Opinião: Voto obrigatório é democrático

 

por Ronaldo Quadrado

Voto é uma palavra cuja sua etimologia está ligada a religião. Do latim votum é um substantivo que origina-se do verbo vovere, que significa prometer. Daí o voto de castidade, voto de pobreza. Uma promessa feita em nome da fé, oferecer algo em troca da graça divina. Foi na Inglaterra, no século XVI, que a expressão adquiriu seu significado moderno de sufrágio.

Existe uma posição que defende o voto facultativo como sendo uma modalidade eleitoral mais democrática em relação ao voto obrigatório. O voto apenas como direito, não como dever. Pois bem, indo para a seara da realpolitik é fácil perceber os vários malefícios desta pseudo-liberdade. O voto facultativo restringe o processo eleitoral a um seleto grupo, pois não é difícil de imaginar que as atuais promoções contra a política iriam se intensificar para aumentar o nível de descontentamento popular e diminuindo a participação. Com um eleitorado menor os interesses da classe trabalhadora seriam os mais prejudicados, pois atualmente mesmo sendo maioria numérica são eleitos, majoritariamente, representantes das elites com uma participação menor isso se intensificaria severamente.

O voto obrigatório faz com que, em algum momento, o eleitor pense na melhor escolha a fazer, mesmo que de dois em dois anos, mesmo que acabe escolhendo mal, mesmo que escolha o adversário de classe como representante, sempre existe a possibilidade de acertar ou de corrigir o erro na eleição seguinte. No voto facultativo, uma opção errada pode inibir ou desestimular a participação no próximo pleito, não contribuindo para aperfeiçoar a sua escolha. Pode-se correr o risco, também, da legitimidade das escolhas serem questionadas, por falta de representatividade.

O voto facultativo restringe o processo eleitoral a um seleto grupo (imagem: divulgação)

O voto facultativo restringe o processo eleitoral a um seleto grupo (imagem: divulgação)

As eleições para a definição dos novos conselheiros tutelares foram uma demonstração de que em eleições facultativas a força do poder econômico atua com muito mais vigor. Não são raras as denúncias de compra de votos e candidatos que disponibilizam transporte para eleitores, sem contar fraudes de toda ordem. Todo voto é uma relação de interesses quando se opera um pagamento pelo voto e existe um aceite, significa que o acordo está selado ali naquela transação, desautorizando quaisquer cobranças póstumas. Não desejo fazer juízo de valor nas ações em si, mas sim em relação à legislação que é conivente com o abuso do poder econômico e se existe algo pouco democrático, é o dinheiro.

Evidente que as pessoas reclamam de ter a obrigação de votar. Não enxergam na política um motivo interessante para sair de casa exatamente no seu dia de descanso da vida estafante do mundo do trabalho. Mas em época de eleições a discussão política se coloca em evidência mesmo por aqueles que não a fazem em outros períodos e ela pode ser pedagógica.

Na última reforma eleitoral quase todas as providências foram para diminuir o papel da política nas eleições. Até mesmo as propagandas nos espaços públicos foram limitados em nome de um difuso conceito de “limpeza visual”. Não é o voto facultativo que atesta o quão democrático é um modelo de escolha dos representantes, ele é só mais uma estratégia de quem prefere secundarizar ou quem sabe criminalizar a política, sendo esta a única linguagem da democracia.

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