Salve Arte: festival cultural on-line continua até 26 de abril

 

Por Helena da Rocha Schuster

Evento criado em Pelotas reinventou o cenário artístico da Zona Sul durante a pandemia

A banda Velho Abajour, da cidade de Bagé foi uma das participantes

União, compartilhamento e diversidade: essas são algumas das definições do Salve Arte Festival, um projeto pelotense que busca criar novas oportunidades para trabalhadores do setor cultural da Zona Sul do Estado. Realizado pelo Espaço de Arte Casa do Tambor, o festival surgiu em 2020, fruto do esforço de artistas que precisaram interromper suas atividades presenciais em função da pandemia. A edição deste ano começou no dia 19 de janeiro e vai até o dia 26 de abril.

O idealizador do projeto, Kako Xavier, explica que, no início, o festival contou apenas com a força de vontade e confiança dos artistas, que mergulharam no projeto sem suportes financeiros. “Sem recurso nenhum, conseguimos gravar 23 espetáculos, que foram apresentados nos meses de agosto, setembro e outubro de 2020”, conta Xavier.  O produtor também explicou que foi feita uma vaquinha, na época, para auxiliar os 60 trabalhadores de cultura envolvidos na produção.

Os artistas do Centro Social Simüniê participaram do projeto

Em 2021, depois do sucesso da pré-temporada do evento, o Salve Arte voltou renovado. O festival foi contemplado no edital n° 09/2020, da Lei Aldir Blanc, e passou a receber recursos para realização dos espetáculos, através do Ministério do Turismo, Secretaria Especial da Cultura e Sedac/RS. Com o auxílio financeiro, o projeto pôde ser planejado para abranger ainda mais artistas – ao todo, serão 400 profissionais da cultura envolvidos no projeto. O produtor do evento explica que o investimento dá prioridade para os participantes e que todos os artistas, diretores, designers, roteiristas, fornecedores e demais profissionais da produção serão beneficiados.

O ator pelotense Mister Negrinho fez parte da programação

Realização e apresentação dos espetáculos

Os espetáculos do festival são gravados na Casa do Tambor, em Pelotas, respeitando todos os protocolos de segurança contra a Covid-19. O palco do Salve Arte está recebendo apresentações de diversas linguagens artísticas, como pintura, música, artesanato, cinema, literatura, dança e outros. As apresentações são exibidas a cada duas semanas, às terças-feiras, a partir das 20 horas, no canal do festival no Youtube .

Desde o dia 19 de janeiro, quando iniciou o festival, até 26 de abril, data que se encerra esta edição, 112 artistas locais, juntos de seus padrinhos e madrinhas (naturais de todo o país e também de fora do Brasil), terão suas artes eternizadas no palco virtual do festival. “Todos se surpreendem quando assistem um programa de WebTV que, em uma noite, conta a história de 14 artistas e mostra o trabalho de 20 trabalhadores da cultura”, avalia Xavier. Ao todo, 16 programas serão apresentados nesta edição. Entre os artistas que já participaram do Salve Arte estão Abigail Foster, Velho Abajour, Mister Negrinho e Simüniê.

A drag queen Abigail Foster exalta a música e a literatura nacionais

De acordo com Kako, a experiência de produzir o festival tem sido um aprendizado acima da expectativa. O artista reforça, ainda, que o cenário cultural da região sul sempre foi difícil, e que a pandemia agravou ainda mais a situação e, por isso, o evento ajuda a construir novos olhares para a cadeia produtiva. “Ações como o Salve Arte Festival vêm para nos mostrar que é possível enfrentar uma batalha e sair vitorioso”, finaliza o produtor. Para ficar por dentro da programação e saber mais sobre o evento, basta conferir o site do Salve Arte e ficar de olho nas plataformas digitais do projeto.

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Bastidores do Festival Levante

Por Thiago Lehn

Em entrevista, organizadores contam como foi processo de realização do evento

Os estudantes João Fernando Chagas e Rubens Fabricio Anzolin viram na sua faculdade de Cinema, na cidade de Pelotas e na pandemia a oportunidade de criar o Festival Levante. O evento on-line no Youtube trouxe a produção estudantil e independente para apreciação de um público que consome cinema brasileiro. Para entender como foi o processo desde a ideia inicial até as tratativas práticas da realização do evento, acompanhe a entrevista com os diretores e produtores do festival. Eles responderam às perguntas conjuntamente por e-mail.

João Fernando Chagas conta detalhes sobre empolgação antes e depois do Festival

Como foi realizar a primeira edição durante a pandemia? Foi uma escolha, já que no ambiente virtual dá para trazer pessoas de fora, ou só rolou mesmo?

É uma sensação ambígua, quase que de fim de festa. Quer dizer, obviamente é uma sensação positiva, feliz, alegre, principalmente depois de tanto tempo de troca e trabalho para levar algo ao mundo. Mas também vem com aquele misto de água fria, do que poderia ser e ainda não foi. Como tudo no on-line, é uma faca de dois gumes: o lado bom é poder alcançar mais pessoas, diferentes localidades e públicos. Já o contraponto, que pesa bastante para nós, é o de não poder levar isso fisicamente para a cidade de Pelotas, para o público dos cineclubes, os estudantes da Universidade, movimentar o espaço cultural que a nossa cidade abriga.

Sobre as escolhas: nós dois somos muito grudados, mesmo sem nenhum projeto novo em pauta para ser tocado, a gente está sempre trabalhando. Muitas vezes em algo que ainda nem existe. O Festival Levante nasce mais ou menos assim. Estávamos finalizando um projeto de roteiro para um edital emergencial e, no meio desses encontros, pensamos na possibilidade de idealizar um festival. Esse é um cenário ainda pouco sedimentado em uma cidade que tem um curso presencial de Cinema. Existiram outras mostras em Pelotas, a maioria desandou. Hoje, consolidada, tem só a Mostra de Cinema Negro que apresenta mais longevidade. A ideia de trazer um festival novo para a cena também tinha muito a ver com algumas impressões negativas que as curadorias do modelo on-line impuseram, ao redor do Brasil inteiro. Muitos filmes se repetiam no on-line, não se abria espaço para filmes sem as pompas, abertos ao erro, ao risco, ao acidente. E esse é o tipo de cinema que nós dois gostamos de consumir. Não apenas ele, claro, mas principalmente quando falamos em curta-metragem brasileiro, nos interessa muito esse grau de tentativa dos realizadores novos. Acreditamos que é ali que estão as joias do futuro, é importante abrir espaço para que isso seja visto. 

Como foi esse processo de realização do festival, as inscrições, convites e curadoria?

Foi excessivo, acima de tudo. No final, a gente só olha para trás com um sorriso, mas o processo foi bem árduo. Quando a gente definiu os pormenores, o perfil dos filmes, o número de mostras e cada uma das pessoas das equipes artística e técnica que precisávamos, passamos umas três tardes inteiras fazendo convites. Marcamos meia hora de reunião com um, com outro, e íamos explicando a ideia, o trabalho, as condições do trampo. Para nossa felicidade, todo mundo topou o desafio. Depois, foi questão de ajustar o orçamento, fazer cronogramas, além de muita reunião.

Cada fase do processo exigia demandas diferentes. No início, tudo era questão de organização, fazer as redes, definir prazos, além de muitas planilhas de produção.

A fase final foi a mais revigorante, porque a sensação era de que ia acontecer, estava chegando perto. E, depois, já não dava pra dar para trás. Então foi coisa de ajustar uma palestra aqui, outra ali, conversar previamente com debatedores, com o realizador da retrospectiva, pequenos ajustes e, por fim, finalizar o site. É importante também dizer que muito da divulgação se deu por redes sociais e pelas peças de design, que foram bastante trabalhosas. Em geral, o pessoal não tem noção de que fazer um festival exige muita organização, muitas subdivisões, trabalho de muita gente. Mas no fim é gratificante. Foi muito gratificante. Tem sido, ainda. No fim, vale a pena. Você deixa uma marca, um legado, um incentivo para o futuro. É difícil, mas alguém precisa encarar. Quanto mais gente fazendo coisas parecidas, melhor. 

Sobre os apoios ou edital, qual a conversa que vocês tiveram com eles para conseguir os prêmios e como se deram essas escolhas?

A gente pensou em coisas que fossem equivalentes ao gosto de quem nos assiste. Às vezes o pessoal tem medo de tentar, fazer o contato, mas é necessário, mesmo que venha um não pela frente. Primeiro fizemos o básico, que é a parceria com os cursos de Cinema da UFPel, nossa casa. Como nossos professores já conhecem essas logísticas e sempre apoiam nossas iniciativas, esse acabou sendo um abraço muito importante para o Levante. Depois veio a contribuição da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, o que, em partes, foi facilitado pelo fato de um dos diretores artísticos ser membro da associação, o que facilitou a comunicação. No fim, o Centro Técnico Audiovisual e o Navega – Rotas Criativas também cederam o apoio. O trabalho do CTAv é muito constante, então poder dar algo em troca para quem realiza audiovisual é essencial. São formas desse e de outros Levantes continuarem a existir, incentivar e possibilitar as pessoas a fazerem filmes. E o Navega, bom, todo mundo se amarra nas propagandas deles no YouTube, achamos que seria uma forma legal de parceria, mostrar o Navega a um público jovem e eles proporcionarem a nós um ou dois cursos gratuitos, testar o produto, comprovar a qualidade. No fim, tudo tem muito a ver com o Levante. E teve ainda o Marcelo Ikeda, grande amigo, que cedeu seus livros aos vencedores. O que é uma forma de difundir a literatura do cinema por aí. Ikeda tem um vasto trabalho teórico, pensa muito o cinema brasileiro de hoje, que é exibido no Levante, que passou por outros lugares. Colocar essas ideias na mão das pessoas é realmente valioso para nós.

Visite a página do Facebook do Festival Levante.

Veja mais em “Festival Levante Divulga Cinema Independente”

Mais detalhes sobre o evento em  “Diversidade de Ideias em Mostra Cinematográfica”

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Diversidade de ideias em mostra cinematográfica

Por Thiago Lehn

Festival Levante trouxe animações, curtas, memórias e muitas propostas

O Festival Levante ocorreu em março divulgando e debatendo filmes independentes. O evento ocorreu no Youtube  e mantém uma página no Facebook . A sua Mostra Retrospectiva foi uma das atrações que contou com homenagens. Já as mostras voltadas para cinema de animação tiveram a participação de cineastas com origens diversas em debates sobre seus filmes produzidos. Entre as mostras de curtas puderam ser conferidas propostas criativas e como estão surgindo novos talentos entre as produções de cinema independente. Também houve a Mostra Paralela, com filmes já em circulação.

Mostra Retrospectiva

A Mostra Retrospectiva teve uma conversa mediada pelo professor de cinema da UFPel Roberto Cotta, que rememorou a obra do cineasta pernambucano Felipe André Silva, com sete curtas e dois longas, além de seus trabalhos como crítico e curador de cinema. Ao longo da live, os assuntos variam sobre os aspectos mais comuns aos seus filmes, suas referências e sobre a vontade de produzir sobre cinema sempre. A obra “Diálogo” tem grande destaque durante toda a apresentação. “Já me disseram que a minha obra tem dois temas: Amor e falta de amor”, conta o realizador.

Mostras animadas

Para a primeira mostra animada, os participantes convidados foram: Jaime Campos (diretor e realizador de “O D.uelo”), Marco Arruda (diretor de “Magnética”) e Vivian Altman (diretora de “Tandem”).

Jaime Campos é estudante do curso de animação da UFPel. O curta “O D.uelo” partiu de uma escolha pessoal dele e roteirizado em conjunto com a equipe de colegas. A ideia de fazer um filme de caubói veio da inspiração nos westerns que também fazem parte da história de convívio do diretor com o seu pai.

Marco Arruda conta que seu filme “Magnética” é um projeto de dez anos. A película traz uma colagem de muitos filmes admirados pelo mesmo e que, através da animação e sonorização, busca trazer uma experiência diferente a quem assiste, uma viagem audiovisual muito impactante. O projeto do seu curta pensou em como utilizar diversas técnicas, tais quais o desenho a mão, a animação 2D e 3D e tem inspiração em filmes que misturam o live action com a animação ao estilo de “Roger Rabbit”.

Formada na Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, em 1985, Viviam Altman desde então trabalha com animação entre idas e vindas da profissão. Trabalha com filmes autorais desde 2000. A diretora conta que o projeto do curta estava na gaveta há muito tempo, falando sobre o relacionamento entre um homem e uma mulher. Usando uma boneca de tecido produzida por amigas e seus recursos de animação, o projeto tomou forma.

Segunda Mesa sobre Animações

Para a segunda mesa de conversa sobre animações os realizadores convidados foram: Alex Sandro (diretor de “Subnews”), Ana Paula Romero (diretora de arte de “Vida Dentro de um Melão”) e Marcos Buccini (diretor de “Nimbus”).

Alex Sandro é diretor amador, trabalhava com fantoches em apresentações em hospitais, entre outras atividades. Percebeu porém que seu filho Gabriel era apaixonado por filmes. Por conta de seu autismo, o menino se concentrava muito nas histórias e, assim, o pai viu nisso uma chance de se conectar mais ainda com o filho. A história de “Subnews” é toda passada com uma animação stop motion dentro de um submarino em apuros e contou com a dublagem do próprio Gabriel. “Eu não tenho experiência com os filmes, festivais e tudo mais, porém já estou montando uma equipe para após a quarentena produzir filmes mais profissionais”, diz o diretor empolgado com o resultado do seu filme.

Ana Paula Romero é diretora de arte e animadora do projeto “Vida dentro de um melão”, o filme é uma obra idealizada e realizada pela diretora Helena Frade, baseada em matérias de filmagens feitas desde a infância com lembranças da moradia com os pais e avós, usando bonecos com fios de nylon. A obra foi realizada na Universidade Federal de Juiz de Fora, porém com o tom remodelado após a perda do avô de Helena.

Diretor de “Nimbus”, Marcos Buccini, teve de uma vez a ideia do curta quando fora convidado a produzir um clipe da música “Tempestade”, da banda Cordel do Fogo Encantado. O objetivo era fazer uma fábrica de chuva no céu. O plano acabou não acontecendo por falta de estrutura, mas ficou no pensamento essa inspiração. Marcos reformulou o projeto para um curta e o submeteu três vezes ao edital Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura. Foram dez anos para o projeto ficar pronto. Ao fim rodou apenas em festivais on-line e o diretor conta: “É muito legal, porque muita gente, que não veria, agora tem acesso. Mas, eu, por exemplo, nunca vi o filme na tela grande, isso faz falta”, lamenta.

 

 

História de “Subnews” ocorre em submarino e foi feita em animação stop motion por Alex Sandro  

Terceira roda de debates da mostra animada

A terceira e última roda de debates da mostra animada contou com Ralph Friederick, diretor de “Aventuras e Desventuras de Gregor na Cozinha”; Alanis Machado, diretora de “Algum Espaço de Conforto”; e Jefferson Nascimento, diretor de “A inveja de Cléber e um Cigarro no Banheiro”.

Ralph Friederick é graduado na Universidade Mackenzie, de São Paulo, e dono da produtora Matriz Filmes. Coordena oficinas com crianças de diversas classes sociais. Observando as oportunidades, o realizador se propôs a fazer uma animação que usasse recursos acessíveis como um celular Android, um software gratuito de edição e luzes básicas. A animação se passa em uma cozinha e traz referências aos personagens bíblicos Davi e Golias, mas, principalmente, à novela “Metamorfose”, de Franz Kafka.

A diretora Alanis Machado é estudante de cinema da Unespar e conta que o seu filme surgiu de uma motivação de produzir filmes durante a quarentena. O projeto se utiliza da internet, a tela de um computador e tem o jogo Minecraft como cenário, além de cenas de anime para ilustrar e contextualizar.

O estudante de animação da UFPel Jefferson Nascimento realizou seu filme em parceria com colegas para uma cadeira de animação 3D. Com um roteiro experimental, a obra trata do tema da inveja tendo como protagonista um pássaro. “Eu gosto muito de fazer coisas que ainda não tentei. Sou contra coisas ditas como impossíveis de fazer”, conta o diretor.

Mostra Levante

Os convidados da primeira live da Mostra Levante foram: Vitor Senra (produtor de “O Último Cinema de Rua”) Bruno Maciel (diretor de “Dez Conto”) e André Diniz (diretor de “Rebolation”). Bruno Maciel gravou um filme caseiro com seus amigos com um roteiro simples, uma briga por dez reais. O objetivo era fazer um filme de ação que usasse a violência, o humor e a câmera em movimento. Defensor de um cinema popular, o diretor quer não só que todos entendam os seus filmes, mas que também se divirtam.  

Vitor Senra relata que o filme “O Último Cinema de Rua” surgiu do projeto de TCC do diretor Marçal Vianna que tratava dos cinemas da cidade de Nova Iguaçu, no estado do Rio de Janeiro. Nisso surgiu a ideia de gravar um filme que homenageia a cidade, os lugares e os artistas da sua comunidade.  “A gente quis demonstrar de uma forma honesta e real, porém com uma luz e uma reflexão”, conta o produtor.

O projeto de André Diniz, “Rebolation”, nasceu de uma disciplina da faculdade e da sua vontade de falar da internet nas produções de cinema, de forma mais condizente com a realidade do mundo virtual. O filme usa as imagens do Youtube e prova a força da memória dessa plataforma nas novas gerações.

Cena do de “O Último Cinema de Rua” que homenageia os lugares e os artistas de Nova Iguaçú

A segunda live contou com Fernando Marques (diretor de “Aquela Noite”), Lucas Martins (diretor de “À beira do Gatilho”) e Clara Henriques (codiretora de “Quarta – Dia de Jogo”). Lucas passou para a tela a visão e noção de uma Manaus urbana não muito vista no cinema, como disse um dos curadores. O diretor planejou o filme sob uma estrutura das narrativas policiais, mais especificamente no subgênero dos filmes de detetive particular. Foi o seu primeiro projeto com orçamento, pois foi contemplado em um edital da Lei Aldir Blanc. Com relação às ambientações e montagens, o cineasta comenta que esses filmes sempre têm ambientes como pontes, postes e que, observando à sua volta, ele via elementos semelhantes na sua cidade e teve assim a visualização mental do que faria.

Fernando teve o desafio de produzir o seu filme “Aquela Noite”, com atores interagindo durante a pandemia do novo coronavírus. Por isso, aproveitou a chance para incluí-la em cena, com máscaras e tudo mais. Porém a pandemia não é o tema da obra. A violência e a antítese entre dois personagens centrais movem a narrativa por completo. “Eu pensei o filme como duas histórias diferentes que se completassem”, descreve o diretor.

Clara Henriques dirigiu seu filme, “Quarta – Dia de Jogo”, conjuntamente com Luiza França, sua colega. A realizadora conta que a inspiração do filme surgiu de um livro lido na faculdade sobre música brega. Surgiu aí a inspiração da cultura popular não elitizada das décadas passadas, por isso, o rádio tem função predominante no filme, além de elementos de futebol.

Para a última transmissão da mostra levante de curtas live action os convidados foram Erick Ricco (diretor de “Disneyloka 2093”), Larissa Muniz (diretora de “Ela viu Aranhas”) e Gabriel Borges (diretor de “Eu te amo, Bressan”).

Erick dirigiu “Disneyloka 2093”, que brinca com o formato de filmes super oito. A gravação ocorreu em localidades periféricas da cidade de Barcelona no período em que morava na Espanha. Durante a pandemia, resolveu produzir um filme que prestasse homenagem aos suportes analógicos do cinema. Usa materiais de arquivo e cria uma história distópica, que brinca com a ficção científica que lhe inspira muito.

Larissa produziu o filme “Ela Viu Aranhas”, que trabalha com algumas mulheres com personalidades distintas. “O filme tem uma base de cinema feminista, eu quero dialogar com uns filmes dos anos 1970 e antigas teorias”, diz a diretora. Por razões diferentes, as personagens se confinam em um prédio, onde se passa toda a história. A relação entre elas e com o seu ambiente busca conversar com os conceitos de bolhas sociais e ideológicas.

Sendo um dos integrantes da “Coco Filmes”, Gabriel participa do festival com o filme “Eu Te Amo, Bressan”. Fala sobre o término de um relacionamento e conta com artifícios diferentes do cinema de roteiro, com tons e dinâmicas de diálogos inovadores. Trata das diferentes fases da vida e como se encontrar em novos lugares. É um filme leve e bem-humorado.

Mostra Paralela

A Mostra Paralela foi uma atração do festival que contou com a apreciação de filmes não tão recentes e que já estavam em circulação. Para essa apresentação foram convidados o João Folha (diretor de “Ainda Somos os Mesmos na Memória do Passado”), Pedro Tavares (diretor de “Não se Pode Abraçar uma Memória”), Duda Gambogi (diretora de “Endless Love”), Lincoln Péricles (diretor de “Filme de Domingo”), Bruna Castro e Bruna Barros (diretoras de “A Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente”) e Rebeca Francoff (diretora de “Comboio pra Lua”).

João conta que usou no seu filme câmeras, filmagens e materiais que estavam em casa pegando pó. E resolveu dar vida às memórias, justamente por conta de um momento nostálgico que o diretor estava passando.

Pedro, ao gravar o seu filme “Não se Pode Abraçar uma Memória”, disse que originalmente o pensou com duas pessoas e suas relações, porém depois da morte de Eli Hayes, grande cineasta e amigo pessoal, o diretor resolveu fazer um filme baseado na obra de Eli. Usou imagens de arquivos,  somadas à sua ideia original de uma trama que falava de ruptura, usando texturas e composições. “Acabei fazendo um filme sobre o fim do filme em película e o início do digital, mas que se relaciona com o fim da vida de certo modo”, relata o diretor.

Duda nasceu em Belo Horizonte. Vindo a ser estudante no Rio de Janeiro, tornou-se uma apaixonada pelos karaokês e o seu poder de unir as pessoas com a música. O filme “Endless Love” trata dessa realidade e da construção de uma coletividade.

“Filme de Domingo” trata da temática da solidariedade diante do sofrimento do luto

Lincoln apresenta  a sua produção como filmes da quebrada, produzidos por ela e muitas vezes sobre ela. Seu “Filme de Domingo” passa pela temática da união após a perda de uma pessoa próxima. E mostra a solidariedade de alguns parentes para simbolizar que a história de quem fica deve seguir, sempre com união e muito amor.

Rebeca gravou o seu filme “Comboio pra Lua” quando foi selecionada para uma bolsa de estudos em 2018, ao mudar-se para Portugal. O curta era um exercício de documentário e que só foi terminado na sua volta para o Brasil ao ingressar na UFPel. A diretora diz que, quando estava na Europa, viu-se diante da macro política e a quebra da visão do Primeiro Mundo. Ela reparou o fascínio dos estrangeiros com relação ao Brasil e, ao longo da realização do trabalho, foi descobrindo personagens e personalidades diferentes. É um filme que fala de distância e saudades.

As diretoras Bruna Castro e Bruna Barros contam que o projeto “A Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente” foi feito durante a pandemia. Mas seu processo é alheio ao período por ser um filme com imagens de arquivo. Trata dos afetos e relações com as mães das diretoras. Produzido pela Universidade Federal da Bahia para uma cadeira de produção de documentário, a obra, assim como as demais da mostra, também se relaciona com afeto, relações humanas e memória.

Veja mais em “Festival Levante Divulga Cinema Independente”

Entrevista com os realizadores do evento.

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Festival Levante divulga cinema independente

Por Thiago Lehn

Evento teve sua primeira edição em março nas plataformas digitais

O Festival Levante foi produzido e dirigido pelos alunos dos cursos universitários de Cinema de Pelotas, João Fernando Chagas e Rubens Fabricio Anzolin, através da lei Aldir Blanc, com o intuito de trazer ao público filmes ainda não vistos, produzidos de forma independente, seja no ambiente da faculdade, através de editais ou por iniciativa própria, porém sempre com a vontade de produzir cinema brasileiro. Teve palestras sobre distribuição alternativa de filmes, cinema de animação, e filmes brasileiros voltados para as classes trabalhadoras.

O evento teve parceria com os cursos de cinema da UFPel, a ACCIRS – Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, o Centro Técnico Audiovisual e o Navega – Rotas Criativas e teve a curadoria de André Berzagui, Lauren Mattiazzi Dilli, Victória Kaminski, Gianluca Cozza, Lucas Honorato e Matheus Strelow.

De forma virtual, toda a programação do Levante ocorreu no Youtube, o evento trouxe entre suas categorias a mostra animada, paralela, retrospectiva e a mostra levante (de curtas live action) além de debates com convidados. Ao todo mais de 500 filmes se inscreveram para o festival.

Em parceria com o CTAv o Levante proporcionou o prêmio CTAv, para o qual todos os projetos participantes das mostras competitiva poderiam enviar seus projetos em desenvolvimento para uma banca formada por Guilherme da Rosa, Lanza Xavier e Roberto Cotta e disputar a premiação que consistia em empréstimo de uma câmera Black Magic e acessórios de produção.

O vencedor foi “Jornada de 16 horas”, de Clara Henriques e Luiza França.

As mostras competitivas contaram com o júri popular, o júri da crítica (formado por Luciana Tubello, Thomás Boeira e Carlos André Moreira) e o júri oficial (com Marco Antônio Pereira, Analu Favretto e Leonardo da Rosa).

O vencedor do júri popular foi o filme “Dez Conto” de Bruno Maciel, a premiação foi de mil reais, uma cópia do livro “Lei da Ancine Comentada” e outra de “Leis de Incentivo para o Audiovisual”, cedidos pelo palestrante Marcelo Ikeda.

O júri da crítica decidiu por “As canções de amor de uma bicha velha” como vencedor o contemplando com a premiação dos livros “Lei da Ancine Comentada”, Leis de Incentivo para o Audiovisual” e “Fissuras e Fronteiras”, também cedidos pelo professor Marcelo.

O júri oficial teve o papel de decidir os vencedores da mostra Levante e da mostra animada concedendo os prêmios de mil reais e um curso na Navega para cada um. Os filmes escolhidos foram “Subnews”, como melhor filme de animação, e “Dez Conto”, como melhor filme live action.

Ao longo do percurso, foram mais de 13 apresentações no Youtube com média de uma hora entre trocas de experiências, conversas e perguntas relacionadas às obras selecionadas e o cinema em geral. Um dos pontos altos do festival foram as palestras e debates,.

Por uma distribuição alternativa dos filmes

No dia 24 de março, as sessões no Youtube tiveram início com uma conversa entre um dos idealizadores do evento, Rubens Fabricio Anzolin, com o professor Marcelo Ikeda. A temática da distribuição de filmes alternativos no Brasil marcou o início do primeiro Festival Levante.

Nascido no Rio, Marcelo foi para o Ceará ser professor da primeira turma do curso da Universidade Federal do Ceará. É autor de livros sobre o cinema, tais como “O cinema independente brasileiro contemporâneo em 50 filmes”.

A conversa flui com o professor lembrando das facilitações da modernidade em gravar filmes de ensaio, caseiros e até filmes independentes pela facilitação da tecnologia, reforçou a ideia de que os cineastas devem lutar pelos editais governamentais de financiamento, mas que eles próprios deveriam criar seus próprios meios de produção.

Ao mesmo tempo que elogia os festivais, crítica como esses eventos e a comunidade do cinema vivem em uma bolha. Segundo Marcelo, ela precisa estourar para que a cultura chegue em mais pessoas, assim completando seu papel social. A conversa durou mais de uma hora e se estendeu por diversos caminhos sobre a produção e a distribuição brasileira de filmes.

Curtas de animação

A palestra sobre curtas de animação foi entre as criadoras Amanda Trindade e Helena Hilário. As duas tiveram reconhecimento importante e recente por conta do seu trabalho com animação e contribuíram para expandir a conversa no Festival.

Amanda é artista 2D formada em cinema de animação na UFPel e foi a animadora do filme “O céu da boca” que passou por festivais, inclusive os importantíssimos Anima Mundi e o Grande Prêmio Brasileiro de Cinema, no qual foi finalista. Apaixonada pelo seu trabalho, ela conta que agora seu objetivo de vida é contar histórias desenhando.      

Amanda Trindade foi a animadora do filme “O céu da boca” que passou por importantes festivais

Helena Hilário é diretora e roteirista de “Umbrella”, curta de animação reconhecido em mais de 55 festivais e que entrou na lista prévia do Oscar, na qual acabou não se classificando. Foi o filme curta brasileiro que mais chegou perto da nomeação. O curta foi produzido com uma animação 3D de altíssimo nível durante dois anos, que é um período curto para esse tipo de trabalho.

A diretora conta que foi criada a empresa produtora Stratostorm, que tinha como um dos objetivos viabilizar o projeto de “Umbrella”.  Mais tarde, em 2018, verificou-se a necessidade de estabelecer uma equipe própria.

Memória de camponeses e operários

A palestra “O que Brilha no choque?” tratou de montagens de camponeses e operários no cinema brasileiro. O debate tratou sobre os estudos de filmes e a análise de como esses recursos audiovisuais criaram, ao longo do tempo, uma imagem e uma memória que definisse os trabalhadores. Foi discutido como essas parcelas sociais foram vistas durante épocas passadas e como são vistas hoje em dia, com semelhanças ou não. Essas pesquisas buscam fatores de identidade e marcas temporais nos filmes que permitem compreender diversos setores sociais em cada período analisado.

A apresentadora Analu Favretto é mestranda da Unisinos, formada em Cinema e Audiovisual pela UFPel. É também crítica de cinema e realizadora audiovisual, com passagem por festivais em diversas partes do Brasil. Durante sua formação, teve um trabalho longo e duradouro nas salas de cinema do Cine UFPel, em Pelotas. Outro palestrante, Maurício Vassali, é doutorando em Comunicação pela PUC-RS, com pesquisa voltada às imagens do operário no cinema brasileiro. É formado pela Universidade Federal de Pelotas e também é membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (ACCIRS). Durante anos, fez parte do Zero4 Cineclube.

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Veja mais sobre o Festival Levante em “Diversidade de Ideias em Mostra Cinematográfica”

Entrevista com os realizadores do evento.

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Identidade afro-brasileira em teatro on-line

Por Ester Caetano

“A Última Negra” estreia no dia 15 e vai com apresentações até 25 de abril

O espetáculo teatral “A Última negra”, com data de estreia nesta quinta-feira (15), enfatiza os debates sobre as questões raciais e as causas sociais no Brasil. Configura seu cenário a partir do encontro do corpo de uma mulher negra congelada há 100 anos. Em um período histórico em que não existe rastro de pessoas negras, reacende as discussões sobre o racismo institucional presente no País. A atriz gaúcha Hayline Vitória protagoniza o espetáculo, no qual dá luz ao papel de “Dandara”. O texto ficou a cargo do dramaturgo Pedro Bertoldi. E as apresentações vão até o dia 25 de abril. de quinta-feira a domingo, sempre às 20h, no Canal do Coletivo Projeto Gompa.

A peça tem a proposta de aguçar as reflexões sobre o apagamento histórico sistemático que a população negra vem sofrendo, como também instigar sobre como um ser humano sem memória tem a dificuldade de reconhecer seus vínculos e encontrar sua identidade. A situação de descobrir o corpo da mulher negra de outra época faz com que reacenda a discussão da história brasileira. 

A atriz Hayline Vitória diz que “as Dandaras de hoje, presas de algum modo pelo racismo e nas mazelas dessa sociedade, têm sede e urgência de libertação, pois desejam ecoar as suas vozes e estarem sentadas nos tronos que lhe são de direito”.

A atriz Hayline Vitória faz o papel de “Dandara” no espetáculo que fala de questões afro-brasileiras

Furando as estatísticas e desempenhado o papel principal na quebra de paradigmas, vencedora do prêmio Açorianos na categoria melhor atriz revelação em 2016, Hayline Vitória, professora formada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e produtora cultural, mostra que mesmo sendo clichê, o lugar da mulher negra é “onde ela quiser estar”. Percorrendo caminhos que acredita que foram abertos por seus ancestrais, pensa que a memória é a melhor forma de encontrar seu “eu” e poder perpetuar a abertura das trilhas para o triunfo da população negra.

Como na realidade de muitos negros, que lutam para se reafirmar dia após dia, está estafada. “Eu estou cansada também de falar só de dor, estou cansada de falar só de racismo, mas parece que a gente precisa falar disso. Porque muitas pessoas ainda não entenderam que ele existe”, desabafa. Ela expõe a angústia das especificidades que o meio artístico a impõe. “Nos colocam em diferentes subcategorias, aí, atriz, negra. Ah, é dramaturgia negra. É um caminho longo, até a gente conquistar o lugar de sermos atrizes e dramaturgas, sem precisar dizer a nossa cor”, lamenta.

Com a vivência gritante de um Brasil racista estruturalmente e padronizado, nos vários casos de discriminação e preconceito que enfrenta, vê-se silenciada e sem resposta, mas acredita que a arte e o seu trabalho são o alvorecer, como, também, o seu escape.  “A arte é a válvula, o lugar onde eu liberto as minhas coisas, onde falo, eu me protejo ali naquele lugar. E, com a arte, eu consigo dar essas respostas, mesmo que, muitas vezes, fique paralisada diante de situações que, infelizmente, a sociedade não cansa de nos mostrar que existem”, explica.

No século XXI, ainda existe o discurso de que “somos todos iguais”, remetendo à declaração do ator estadunidense Morgan Freeman de que “para o racismo deixar de existir é só parar de falar nele”. Camufla-se falas racistas e discriminatórias. Contudo, não é preciso virar muito a cabeça para enxergar que existe muita diferença e desigualdade que paira sobre a sociedade brasileira. Hayline indaga sobre quem está nos postos de poder. Nas artes dramáticas, quem está nos papéis principais? Os negros estão em quais peças de teatro? Quem são os atores? Onde estão os dramaturgos? Os diretores? “Quando a gente não tem referência, a gente não se enxerga”, diz.

Retomada da cultura teatral negra

Dando um passo para a inclusão, o economista Abdias do Nascimento escreveu a história que tem relevância até hoje no teatro brasileiro. Em 1944, idealizou um resgate da herança da cultura afro-brasileira com o Teatro Experimental do Negro (TEN), que buscou promover o protagonismo do negro em detrimento às representações caricatas e estereotipadas que se figuravam nos palcos brasileiros. O TEN recriou diversas peças como Otelo, de William Shakespeare.

A presença de Nascimento é sentida na dramaturgia brasileira da atualidade. A atriz Hayline entende que o TEN é uma referência inegável para uma crítica ao sistema racista. “O Teatro Experimental do Negro é muito importante, sem dúvida, até hoje. É a referência de teatro negro que, infelizmente, eu não tive dentro da universidade”, lamenta.

Mesmo percorrendo um caminho que tem que ser de resistência todos os dias, lutando contra a discriminação racial, Hayline acredita na mudança, acima de tudo. “É preciso oportunizar que artistas negros e negras tenham seus espaços nos trabalhos, não só para as pautas raciais. Então, chamar, por exemplo, um dramaturgo negro, ou uma dramaturga negra, para fazer a dramaturgia de um espetáculo sobre tema X, mas de uma forma diferente. Chamar uma assessora de imprensa, uma diretora, uma atriz para protagonizar uma Bela Adormecida, uma Cinderela, não sei, um João Pé de Feijão, chamar pessoas, negras, artistas, negros, realocando. E é mostrando que a gente consegue. A gente pode, obviamente, embora, às vezes, as coisas não são tão óbvias. Mas a gente deve estar em todos os lugares. E fazendo todos os personagens”.   

Solidariedade

O projeto da peça “A Última Negra” incentiva o acesso à cultura. Adquirindo os ingressos de valor único, de cinco reais, pode-se fazer uma doação para que jovens das periferias do Estado tenham a oportunidade de assistir ao espetáculo, como também, o valor arrecadado será convertido em alimentos não-perecíveis e doados para a ONG MISTURAÍ, da cidade de Porto Alegre. O espetáculo está sendo realizado com recursos do Governo do Estado do Rio Grande do Sul por meio do Pró Cultura RS FAC – Fundo de Apoio à Cultura.

Espetáculo virtual A Última Negra

Datas: de 15 a 25 de abril – de quinta a domingo
(As apresentações dos dias 17 e 23 de abril, aos sábados, terão tradução em LIBRAS)

Ingressos: R$ 5 (+ taxa de conveniência)

Vendas online: pelo site EntreAtos | compre aqui seu ingresso  

Onde assistir: Canal do Coletivo Projeto Gompa no YouTube (receba os links ao comprar o ingresso para acesso ao espetáculo e ao bate-papo)

Duração: 60 minutos + 20 min de bate-papo com elenco

Classificação: 14 anos

Para mais informações sobre o espetáculo A ÚLTIMA NEGRA acesse o site e o Instagram @aultimanegra

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Grupo de pesquisa inova com “anti-intervenção” artística

Por Vitor Valente

Evento conceitual foi desenvolvido por pesquisadores da Furg

Promovido pelo grupo de pesquisa Observatório em Arte Pública Entorno e Novos Gêneros, o evento “Anti-intervenção Artística Conceitual no Espaço (não)Urbano: Cola na Ideia” é uma ação cultural pensada e desenvolvida para subverter o conceito de intervenção cultural. O grupo criou o conceito de anti-intervenção com a intenção de interagir artisticamente no espaço público, mas sem gerar aglomerações.

O evento aconteceu no dia 7 de abril em uma pista de skate na Avenida Atlântica, no balneário Cassino, em Rio Grande. O método artístico escolhido foi a colagem de ‘lambes’. A decisão, segundo Janice Appel, doutora em Artes Visuais e especialista em Arte Pública, foi devido à facilidade de criação e disseminação dos lambes. Todo o processo é feito de maneira artesanal. Os participantes da ação tiveram a liberdade de escolher o que fazer com as criações. “Colar na parede do quarto, em um poste, ou em uma parada de ônibus? Não importa, o importante é colar na ideia”, disse Janice.

“Lambes” refletem sobre o momento vivido Reprodução/Instagram

A professora explica que o evento surgiu após ponderações em conjunto com os bolsistas do grupo de pesquisa, Leandro Castro e Olívia Godoy. Os artistas buscavam maneiras de intervir artisticamente sem gerar aglomerações, pois o próprio princípio da arte pública reside no convívio direto com a comunidade e seus entornos. O grupo mapeou praças, monumentos, parques, terrenos baldios, feiras, espaços culturais e festas populares ao redor da cidade do Rio Grande.

Desta forma, passaram a observar o contexto atual e como os espaços foram afetados pela pandemia. Após o período de observação e estudo, escolheram a pista de skate do Cassino, devido à ligação do espaço com a arte de rua e as aglomerações que, de acordo com Janice, acontecem no lugar. No entanto, a ideia não se limita ao local e busca espalhar os cartazes por diversos espaços urbanos da cidade, conforme a mobilização dos voluntários.

                                     Cartaz de divulgação do evento                                     Imagem Reprodução/Instagram

As artes estampadas nos lambes expostos trazem reflexões sobre o momento em que o Brasil vive. Janice traça um paralelo entre a curva crescente de casos e óbitos pela covid-19 e as curvas presentes nas pistas de skate. Appel ainda destaca a importância de dialogar sobre a paisagem, seus entornos e a comunidade. O conteúdo busca conscientizar a população da cidade sobre a necessidade de distanciamento social, principalmente em um momento que a cidade vive bandeira vermelha e o esgotamento de medicação e restrição de atendimentos no Hospital Universitário da Furg.

A organização incentivou os participantes a enviarem registros fotográficos dos lambes colados e, ainda,a publicação do material artístico e suas reflexões nas redes sociais, usando a hashtag ‘#colanaideia’.

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Parabéns pela iniciativa professores
Viver na arte é recriar o nosso cotidiano,
Fazer pulsar a energia poética que existe em cada um de nós !

Marione Jaques da Silva

Parabéns pela reportagem Vitor!

Andressa Siemionko Lacerda

 

 

Documentário divulga gastronomia baiana

Por Juan Tasso

Segundo episódio de “Street Food” mostra culinária de Salvador

Um dos temas mais populares entre os documentários do canal de streaming Netflix é o da culinária. A plataforma conta com produções renomadas como o “Chef’s Table”. Dentre os seus trabalhos está “Street Food: América Latina”, uma série documental que registra comidas de rua em seis países do continente: Peru, Argentina, Bolívia, México, Colômbia e Brasil.

No segundo episódio da série documental, os mesmos produtores de “Chef’s Table” vieram ao Brasil em busca de comidas de rua, na capital do estado da Bahia, Salvador. A intenção da série é valorizar a cultura culinária local, além de respeitar e representar a história da população negra baiana nesta edição.

Seis personagens participam do episódio. Para dar início a narrativa, Tereza Paim, chef do restaurante Caza de Tereza, traz para a discussão a importância da cultura africana na cultura gastronômica de Salvador.

Dona Suzana é famosa pelas moquecas do seu restaurante                                 Foto: Divulgação 

Além de Tereza, a série contou com a presença do professor de Antropologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Vilson Caetano de Souza. Com nomes de peso que informam com seu conhecimento histórico, a produção consegue transmitir as nuances da religiosidade, contexto histórico e importância cultural da gastronomia da capital.

A grande estrela do episódio é Dona Suzana, dona do RéRestaurante. Ela conta sua história do interesse pela culinária, que começou com sua mãe quando ainda era pequena. De origem pobre, Dona Suzana conta hoje com um restaurante reconhecido nacionalmente, e amado pela comunidade local. Ela conta também com a companhia de seu marido, Antônio, pescador.

A equipe da Netflix gravou durante uma semana em Salvador, e conseguiu captar com sensibilidade a importância da gastronomia local, além das dificuldades que os comerciantes passam na região. Como destaque, a produção da Netflix mostra a moqueca de peixe de Dona Suzana, que faz sucesso entre os moradores.

Outros personagens marcam a narrativa do documentário. Uma delas é Martinha Rodrigues, destacada pelo documentário pelo pirão de aipim que serve nas praias. A produção expõe os desafios de uma mulher negra de fazer o que ama. Com Cláudia Bárbara, o episódio reforça a representatividade e a tradição da cultura negra, destacada pelo acarajé baiano.

Também tem destaque de Bar dú Kabaça, capoeirista e cozinheiro. Com o seu testemunho, mais uma vez, a história da cultura africana é presente na trajetória gastronômica da cidade. Ele lembra que a capoeira, a sua paixão que vem lado a lado com a gastronomia, foi criminalizada por muito tempo, e ajudou a construir a cultura que hoje representa o povo brasileiro.

Por ser uma produção norte-americana, é normal que se identifiquem detalhes e representações que não condizem com a realidade do povo de Salvador. O mérito da série da Netflix, porém, vem na tentativa de montar uma narrativa com o recurso histórico de especialistas na área.

A capital baiana respira cultura. Isso é refletido na arte e gastronomia da cidade, que faz parte do cotidiano do soteropolitano. As comidas típicas refletem centenas de anos de história de repressão colonialista, resistência do povo negro, e histórias de pessoas que buscam tornar essa cultura eterna.

As expressões culturais são formas de resistência. A gastronomia da cidade de Salvador é resistência.

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Divergente: mais um drama adolescente?

Por Luma Costa

A protagonista Beatrice precisa decidir sobre sua vida e seu relacionamento familiar

Lançado em 2014, “Divergente” é o primeiro filme de uma trilogia baseada na obra literária de Veronica Roth, que conta ainda com “Insurgente” (2015) e “Convergente” (2016). Envolve romance, ficção científica e aventura. Baseado no livro homônimo, publicado em 2011, a história inicial se passa na cidade de Chicago, em um futuro distópico. Nesta realidade, após uma guerra que destruiu a civilização antiga, a sociedade é dividida em cinco facções, grupos sociais com funções bem definidas.

Os cinco grupos são divididos pelas causas da Abnegação, Audácia, Amizade, Franqueza e Erudição. Erudição é a facção dos inteligentes, de intelecto superior e com capacidade de aprendizado inigualável. Franqueza, como o próprio nome sugere, é a facção dos francos, sinceros e justos. Amizade é a facção dos bondosos, responsáveis pela agricultura. Audácia é a facção dos corajosos, responsáveis pela proteção da sociedade, de lá são os soldados.

Shailene Woodley está no papel de Beatrice e Theo James interpreta Tobias          Foto: Divulgação

Nossa protagonista, Beatrice, interpretada por Shailene Woodley (“A culpa é das Estrelas”), nasce na facção Abnegação, os altruístas, responsáveis pelo governo da civilização e pela caridade e pela distribuição de alimentos entre as facções. Este é ponto de partida da história. Quando Beatrice chega à maturidade, precisa escolher à qual facção pertence pelo resto da vida. O dilema inicial se dá porque, se Beatrice escolher uma facção diferente de sua família, não poderá mais ter contato algum com os pais e irmão.

Inicialmente a história pode parecer mais um drama juvenil, mas no fundo fala sobre liberdade de escolha, governos corruptos e, de maneira geral, a busca pelo poder. Até onde alguém iria pelo poder? Qual a importância da liberdade de pensamento para a manutenção de um governo democrático? Uma sociedade funcionalista, em que cada um tem sua função definida, a partir de suas habilidades e vocações, sem a possibilidade de alteração, seria o ideal?

Todas essas são questões que surgem a partir da obra, e que fazem perceber que não é mais um drama adolescente, e sim uma saga sobre política e a importância da liberdade de pensamento.

Alguns pontos negativos da obra são a necessidade que fica ao telespectador em entender melhor o que se passou antes do início do filme, como chegamos a esta sociedade. Talvez essas explicações sejam dadas na obra literária ou se deem nos filmes posteriores (“Insurgente” e “Convergente”). É certo que cairia bem uma explicação histórica a mais.

De maneira geral o filme vale a pena ser visto, e traz, sem dúvida nenhuma, a vontade de conhecer seu homônimo literário e desvendar o que mais Beatrice tem a nos mostrar.

 

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COMENTÁRIO:

Por que os divergentes são diferentes das outras pessoas?

Stephane

Resposta: Beatrice é uma  jovem divergente pois não se enquadra nos grupos e padrões estabelecidos pelo sistema implantado na cidade.

Qual o objetivo de separar as pessoas por facções?

Stephane

Resposta: Esta é a pergunta que a própria série faz e que a personagem de Beatrice coloca em questão. Parece a solução para estabelecer uma harmonia  que aquela sociedade encontrou naquele momento. Quem assistiu ou está assistindo a série pode trazer outros pontos de vista.

“Retalhos” de uma vida

Por Luana de Almeida Medeiros

Craig Thompson conta passagens de sua juventude em história em quadrinhos

Estamos passando por um período atípico em nossas vidas, carregado de medos e incertezas. A pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19) fez com que a nossa rotina diária mudasse completamente, ambientes de trabalho e salas de aula deram lugar ao home office e semestres remotos. De fato, é um grande desafio se adaptar ao modelo de distanciamento social e à quarentena, por mais que saibamos o quanto essas medidas são importantes para preservar a nossa saúde e a de todos ao nosso redor, é normal que essa situação gere estresse e preocupação, seja por questões de adaptação à nova rotina, questões financeiras ou até mesmo pelo medo de contrair o vírus.

Diante desse cenário, é importante dedicar um tempo do nosso dia a dia a atividades que promovem o nosso bem-estar, como fazer boas leituras. Na modalidade quadrinhos, uma excelente indicação é o livro “Retalhos”, de Craig Thompson, uma graphic novel muito premiada, vencedora de três prêmios Harvey, dois prêmios Eisner e, também, vencedora do prêmio da Associação Francesa de Críticos e Jornalistas de Quadrinhos.

O livro é uma autobiografia, que conta a história de Thompson desde a infância até o final de sua adolescência. No Brasil, foi publicado pela editora Companhia das Letras no ano de 2009 e conta com 592 páginas, divididas em nove capítulos. A trama não é escrita de forma linear, em muitos momentos o autor insere flashbacks sobre acontecimentos de sua infância que ajudam a situar o leitor e a compreender o contexto da narrativa. As principais temáticas abordadas no livro são os conflitos que o autor enfrenta em relação à sua família, vida amorosa e religião.

Livro foi lançado em 2009 no Brasil

Ao iniciar a leitura, o primeiro aspecto apresentado é o relacionamento de Thompson com seu irmão Phil. Os dois eram obrigados a dividir a mesma cama durante a infância e, na maior parte do tempo, estavam sempre brigando (situação muito comum entre irmãos, não é mesmo?!), porém, também havia momentos de muita diversão entre os dois, principalmente quando a brincadeira envolvia a maior paixão de Craig: desenhar.

O autor nasceu em Traverse City, Michigan, e foi criado na zona rural de uma cidade do estado de Wisconsin, no Centro-Oeste dos Estados Unidos. Sua juventude foi fortemente marcada pela presença da fé cristã conservadora, religião imposta por seus pais. Essa relação de Craig com a fé, baseada no temor a Deus, interferiu diretamente na sua percepção do mundo e na sua visão sobre o que é certo ou errado, dessa forma, o autor cresceu atormentado pela ideia de ser um pecador pelo fato de perder seu tempo com atividades “mundanas” ao invés de se dedicar inteiramente ao criador.

No entanto, sua vida muda completamente após conhecer Raina, seu primeiro amor, em um acampamento de férias da igreja. Ela é dona de uma personalidade oposta a de Craig, é uma menina alegre, carinhosa e realista, enquanto Thompson é mais introvertido e sonhador. A conexão entre os dois acontece de forma natural, os dois se tornam muito próximos e passam a trocar cartas de amor depois do acampamento. Passado algum tempo, Craig convence os pais a permitir sua estadia na casa de Raina durante duas semanas. 

Durante o tempo em que conviveu com a família de Raina, o autor se deparou com uma realidade totalmente diferente da sua. Os pais da jovem estão em processo de divórcio e possuem uma filha com deficiência intelectual, todo o contexto apresentado deixa subentendido que Raina precisa assumir responsabilidades muito além da sua alçada. Nesse mesmo período, o relacionamento entre os dois é relatado de forma muito sensível e encantadora, o amor que sentem um pelo outro é lindamente expressado através das ilustrações do autor.

É nesse momento importante da vida de Craig que ele começa a questionar certos valores e aspectos que a ele foram repassados durante a infância e adolescência, principalmente sobre os ensinamentos cristãos e o relacionamento distante que mantinha com a família. Outros temas também são abordados ao longo da história, como bullying na escola e pedofilia. A narrativa é intimista e muito sincera, ao longo da história, o leitor vai se deparar com dilemas importantes da vida do autor, além de trazer reflexões sobre as diferentes realidades que nos cercam e que, muitas vezes, desconhecemos. Thompson nos mostra que é preciso ter coragem para enfrentar nossos medos e que a vida está sempre em constante mudança. Sem dúvida, uma história que vale a pena ser lida e compartilhada.

História conta o primeiro grande amor do autor desenhista

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Futuro distópico na série “O Conto da Aia”

Por Nathianni Gomes da Cruz

Produção faz analogias com o contexto político e social no século atual

A série “The Handmaid’s Tale”, ou “O conto da Aia”, na tradução para o português, é uma série norte-americana baseada no livro de mesmo nome, escrito pela canadense Margaret Atwood, em 1985.

Com três temporadas e disponíveis no Brasil pelo serviço de streaming Globoplay e na FOX Premium, a série Original do Hulu aborda assuntos bastante recorrentes e intensos do atual momento político mundial.

Foi vencedora de oito prêmios Emmy, incluindo o de Melhor Série Dramática de 2017, e tem direção de Bruce Miller.

Era uma vez a “América” 

Ao longo de 36 episódios em três temporadas, somos imersos em um Estado teocrático e ditatorial. O fundamentalismo religioso toma grandes proporções após um ataque terrorista matar o presidente dos EUA e um grupo intitulado Filhos de Jacó tomar o poder. Os golpistas suspendem a Constituição, e, assim, constroem as regras de Estado baseadas em interpretações da Bíblia.

Os Estados Unidos se tornam a República de Gilead. Esse Estado tem como base a superioridade do homem, as vontades de “Deus”, e a submissão das mulheres, que passam a fazer parte de castas com diferentes funções servis.

Propriedade estatal

Em Gilead, a submissão da mulher é constitucional. Essa mudança foi gradual, e como podemos acompanhar na trama, aconteceu primeiro com a revogação do direito da mulher de trabalhar, e, depois, com o bloqueio dos seus bens. Para então, em pouco tempo, as mulheres terem todos os seus direitos revogados. 

Somos apresentados a Offred, interpretada por Elisabeth Moss, uma aia enviada à família de um comandante dos Filhos de Jacó. As aias fazem parte dessa casta que faz o papel de barriga de aluguel do Estado, são “o útero com pernas”, como elas se descrevem durante a trama.

As aias são a parcela de mulheres ainda férteis, que são recrutadas e raptadas de suas famílias por conta da queda de natalidade e infertilidade em massa. Passam a serem receptáculos dos filhos dos comandantes e suas esposas estéreis.

Offred não é o nome real dessa mulher que acompanhamos, com a atriz Elisabeth Moss no papel. Nessa ficção aterrorizante, temos vislumbres de como era a vida da aia antes do Estado ser derrubado. Descobrimos que seu nome é June, que, nessa realidade, passou a ser “Do Fred”, ou seja, “Of Fred”, seu comandante, interpretado por Joseph Fiennes.

O ponto central que permite toda a barbárie que se instala é o preceito bíblico de Gênesis 30:1:3: “Vendo Raquel que não dava filhos a Jacó, teve inveja de sua irmã, e disse a Jacó: Dá-me filhos, se não morro. E ela disse: Eis aqui minha serva Bila, coabita com ela, para que dê à luz sobre meus joelhos, e eu assim receba filhos por ela”. 

Essa “coabitação” não é amigável, agradável ou qualquer concepção tecnológica aceitável como se pode pensar. “Bom, mas existe, inseminação artificial e implantação voluntária no útero”, alguém pode pensar à primeira vista. Mas, aqui, toda a ciência é negada. As cerimônias, nas quais as aias são obrigadas a participar, são verdadeiras violações aos seus corpos. Sem falar da violação psicológica praticada contra elas em todos os momentos.

As cores também oprimem

As mulheres são o elo em comum em “O Conto da Aia” – ao mesmo passo em que não possuem qualquer elo, já que o Estado totalitário faz questão de destruir qualquer interação de verdade entre elas.

Aqui, nenhuma mulher possui qualquer papel decisório, mesmo que algumas, como as esposas, achem que possuem algum controle. Na verdade, são iludidas com uma realidade deturpada: são oprimidas e opressoras de outras mulheres em posições inferiores. E as cores fazem parte dessa realidade.

Para explicar melhor: todas as castas possuem cores específicas. 

O azul escuro das “esposas” é atribuído a Virgem Maria. É opressivo e frio. Elas são as mulheres que odeiam a presença das aias e possuem um ciúme doentio destas. Fazem de suas vidas um verdadeiro inferno – além de todo o horror já bastante sofrido.

O uniforme vermelho das “aias”, junto com seus chapéus brancos que cobrem as laterais dos olhos, torna-as fáceis de serem percebidas em qualquer lugar. Elas, no entanto, não transitam por muitos. Estão no mercado, na casa a qual foram designadas, em algum parto ocasional e raro de outra aia, na vizinhança que habitam. 

O uniforme verde das “Marthas” as designa como as mulheres servis da casa, aquelas que limpam, cozinham, e que são como governantas da casa. O marrom, das “tias”, identifica como aquelas com a autoridade e responsabilidade de “treinar” as aias. Colocam ordem e medo através de torturas e humilhações. E, assim, as aias tornam-se inimigas uma das outras. 

Assim, temos uma realidade na qual a esposa é a honra do lar e da família, aos olhos da sociedade sobre o seu marido. A aia é aquela que dará um filho a ele e a sua esposa. As Marthas servem à sua casa. E as tias colocam ordem para que nenhuma aia se rebele contra o seu comandante.

Todo o sistema gira em torno do homem, com mulheres sendo satélites– e forçadas a não perceberem que são as verdadeiras protagonistas de suas histórias.

Qualidade da série

Os primeiros episódios da segunda temporada levantaram inúmeros argumentos e questões sobre a trama. A produção foi comparada à “torture porn”, um gênero cinematográfico que visa dar prazer ao espectador com violência sádica.

Lisa Miller, do veículo The Cut, levantou a questão: “é feminista ficar vendo mulheres sendo escravizadas, degradadas, espancadas, amputadas e estupradas?”, ao anunciar que não assistiria mais a série. 

Apesar dos episódios sim, serem chocantes, tem algo que ainda a torna boa. Margaret Atwood escreveu o livro, que é o guia para a trama televisiva, baseado em acontecimentos sociais e políticos do começo dos anos 80. Projetou um futuro fictício sem as mais comuns suposições sobre um futuro distópico, ou seja, sem naves espaciais e tecnologia de ponta. 

De acordo com a autora, “ficção científica tem monstros e naves espaciais, a ficção especulativa poderia acontecer de verdade”. Quão real e assustador pode se tornar “O Conto da Aia” se comparado à realidade da política mundial nas últimas décadas? E, especialmente, nos últimos cinco anos, em governos que subjugam mulheres, com a ascensão do fundamentalismo cristão e críticas à liberdade feminina e de seus corpos?

“É entretenimento ou uma profecia política aterrorizante? Pode ser ambos? Eu não antecipei nada disso quando estava escrevendo o livro”, explicou a autora em entrevista para o jornal americano The Guardian.

Por isso, mais que uma obra feminista, a série “O Conto da Aia”, complementando a obra literária de Atwood e adicionando elementos atuais de tecnologia e modernidades (como as redes sociais, por exemplo, em flashbacks que ocorrem à personagem principal), traz uma trama ainda mais chocante, fazendo com que o público compare a realidade com a ficção, ao perceber que essa história poderia facilmente se tornar a nossa realidade. 

Ou seja, há uma ligação entre processar a realidade através da ficção – e é o simbolismo da série que a torna tão atrativa, apesar dos pesares.

Próximos passos

A quarta temporada da série já está marcada para estrear em 2021, após ser adiada em decorrência da Covid-19. Lançado em junho deste ano, o teaser promocional demonstra a vontade e a esperança de June, personagem principal, de derrubar a estrutura de governo e mudar toda a realidade de Gilead.

               Elisabeth Moss interpreta June, uma mulher subjugada                      Foto: Divulgação Hulu

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