Livros recuperam história do periódico que trazia notícias de interesse da população negra e da classe operária
Por Mariah Coi e Tais Carolina Pereira
Dezenove anos após o fim da escravidão, em 1907, uma expressiva população de negros de Pelotas, no sul do Estado, viu surgir o jornal que viria a ser sua voz. Batizado de “A Alvorada”, que significa em latim “a primeira claridade”, o periódico virou espaço de luta para uma população que era proibida de frequentar diversos locais. A publicação existiu até 1965 e agora uma série de livros deverá recuperar a memória deste trabalho jornalístico.
De acordo com o historiador Lúcio Xavier, por conta das charqueadas, a então São Francisco de Paula caracterizou-se pela grande presença da mão-de-obra negra. Dessa forma, no pós-abolição, muitos negros ex-escravizados uniram-se para a criação de sindicatos, grupos e até mesmo de um jornal. Foi o caso dos intelectuais negros Antonio Baobab, Rodolfo Xavier, Juvenal e Durval M. Penny que, em 1907, insatisfeitos com a falta de representatividade nos espaços sociais, fundaram o periódico “A Alvorada”.
Capa do Jornal A Alvorada Imagem: Acervo E-cult
No jornal, eram contadas histórias e notícias de interesse da população negra e operária, Denúncias ao racismo da época, tanto da comunidade pelotense como de todo o Estado, constavam nas páginas. A historiadora e professora Fernanda Oliveira, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que o jornal traz, desde os seus primórdios, a defesa da comunidade negra. Um exemplo disso é a edição de 4 de abril de 1934, encontrada na Bibliotheca Pública Pelotense, que traz um editorial intitulado “Negro não é gente em São Leopoldo”. O texto questionava as novas medidas da prefeitura da cidade que proibiam a entrada de negros em uma praça.
Circulando até 1965, o jornal marcou um período de grande movimentação negra na cidade, sendo o porta-voz da Frente Negra Pelotense. Estudos apontam que esse foi o único movimento deste tipo criado no Estado na época. Por sua longa duração, o noticiário está até hoje na lembrança de muitos leitores, como de Rosalina Sacramento. A aposentada de 82 anos conta que ainda carrega recordações da infância e de seu pai levando o jornal para casa. “Como eu estava aprendendo a ler, eu gostava muito”, relembrou.
A Bibliotheca Pública Pelotense conta com exemplares do jornal no seu acervo
Para que a história não seja esquecida
Embora esteja na memória de alguns, parte da comunidade pelotense desconhece a existência do jornal. Fernanda afirma que isso se dá pelo não reconhecimento da importância dele para a cidade. Para mudar isso, neste ano, mais de 50 anos após o fechamento do jornal e na contramão do esquecimento, Jorge Penny, ilustrador e bisneto de Juvenal M. Penny, encontrou uma forma de perpetuar o legado dos fundadores.
Em sete livros, ele narra a trajetória do bisavô e do jornal. O objetivo é manter viva para as próximas gerações a história do periódico que foi alicerce da luta negra em Pelotas. “Mais que uma ideia foi uma necessidade. É importante destacar que a história do jornal ‘A Alvorada’, assim como a origem dos nossos antepassados, eram assuntos totalmente desconhecidos no meu núcleo familiar”, relata Jorge sobre o que motivou o surgimento dos livros.
E ele ainda complementa: “Um pouco por acaso, em 2019, resolvi buscar imagens do jornal ‘Alvorada’. Encontrei um grande número de investigações de historiadores, a maioria da UFPel, com informações valiosas. Em um trabalho da falecida professora Beatriz Ana Loner, estava a verdadeira origem da nossa família, e descobrir a história de Clarinda, minha tataravó, totalmente desconhecida para a família Penny”. Assim, através dos livros, o ilustrador retoma não só a história do jornal, mas também a dos seus antepassados.
A ideia de Jorge é seguir relatando quem foram os seus antepassados e quais foram os seus feitos, na Princesa do Sul. “O mais importante para mim é que as novas gerações da minha família saibam quem foi a tataravó Clarinda, o que aconteceu com o seu marido, que se suicidou por dívidas, e que os seus filhos foram fundadores e diretores do jornal negro mais longevo da história de Pelotas e do Brasil”, finaliza.
Os livros podem ser adquiridos neste link.
Capa de um dos livros Ilustração: Jorge Penny
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