada orixá é representado por um movimento específico de dança e a narração é feita por uma atriz. A coreografia é desenvolvida e marcada ao som dos tambores dos ogans, percussionistas nas liturgias das religiões de matriz africana.

Carregada de significados religiosos, marcada pelos tambores e músicas, a Dança dos Orixás tem como objetivo resgatar a cultura negra como formadora da sociedade brasileira nas áreas social, econômica, política e cultural. Torna o contexto histórico do negro em Pelotas visível, para que seja compreendido que o povo oriundo da África foi escravizado e atuou como principal força de trabalho das charqueadas pelotenses.

É notável a visibilidade que tais eventos proporcionam para a população negra de Pelotas, que busca ainda hoje um protagonismo em suas atividades, sejam elas no âmbito acadêmico, cultural ou de empreendedorismo. Um intercâmbio cultural é estabelecido, quando pessoas de diversas raças e credos apreciam a Dança de Matriz Africana, que pode ser vista também em inúmeros eventos realizados em parcerias com as universidades, Prefeitura e companhias de dança na cidade.

Expressão artística soma para refletir sobre a contribuição afro-brasileira  Foto: Acervo de Juliana Coelho

A Dança de Matriz Africana desperta identificação

Juliana Coelho é uma mulher negra, atriz, bailarina e professora, trabalha com questões sobre como ser negro na cidade de Pelotas e utiliza da dança como meio principal para potencializar de forma interdisciplinar a manifestação de libertação do preconceito, mostrando a contribuição dos africanos escravizados e dos seus descendentes como apoio para com a sociedade brasileira e principalmente com a cidade de Pelotas. Juliana trabalha com o processo da linguagem artística da dança provocando um anseio de identidade tanto para ela quanto para as crianças da escola onde atua.

“Eu utilizo do meu corpo como instrumento para representar, trabalho a teoria e a prática com os meus alunos e proponho pensar sobre gênero, classe social e religião, para levantar questões sobre ser negro, no lugar onde moramos, e sobre quais lugares são esses que temos dentro da cidade de Pelotas, que marcam a presença negra”, comenta Juliana.

Segundo a artista, foi por meio da dança africana que a auto identificação dela foi descoberta, nesse interesse de dançar sobre as manifestações negras, que fizeram com que Juliana além de se conhecer melhor, pudesse compartilhar o que é a negritude e como os negros conseguem se relacionar com os processos artísticos, que são necessários.

Juliana também faz parte do espetáculo Dança dos Orixás, e diz que acredita que o projeto consiga com êxito desmistificar para a sociedade pelotense a falácia de que “tudo que é relacionado ao negro é ruim”, explica. A arte-educadora ainda finaliza a entrevista dizendo: “Muitos dos meus alunos ainda não se enxergam como negros, e é com a dança que eu consigo fazer a educação mudar. A dança afro me aproximou mais dos alunos, quando eu aprendendo sobre a cultura, consigo inserir isso dentro do meu trabalho na escola. Pois a dança, no meu processo, me tornou negra, até porque ‘ser negra não é uma condição dada a priori’, tornar-se negra é uma conquista diária. A Dança de Matriz Africana me ajudou muito na construção de quem eu hoje eu sou”.

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“Um Defeito de Cor”: romance histórico antirracista

Por Nathalia Farias Borges

O romance histórico “Um defeito de Cor” (2010) é o resultado de uma longa pesquisa da autora Ana Maria Gonçalves para poder reconstituir a história de vida da personagem Kehinde em um tom memorialista. Kehinde pode ser Luísa Mahin ou Luísa Gama, a suposta mãe do poeta e advogado negro Luiz Gama. A obra literária recebeu o prestigioso prêmio Casa de las Américas, escolhido entre 212 concorrentes, em decisão unânime dos jurados.

O livro pinta uma tela, quase que literalmente, do Brasil Colônia e da vida daqueles que foram escravizados e trazidos para trabalhar para brancos brasileiros e estrangeiros. Extremamente detalhado, a autora retoma desde o início da vida na África da personagem principal, que também pode ser chamada de Luísa (seu nome católico). O leitor acompanha todos os sentimentos, medos e expectativas de Kehinde, que com apenas 10 anos faz a viagem de navio para o Brasil, com sua irmã gêmea e avó. Ao longo das mil páginas, a escrita amadurece juntamente com a protagonista e o leitor pode perceber o crescimento daquela que narra.

Antes da metade do livro, o formato da narrativa muda e passa a ser uma carta para o segundo filho de Kehinde, Luis, usando o pronome de tratamento ‘você’ e focando o discurso para o filho. O enfoque passa a ser Kehinde explicando e documentando tudo para Luís, sempre lembrando o leitor com frases do tipo ‘gostaria de te levar lá um dia’ e ‘peço que você me perdoe’. Apesar do pesar e arrependimento que a protagonista carrega, ao longo dessa carta ela lembra que não esqueceu do filho. Destaca outras partes da vida, elementos importantes que ela viveu e ela acredita que são essenciais para Luís, quando ele ler as cartas.

É interessante perceber a relação de Kehinde com escrita e a leitura. Essa dedicação começou bem cedo, e passou a ser muito importante para a sua evolução como pessoa e empreendedora. Também muito importante como um registro de sua vida. O livro chama a atenção para o fato da protagonista ter uma vida marcada por andanças: Savalu, Uidá, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Campinas, por quase todo o Brasil até a sua volta à África. Mudanças que modificaram Kehinde ao longo do tempo. Além do maravilhoso registro, do detalhamento, da quantidade incontável de histórias que as 947 páginas carregam, “Um Defeito de Cor” não é sobre uma vítima. É sobre uma criança submetida a violências tanto na África como no Brasil, que participa de levantes contra a ordem estabelecida em Salvador, torna-se fugitiva, mulher, amante, mãe, é abandonada e se forja em uma empreendedora. É sobre o desespero e a esperança de uma mãe incansável.

Pode-se separar os livros favoritos em duas seções: livros em que você sente que é o protagonista, que está em sua pele, e livros em que você sente que é a melhor amiga do protagonista, que o protagonista está revelando seus maiores segredos para você. “Um Defeito de Cor” pode ser classificado na segunda categoria, pois você se sente um confidente de Kehinde. Vibra-se com cada pequena vitória, chora-se com a crueldade que ela foi tratada e passa-se a admirá-la, ainda que muitas vezes queira-se repreendê-la por decisões tomadas.

Um Defeito de Cor é um romance que deveria ser obrigatório nas escolas, que abre olhos e planta empatia na mente de qualquer pessoa que leia.

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Ao ler “Defeito de Cor” com 74 anos tive minha vida definitivamente mudada.
Obra necessária para o entendimento de um Brasil que não encontramos nas escolas. Salve Luisa, Luis Gama, e os escravizados no Brasil e neste mundão dos deuses, orixás e revolucionários da ficçao e vida.

Brenno

Vilma Rodrigues Mantuan
Acabei de ler “Um defeito de cor”. Eu achei que ao concluí-lo, soltaria fogos por haver vencido as quase mil páginas. No entanto, ao contrário disso, fiquei paralisada com um profundo sentimento de orfandade. Saudade do universo kheindiano, de sua narrativa madura e impregnante.
Anônimo