Lula acerta ao não enviar munições à Ucrânia e contrariar Alemanha, diz analista
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe o chanceler alemão, Olaf Scholz, em Brasília na próxima segunda-feira (30), em encontro que ocorre dias após o governo brasileiro se negar a atender um pedido de Berlim para envio de munições à Ucrânia. Especialista ouvido pela Sputnik Brasil acredita que país acerta ao não se envolver no conflito.
O pedido do governo da Alemanha para que o Brasil fornecesse um
lote de munição de tanques Leopard 1 à Ucrânia
chegou até Lula no último dia 20 por meio do comando do Exército. Lula vetou o envio
alegando que não valia a pena provocar Moscou. Essa solicitação demonstrou que o esforço do premiê alemão para
montar um pacote de ajuda na área de blindados pesados a Kiev era mais amplo do que vinha sendo divulgado.
Neste domingo (29), durante viagem de Scholz a Buenos Aires, o presidente da Argentina,
Alberto Fernández, disse em coletiva de imprensa que a América Latina não pretende se envolver no conflito. Além do Brasil e da Argentina,
já se manifestaram contra o envio de armamentos a Kiev países como México e Colômbia — único país latino-americano a ser considerado “parceiro global” da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Para Charles Pennaforte, professor de relações internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA), Scholz deve aproveitar a viagem ao Brasil para insistir com Lula sobre o apoio ao regime de Kiev, mas a resposta deve ser a mesma.
“Com a recusa do Brasil em enviar munições, fica aberta a possibilidade de uma nova tentativa por parte de Berlim. Mas acredito que isso não vai encontrar efeito e receberá a mesma resposta em função dessa característica que o Brasil tem de negociação e não de conflito. Mas isso não impede, logicamente, […] [os] representantes alemães [de] fazerem outros tipos de pedidos”, avalia o especialista.
Pennaforte entende que o Brasil acerta ao buscar não se envolver diretamente no conflito.
“Acredito que o Brasil está mantendo uma postura correta, que vai ao encontro das suas diretrizes tradicionais da política externa brasileira. Ou seja, o Brasil apoia a resolução dos conflitos por meio de paz, e não incentivando ainda mais a beligerância. Na minha concepção, a postura está correta.”
Para o especialista, essa posição de neutralidade favorece uma atuação do Brasil como mediador do conflito entre Rússia e Ucrânia, enquanto o Ocidente segue financiando Kiev. Pennaforte destaca que a trajetória de Lula também reforça esse papel que seu governo pode ter como mediador.
“O Brasil por si só já teria uma postura de levar à frente propostas de paz, mas acredito que o
capital político do presidente Lula ao longo dos dois mandatos, além de ter sido um dos formuladores do BRICS, seja muito importante. Então, de modo geral, talvez Lula possa ter uma capacidade de participar, caso seja chamado, e possa contribuir de alguma maneira para pôr fim a essa guerra no momento”, afirma.
O professor da UFPel destaca ainda que o envio de novos armamentos a Kiev apenas estende o conflito e, além de colocar a Ucrânia em uma situação ainda mais complicada, reforça que o conflito é, na verdade, do Ocidente com a Rússia.
“O envio de armas só prolonga o sofrimento da Ucrânia e da Rússia, e a melhor maneira [de lidar com o conflito] é um acordo de paz negociado levando em conta os interesses estratégicos de Moscou e Kiev. Na minha opinião, a Ucrânia está sendo mais utilizada como uma forma de ataque a Moscou do que realmente na defesa dos interesses nacionais ucranianos.”
O analista aponta que o processo de revigoramento militar da OTAN, com mais verbas, e o aumento da venda de armas provocado pelo conflito “beneficiam principalmente os Estados Unidos”.
Acordo Mercosul–União Europeia
Outro tema que estará na agenda das conversas de Lula e Scholz é o acordo de livre-comércio do Mercosul com a União Europeia. Durante a viagem à Argentina,
o chanceler alemão sinalizou que quer uma assinatura rápida do pacto de cooperação comercial. Para Pennaforte, é interessante que as discussões sejam retomadas, mas os termos do acordo ainda precisam ser esclarecidos para saber onde o Brasil e os demais países podem ganhar ou perder.
“O principal problema é nós não termos acesso às bases reais. O documento, até o presente momento, não é conhecido. […] A ideia de retomar isso é interessante porque, querendo ou não, se chegou a um acordo no governo anterior. […] É uma discussão que não é rápida, que tem que ser tratada realmente com muito cuidado. A Argentina já tem algumas observações que devem ser levadas em consideração, a postura do Uruguai é uma postura natural em função da sua baixa industrialização. […] Para nós que temos minimamente uma base industrial, é preciso levar em consideração certos aspectos. Como o presidente Lula falou, os técnicos têm que sentar e avaliar. O acordo foi assinado, isso é um fato, mas isso não quer dizer que ele vai ser implementado de uma maneira tão rápida como se pensa, porque precisamos descobrir o que tem nesse acordo, e aí, sim, começa a negociação.”