O recrudescimento da tensão entre Irã e Israel em junho de 2025 — em uma escalada, que incluiu trocas diretas de mísseis e operações cibernéticas entre Teerã e Tel Aviv — marca um novo estágio de imprevisibilidade no cenário geopolítico internacional.
O continente africano, ainda que distante do epicentro físico das hostilidades, encontra-se próximo de consequências estratégicas, econômicas e diplomáticas dessa crise. Além da retórica diplomática, o conflito afeta rotas comerciais, moedas locais, posicionamentos regionais e os próprios interesses iranianos em solo africano.
Embora o foco esteja no Oriente Médio, as ondas de choque do conflito podem atingir as margens do continente africano. Cadeias de suprimentos críticas — especialmente de energia e alimentos — podem ser seriamente prejudicadas. Portos em países africanos com forte dependência do comércio marítimo do Golfo, como Djibuti, Egito e Quênia, já monitoram possíveis gargalos logísticos, enquanto o custo de transporte e seguro de cargas subiu significativamente durante o vigor do conflito (AFRICANEWS, 2025).
Junto a isso, países africanos são particularmente vulneráveis aos efeitos indiretos desse tipo de conflito, principalmente por dependerem de mercados voláteis e estarem sujeitos a pressões econômicas externas. Enquanto alguns governos buscam manter uma neutralidade estratégica, outros enfrentam crescentes pressões domésticas para adotar posicionamentos claros diante da polarização internacional. Além disso, o conflito acirra a instabilidade nos preços do petróleo e de bens primários, impactando diretamente as balanças comerciais de países importadores líquidos de energia, como Senegal, Ruanda e Tanzânia.
No campo diplomático, a África tem buscado manter um frágil equilíbrio. A União Africana (UA) adotou uma postura prudente, evitando alinhamentos automáticos. No entanto, países como a África do Sul têm assumido posição mais clara, uma vez que o presidente Cyril Ramaphosa pediu um cessar-fogo imediato e o retorno ao diálogo, enfatizando a importância da mediação multilateral e do respeito ao direito internacional, em pronunciamento oficial (THE PRESIDENCY OF SOUTH AFRICA, 2025).
O posicionamento sul-africano não é acidental: trata-se de uma potência regional com motivação diplomática ativa e com interesses em preservar a estabilidade global, dada sua dependência de mercados externos. A valorização recente do Rand, impulsionada por uma percepção momentânea de apetite ao risco nos mercados emergentes, contrasta com a instabilidade generalizada em outras moedas do continente, indicando a complexidade dos impactos econômicos derivados do conflito (REUTERS, 2025).
Por outro lado, o confronto também ameaça minar os avanços iranianos na África. Ao longo da última década, o Irã vinha intensificando sua presença econômica e diplomática em diversos países africanos, como Níger, Mali e Sudão. Esses vínculos, baseados em projetos de infraestrutura, programas de saúde e cooperação técnica, agora podem enfrentar a desconfiança de governos locais pressionados pela comunidade internacional e temerosos de sanções secundárias (THE AFRICA REPORT, 2025). Assim, a resposta africana ao conflito revela uma pluralidade de posturas, mas, em comum, o receio de que o agravamento da guerra traga consequências práticas como o aumento do custo de vida, redução de investimentos e reconfiguração de alianças estratégicas (THE NEW ARAB, 2025).
Num mundo em transição, o conflito Irã-Israel mostra que, mesmo quando as bombas caem longe, as reverberações são sentidas por todos — e na África, elas ecoam nas praças financeiras, nos corredores diplomáticos e nos bolsões de vulnerabilidade socioeconômica.
Referências:
AFRICANEWS. Analysts warn of trade disruptions across Africa as Israel-Iran tensions escalate. 23 jun. 2025. Disponível em: https://www.africanews.com/2025/06/23/analysts-warn-of-trade-disruptions-across-africa-as-israel-iran-tensions-escalate/. Acesso em: 26 jun. 2025.
NEW ARAB. Explainer: How did Africa respond to Iran-Israel conflict? 25 jun. 2025. Disponível em: https://www.newarab.com/news/explainer-how-did-africa-respond-iran-israel-conflict. Acesso em: 26 jun. 2025.
REUTERS. South African rand gains in risk rally before leading indicator, jobs data. 24 jun. 2025. Disponível em: https://www.reuters.com/world/africa/south-african-rand-gains-risk-rally-before-leading-indicator-jobs-data-2025-06-24/. Acesso em: 26 jun. 2025.
RFI. What impact could the Iran-Israel conflict have on the African continent? 17 jun. 2025. Disponível em: https://www.rfi.fr/en/international/20250617-what-impact-could-the-iran-israel-conflict-have-on-the-african-continent. Acesso em: 26 jun. 2025.
SOUTH AFRICAN PRESIDENCY. South Africa urges dialogue to end Israel-Iran conflict. 24 jun. 2025. Disponível em: https://www.thepresidency.gov.za/south-africa-urges-dialogue-end-israel-iran-conflict. Acesso em: 26 jun. 2025.
THE AFRICA REPORT. Will the conflict with Israel scupper Iran’s ambitions in Africa? 25 jun. 2025. Disponível em: https://www.theafricareport.com/386414/will-the-conflict-with-israel-scupper-irans-ambitions-in-africa/. Acesso em: 26 jun. 2025.
THE GUARDIAN. Chaotic 24 hours in Israel-Iran war. 24 jun. 2025. Disponível em: https://www.theguardian.com/world/2025/jun/24/chaotic-24-hours-in-israel-iran-war. Acesso em: 26 jun. 2025.
* Giancarlo Gouveia é acadêmico do curso de Relações Internacionais da UFPEL e pesquisador do LabGRIMA.
