O Mercosul nasceu área de livre comércio, em março de 1991, em Assunção. Em dezembro de 1995, em Ouro Preto, se tornou uma união aduaneira. Seu aniversário recente ocorreu sem trompas nem clarins, em meio a uma crise de identidade, decorrente de sua trajetória titubeante entre sua dimensão econômica inicial e a crescente ênfase, a partir do novo século, de um perfil político e social.
A face mais visível desse drama hoje são as tergiversações em torno a uma insólita “flexibilização” do compromisso de negociar e firmar acordos coletivamente, como corresponde a um agrupamento dotado de uma tarifa externa comum (TEC), condenado, portanto, a uma “política comercial externa comum”. Como é de praxe, surgem, nesses momentos críticos, manifestações bem intencionadas e protocolares, que pregam o “relançamento” do projeto.
Mais correto seria reconhecer o fraco desempenho institucional do Mercosul, visto pela opinião pública como um projeto mimético da União Europeia, e fazer a iniciativa aterrissar em algo menos ambicioso e mais funcional, como uma área de livre comércio. O que elidiria os problemas negociais atuais, melhor adequaria a tarifa externa de cada país-membro à realidade de sua estrutura produtiva e, de quebra, evitaria futuros impasses, que resultarão das recorrentes fantasias de “soberania com partida” e da previsível retomada das pressões por uma maior harmonização de políticas macroeconômicas, em âmbito regional.
Seria recomendável que essa mudança, se adotada, fosse apresentada como um “aggiornamento”, decorrente da necessidade de cada país-membro em enfrentar, com maior liberdade de ação, os desafios impostos pela revisão em curso das principais estratégias econômicas, pelo retorno de indústrias globais a seus países de origem, pelas ameaças de ruptura das grandes cadeias de valor, pela escassez de recursos decorrente do aumento da ação assistencial do Estado e pelas incógnitas que surgem da crescente mecanização do processo produtivo, com inevitável impacto no campo social.
Isto não implica desprezar as reais conquistas do Mercosul, na área comercial nem político-social. Os foros existentes deveriam ser preservados, assim como os esforços no sentido de concertar acordos de facilitação de comércio, sem prejuízo das iniciativas que empreendamos setores privados de cada país. O importante seria manter o cronograma de reuniões para discussão de temas de interesse comum, no contexto da emergência de uma conflitiva competição entre os EUA e a China e seus reflexos no cenário internacional. A “cláusula democrática” deveria não só ser mantida como poderia ser o modelo para uma futura “cláusula ambiental”, em suporte à agricultura e à qualidade de vida de seus cidadãos. Na expectativa de que, aos 40 anos, se possam entoar odes de júbilo em homenagem ao Mercosul, ao invés deste réquiem encabulado.
Renato L R Marques é embaixador aposentado, negociador do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro Preto, e ex-Secretário de Comércio Exterior