O Partido Comunista da China (PCCh), que completa em julho deste ano seu primeiro centenário, é considerado o principal organismo para o Estado chinês e o responsável pela sustentação das grandes conquistas do país.
Na primeira metade do século XX, sob a influência da Revolução Russa de 1917, grupos revolucionários na China passaram a criar círculos de estudos no interior do país que posteriormente se uniram para formar, em Xangai, um congresso de representantes que criou o PCCh durante o Primeiro Congresso Nacional do Partido ocorrido entre os dias 23 e 31 de julho de 1921.
Desde 1º de outubro de 1949, quando Mao Zedong proclamou a República Popular da China, e o PCCh passou a comandar o “Reino do Meio” (Zhongguó, China em mandarim), o Partido tem sido a base para as transformações chinesas que possibilitaram ao país superar sua difícil situação econômica e social. Um grande passo dado para que a China chegasse ao patamar de grande potência na atualidade foi a abertura para a economia de mercado, estabelecida em 1978 durante o governo de Deng Xiaoping. Apesar de algumas críticas de que, com essa política, o partido teria deixado de lado seus ideais socialistas para seguir a lógica capitalista internacional, foi ela que possibilitou a prosperidade da nação e a melhoria de vida para o povo. Diante disso, o PCCh se fortaleceu, mostrando ser possível encontrar um caminho singular para o desenvolvimento do país: um “socialismo com características chinesas”.
Se pelo lado econômico o país alcançou grandes resultados, o governo chinês nunca permitiu aos chineses proferirem críticas ao regime e a imprensa ainda se mantém cerceada de liberdade já que predomina exclusivamente a mídia estatal controlada por Beijing. Vários jornalistas já tiveram que deixar a China para relatar a dura realidade enfrentada por muitos chineses. Um dos símbolos da repressão é o conhecido massacre da Praça da Paz Celestial que ocorreu em 1989. Até hoje as informações sobre este episódio de violência estatal não são conhecidas pela população .
Apesar dos episódios de repressão, o Partido permaneceu como a máxima autoridade política no país, garantindo que as reformas promovidas visassem o longo prazo e pudessem ser ajustadas até ser possível encontrar a melhor rota para o desenvolvimento do país. Desse modo, as buscas por adequações no processo de transformação chinesa permitiram ao PCCh garantir legitimidade política, o Estado unitário e o crescimento da renda interna (CINTRA; PINTO, 2017). Nesse sentido, a erradicação da pobreza sempre foi uma meta para o PCCh e ao fornecer garantias organizacionais, ações específicas e trabalho duro, conseguiu tirar cerca de 800 milhões de chineses das condições de pobreza até 2020, erradicando a extrema pobreza no país (YANG, 2020).
Ao falar do que seriam os êxitos do Partido, Xi Jinping não pode deixar de ser mencionado. Desde que assumiu o cargo mais importante do partido em novembro de 2012, no 18º Congresso Nacional do PCCh, o atual presidente vem adotando uma governança ainda mais firme. Assim, uma de suas primeiras ações foi intensificar a luta contra a corrupção dentro do Partido (tarefa difícil na qual predomina o partido único), buscando garantir seus princípios e a lealdade dos chineses. O líder também é o responsável pela elaboração da orientação ideológica do “socialismo chinês na nova era” que foi definida como guia para os próximos anos. O pensamento do presidente tem como objetivo transformar a China em um país modernamente próspero em todas as perspectivas e de realizar a revitalização da nação chinesa (JINPING, 2019).
Por outro lado, o governo de Xi Jinping também é identificado como aquele que tem aumentado o poder de controle do PCCh sobre as empresas e passou a monitorar mais seus cidadãos, procurando eliminar oposições políticas. Tais medidas podem ser sentidas com casos de professores que, em 2020, ao criticarem o presidente e o partido, precisaram passar pelo processo de “disciplinarização”. A repressão aos protestos pró-democracia que ocorreram em Hong Kong desde 2019 também é símbolo desse controle. A contenção violenta por parte da polícia, que prendeu mais de 7.800 pessoas, e o ataque do PCCh ao sistema judicial da cidade, acusação feita pelos manifestantes, demonstram o estilo de abordagem utilizada pelo Partido na tentativa de manter as aparências de lealdade do povo chinês (PANG, 2020).
Em retrospecto, o primeiro centenário do PCCh tem a dualidade como característica marcante. Enquanto a China progride, alcançando grandes avanços econômicos e sociais, o regime impõe restrições à liberdade dos chineses. A eliminação da pobreza extrema, o marco histórico da chegada do Rover chinês a Marte, em 2021, e a firme condução no combate ao COVID-19 são demonstrações do papel que o PCCh desempenha na construção da potência chinesa. Assim, podemos apontar que a lealdade do povo chinês ao PCCh, tanto divulgada por Pequim, é devido a enorme melhoria de vida que proporcionaram. Contudo, tal lealdade e nível de satisfação dos chineses para com o Partido devem ser questionadas, dado o nível de controle que é imposto àqueles que têm críticas e insatisfações quanto ao regime e às políticas que são adotadas de maneira vertical.
Referências:
CINTRA, Marcos A. M.; PINTO, Eduardo C. China em transformação: transição e estratégias de desenvolvimento. Revista de Economia Política. 2017, v. 37, n. 2. p. 381-400. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0101-31572017v37n02a07. Acesso em: 24 jun. 2021.
PANG, Jessie. Em maior repressão desde início dos protestos, Hong Kong prende 15 ativistas pró-democracia. Folha de São Paulo, 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/04/em-maior-repressao-desde-inicio-dos-protestos-hong-kong-prende-15-ativistas-pro-democracia.shtml. Acesso em: 27 jun. 2021.
JINPING, Xi. A Governança Da China – Volume I. 1ª ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2019. 568 p.
YANG, Li. Why Do Chinese People Love the Communist Party of China So Much?. Consulado Geral da República Popular da China no Rio de Janeiro. Disponível em: http://riodejaneiro.china-consulate.org/pot/gdxw/t1807336.htm. Acesso em: 24 jun. 2021.
Kássia Schierholt é acadêmica do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e pesquisadora do Grupo de Pesquisa CNPq Geopolítica e Mercosul (GeoMercosul) e do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA) – UFPEL