O amor da minha vida sou eu
O quinto mini-álbum do grupo foi lançado em 17 de outubro e traz reflexões sobre o amor e o poder das mulheres
Por Rafaela Stark
O grupo musical sul-coreano (G)I-DLE lançou, no último dia 17, seu quinto mini-álbum “I Love”, o qual tem como carro-chefe “Nxde”. O videoclipe que acompanha é recheado de referências à estrela do cinema Marilyn Monroe, enquanto leva o ouvinte a se questionar sobre o que pensam das mulheres.
Quem são as (G)I-DLE?
Cinco jovens mulheres integram a banda, dentre elas, 2 coreanas, 2 chinesas e uma tailandesa. Cada uma delas possui um posto no grupo, que estreou em 2018, como é tradicional no k-pop. Seu debut foi com “Latata”, single do primeiro mini-álbum “I Am”.
O nome do grupo é composto pelos seguintes significados: o “G” significa menina, mas na pronúncia ele é silencioso, “DLE” é usado como forma plural de palavras substantivas, no caso, “eu”. No geral, o nome representa diferentes meninas reunidas, além de ter a mesma sonoridade da palavra em inglês “idol” (ídolo, em português).
O recente lançamento traz seis músicas que discorrem sobre o amor, seja ele direcionado a terceiros ou a si. É interessante assistir como as jovens conseguem expressar sentimentos como tristeza, angústia e insatisfação através de letras divertidas e provocativas, compostas por elas.
O que os fãs acham de “I love”
Ao serem questionados sobre o que esperavam do álbum, o portal (G)I-DLE BRAZIL, presente no Twitter, admitiu aguardar por algo com personalidade e propósito. O grupo é conhecido por ser auto-produzido, que sempre se reinventam a cada era, trazendo consigo qualidade sonora e novas histórias que precisam ser contadas.
A opinião do fã-clube é dividida com a estudante Nathalia Freitas, 24 anos, grande admiradora do trabalho do conjunto. Ela ressalta que também especulava sobre como o (G)I-DLE iria direcionar o conceito da era para a figura feminina na sociedade, obrigando o ouvinte a refletir sobre como as mulheres estão representadas no momento.
A banda sempre trouxe conceitos fortes para seus trabalhos, a exemplo de seu lançamento anterior “TOMBOY”, em março deste ano. As meninas mostraram seu lado despreocupado com o estereótipo de boa garota que lhes é imposto, afirmando que não irão mudar seu jeito de ser por conta de pressões externas.
Por dentro das letras
O álbum abre com “Nxde”, carro-chefe da era. Com uma melodia em lá menor – escala utilizada em músicas como “Für Elise“, de Beethoven – a líder Soyeon começa a questionar porque o ouvinte “pensa assim” da nudez. A definição do pensamento ronda a imagem negativa que a maioria da sociedade tem sobre a nudez, considerada algo rude e impróprio. Entretanto, segundo elas, é preciso pensar fora da caixa para entender melhor.
Em seguida, Minnie se apresenta como Yeppi, uma gíria coreana para a palavra bonita. A construção dessa estrofe, alinhada com a dança e aparência bela da jovem, transmite a ideia de uma mulher carregada com o estereótipo de “loira burra”, muito boba e dona de um corpo sensual. No entanto, as garotas quebram essa expectativa ao questionar “Você pensou que eu riria? Pensou que eu riria?”.
Com um rap poderoso e confiante, Soyeon fala para quem quiser ouvir que não precisa de nenhum homem, é uma mulher inteligente e bem-sucedida. A declaração decepciona a plateia que a assiste, já que não esperavam nada além da beleza e comportamento submisso. Os presentes vaiam, alegando terem sido enganados por uma mentirosa.
Um estudo sobre atração romântica entre sexos opostos, realizado em 2015 por pesquisadores da Universidade de Buffalo, Universidade Luterana da Califórnia e da Universidade do Texas, atestou que 86% dos mais de 150 homens entrevistados não gostam da ideia de namorar uma mulher intelectualmente superior a eles. Isso se dá devido a sensação de ameaça à virilidade masculina, algo intrínseco na criação dos homens em qualquer sociedade.
Homens tendem a se sentir menos quando expostos a mulheres com mais poder que eles, visto que foram concebidos em um mundo extremamente patriarcal, que coloca a mulher sempre em segundo plano. A (G)I-DLE BRAZIL acredita que “Nxde” trata-se principalmente sobre respeito, como um pedido para quem a escuta.
“Sim, estou nua
Nua (da-da-ra-da-ra)
Sim, estou nua
Nua (não me importo)
Meu bem, como estou? (Sim) como estou? (Sim)
Visto meu eu bonito e da-da-ra-dara
Meu bem, como estou? (Sim) como estou? (Sim)
Visto meu eu bonito e da-da-ra-dara”
Continuando com Soyeon, ela explica ao público que essa não é uma música erótica, pede desculpas sarcasticamente. O bom humor de “Nxde” é um ponto forte, o tempo inteiro da música as jovens desmistificam a imagem que o espectador tem sobre o sexo feminino. A sábia decisão de utilizar a imagem de Marilyn Monroe, maior ícone de Hollywood que completa 60 anos de morte em 2022, merece ser lembrada.
A última estrofe da canção vem como um soco no estômago do ouvinte. (G)I-DLE deixa claro que ama sua nudez, que nada tem a ver com estar sem roupas. Elas recordam que todos nascem nus, e que se há alguma malícia nessa palavra, o tarado é você.
Por que você pensa assim da nudez?
Porque sua visão é tão rude
Pense fora da caixa
Seja honesto
A minha linda nudez
A minha bela nudez
Nasci nua
O tarado é você
Rude
Nua
Os cinco estágios do luto
As integrantes do grupo pediram a seus fãs que ouvissem o álbum de trás para frente, para que assim compreendam a mensagem a ser recebida pelas faixas. A história contada no álbum consiste em um relacionamento deteriorado, que aos poucos revela-se tóxico, até chegar ao seu final. O (G)I-DLE apresenta relutância em admitir que não pode mais levar essa relação adiante.
Essa hesitação pode ser comparada aos cinco estágios do luto, sendo o primeiro, a negação. Em “Dark (x-file)” há uma relação tempestuosa sendo comentada, as meninas sabem que não é saudável continuar com a pessoa em questão, porém elas parecem não se importar. O mais importante é continuar sentindo os pequenos momentos de prazer ao lado do outro, ignorando os problemas e os escondendo, até que deixem de existir.
O corpo se contorcendo loucamente, uma sombra
Arruinando um ao outro como inimigos para sempre
Ponto a ponto novamente
Escurecendo com cada vez menos limites
Mate a verdade
Eu e você
Esse nada
Não pode terminar
Uma relação que não deve deixar nenhum rastro (uma relação que não deve acontecer)
O arquivo X que deve ser destruído (arquivo X)
Esconda-o para que não possa ser encontrado (esconda-o)
A cor do amor sujo é escura (escura)
Já em “Reset”, apesar da melodia serena, o estágio da raiva atinge com força total. Toda a relação é questionada, memórias voltam, relacionadas a algo que elas costumavam fazer antes de se envolverem com a pessoa. Elas começam a dar sinais de que entendem que o relacionamento era completamente prejudicial, que ficar sozinha é melhor do que se submeter a mudar a própria personalidade.
Eu compro presentes para mim
Ficar sozinha é melhor do que eu pensava
Eu tento dizer isso no espelho, mas
O dia que o mar arrebatador afundou minha vida
Eu vou vivendo sem minha respiração
O dia que o vento forte trancou meu coração
Quando esse dia difícil terminará e poderei reabrir?
Contudo, como o final de “Reset” expõe, elas ainda estão apaixonadas e sofrendo, o que as leva a fase de negociação. Em “Sculpture”, o (G)I-DLE propõe adequações em sua aparência e comportamento para deixar o outro contente. Nessa canção é possível notar que, para o indivíduo com quem elas se relacionam, as meninas não passam de algo, não alguém.
Apesar de admitirem em outras faixas que não gostam de como o namoro estava sendo conduzido, elas estão dispostas a barganha, em troca de amor. No entanto, esse afeto não é dado em sua forma mais pura, ele é oferecido como objeto, algo superficial, e até mesmo doloroso.
Olha aqui, olha, eu
Vou me adequar a tudo em você e tudo o que disser
E serei desenhada assim, em troca
Eu quero ser amada loucamente
Mesmo que eu me torne sua escultura
Até a dor de ser raspada aos poucos
Está tudo bem, eu sou sua escultura
O quarto estágio, depressão, é o mais difícil. Quando as meninas trazem “Change”, a melodia mais fora da curva em relação ao resto do álbum, o ouvinte sucumbe à melancolia. As jovens têm um momento de conversa consigo, no qual analisam onde estão e o porquê de estarem ali.
A saudade da vida que tinham antes – talvez da fama – é trazida para a conversa, assim como o desejo de não se sentirem mais tristes e desanimadas. Elas demonstram estarem deprimidas, insatisfeitas com o que tem, que mesmo parecendo ser um sonho ter fama e dinheiro, ainda não é o suficiente para a felicidade plena.
É a vida que sempre sonhei
E a vida na qual o sonho desapareceu
Mais quantas coisas incríveis preciso ter
Para ser feliz? Me pergunto esta noite
Amor e fama
Parecem ser o suficiente
Quando a realidade não é tão bonita
Lágrimas e dor
São coisas que eu nunca mostrei
Ninguém sabe, ninguém sabe, ninguém sabe
Essa faixa também pode ser vista com uma carta de amor aos fãs, conhecidos como “Neverland”, terra do nunca, em português. O (G)I-DLE destaca o carinho que tem recebido de sua fanbase, que as apoiam acima de tudo. Ao fim da canção, elas afirmam que querem viver a vida em sua totalidade, aproveitando cada minuto.
O quinto e último estágio do luto é a aceitação. Com “Love”, as garotas debocham do ex-namorado, que ainda olha o perfil delas nas redes sociais e espera uma volta na relação. Extremamente seguras, as cinco se gabam das conquistas e do sucesso que alcançaram. Elas citam “Tomboy”, seu lançamento anterior de grande sucesso, enquanto dizem que o ex-namorado irá ouvir “Nxde”, incitando o sucesso inevitável que a faixa alcançaria.
Neste momento, não importa o quanto eu já te amei, eu já esqueci disso
Agora sou incrível, eu me sinto louca
Encontrei uma vida maravilhosa
Eu sinto que eu me apaixonei por mim mesma
Queria casar? Era uma loucura
O fato de eu querer viver um amor maravilhoso
Aquilo realmente foi uma loucura
Obrigada, quebrando o amor
(Amor, amor, amor, amor, amor, amor)
Sou sortuda por ter perdido o amor
A canção grita, para quem quiser ouvir, que essas jovens não precisam de ninguém para se autoafirmar, para amá-las, porque elas finalmente descobriram que o maior amor que poderiam sentir é o amor próprio. Elas estão confortáveis em suas posições e com o que tem, pois é mais que o suficiente.
Por fim, pode-se adicionar um sexto estágio, a libertação, que tem como representante “Nxde”. A música, como citada acima, vai além da superfície, trabalha os preconceitos do ouvinte e o convida a refletir. Da mesma maneira, o álbum aprofunda essa reflexão.
A lição de “I love”
Quando o disco termina, há uma sensação de querer mais, uma necessidade de ouvir mais, não porque ele é incompleto, mas porque é bom. As melodias são interessantes e diferem umas entre as outras, as letras apresentam profundidade e provocações. O (G)I-DLE sabe em quais feridas jogar álcool, não só na sociedade coreana, mas a de qualquer lugar.
O convite para pensar fora da caixa está feito, tal como o convite para ouvir um ótimo trabalho musical também está.