A intensificação dos conflitos assimétricos no Oriente Médio, particularmente entre os dias 9 e 23 de junho de 2025, tem sido marcada pela crescente incorporação de sistemas autônomos letais e dispositivos cibernéticos de interferência adaptativa ao campo de batalha.
Na Síria, especificamente nas regiões de Idlib e Aleppo, conforme registros do Associated Press e da Arab News confirmaram o emprego de drones com padrão de ataque autônomo contra veículos em deslocamento, resultando na morte de pelo menos um civil e ferimentos em outros três (AP News, 2025). A tipologia dos vetores empregados sugere a utilização de aeronaves táticas não tripuladas com capacidade de recalibração de trajetória em tempo real — atributo compatível com a plataforma V2U-L (versão russa modernizada do Lancet).
Paralelamente, no golfo de Áden e no Mar Vermelho, os Houthis intensificaram ataques com drones FPV (First Person View) e mísseis de cruzeiro programados com lógica adaptativa, segundo registros navais da MarineTraffic e relatórios militares sauditas. Termos em que o Departamento de Estado norte-americano acusou formalmente a empresa chinesa Chang Guang Satellite Technology de fornecer imagens de alta resolução a rebeldes Houthis no Iêmen, usadas para orientar ataques contra embarcações no Mar Vermelho — inclusive de interesses americanos. Embora a Chang Guang negue envolvimento, a gravidade desta ação reside na integração entre inteligência espacial autônoma e efetivação de vetores táticos, operando em espectro escalonado dos tradicionais meios bélicos.
No plano da guerra híbrida, foi registrado um aumento expressivo de interferências por meio de ataques por de spoofing e jamming nos sinais GNSS no Estreito de Ormuz e no Golfo de Omã, afetando 928 embarcações, sobretudo próximas a terminais petrolíferos iranianos, comprometendo sistemas críticos de navegação e comunicações marítimas baseadas em satélite (Barlavento, 2025). Spoofing refere-se à emulação maliciosa de sinais GNSS, induzindo alvos a receber coordenadas falsas, enquanto jamming consiste na saturação deliberada do espectro de rádio para interromper ou degradar comunicações e navegação por satélite.
Com o agravamento das disputas no Golfo Pérsico, o representante iraniano, na 110ª reunião do Comitê de Segurança Marítima — órgão subsidiário da Organização Marítima Internacional (OMI) —, em 13 de junho de 2025, acusou Israel de conduzir ataques cibernéticos e físicos direcionados a infraestruturas energéticas diretas no Golfo Pérsico, incluindo o Campo de Gás South Pars, caracterizando-os como violações dos tratados internacionais e ameaças à segurança marítima.
Em caráter preliminar, o Secretário-Geral da OMI, Arsénio Dominguez, aduziu a necessidade de fortalecer a cooperação internacional para mitigar ameaças cibernéticas no ambiente marítimo, recomendando a adoção do Sistema de Intercâmbio de Dados de Frequência Muito Alta (VDES), capaz de operar em frequências alternativas para garantir a continuidade operacional em cenários de interferência intencional, demandando respostas integradas para salvaguardar a integridade das rotas marítimas vitais ao comércio global de energia.
Nesse contexto, a projeção geopolítica para o médio prazo (2025–2032) transcorre um cenário de fragmentação do monopólio estatal sobre a guerra e o surgimento de “coalizões algorítmicas”: agrupamentos informais de Estados e grupos armados que compartilham modelos preditivos, imagens orbitais e plataformas armadas inteligentes como capital estratégico. Infere-se ainda que o controle das operações passa progressivamente a depender da superioridade em inferência autônoma e da capacidade de adaptação cibernética militar em tempo real, deslocando o protagonismo decisório da presença humana para sistemas automatizados. Em consequência disso, a normatividade internacional concebida para regular conflitos sob a égide de atores estatais dotados de controle humano direto, tende a se tornar anacrônica — ou mesmo obsoleta — caso não seja urgentemente reformulada diante de um paradigma bélico em que decisões de “vida ou morte” são delegadas à máquinas ou sistemas automatizados, frequentemente com supervisão humana parcial ou inexistente.
Referências:
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* Vitória de Aquino é pesquisador no LabGRIMA
