Grandes obras não surgem da quantidade, uma crítica de Rebel Moon

Com muitas inspirações, a primeira parte de Rebel Moon chegou na Netflix no dia 22 de dezembro cheio de promessas e expectativas. Será que elas se sustentam nessa primeira parte da trama?

Por Tobias Bernardo / Em Pauta

Muitos criadores de universos passam anos focados em pesquisas quase intermináveis sobre os mais diversos aspectos que ajudem a gerar um mundo criativo, profundo e curioso. E esses mundos, quando bem apresentados, nos fascinam pelas suas histórias memoráveis com personagens inesquecíveis. Dos planetas sublimes localizados em uma galáxia muito, muito distante de Star Wars de George Lucas, aos pequenos Hobbits do Senhor dos Anéis de J.R.R Tolkien, somos levados pelas histórias das personagens que vivem ali, são elas que alimentam esses mundos e nos cativam a reconhecer os anos de vida que os autores colocaram nesse universo. Mas o que isso tem a ver com Rebel Moon – Parte 1: A Menina do Fogo (2023)? 

Pôster de divulgação de Rebel Moon. Foto: Reprodução/Netflix

Em diversas entrevistas com o diretor e corroteirista, Zack Snyder, são mencionados os 30 anos de envolvimento dele com a criação dos planetas, lugares e história geral de um universo que, originalmente, deveria ser uma continuação de Star Wars. E isso pode nos levar à errônea ideia de que com tanto tempo para maturar uma ideia, o, supostamente aclamado, diretor seria impecável na execução de algo que ele conhece tão bem. Infelizmente, nem o tempo e nem o dinheiro levantado para a produção deste e da sua sequência (166 milhões de dólares de orçamento) deram conta de elevar a obra a qualquer patamar que não fosse o da pura incompetência.

Rebel Moon conta a história de Kora (Sofia Boutella), que ao ter sua colônia de fazendeiros ameaçada pelo império da Terra Mãe, lideradas pelo tirano Balisarius (Fra Fee), se vê obrigada a pegar em armas mais uma vez e reunir um time de renegados para proteger os inocentes deste terrível governo ditatorial. 

Fica aparente que o roteiro foi inspirado por clássicos como Seven Samurai (1941) de Akira Kurosawa – no qual samurais devem se juntar na tentativa de proteger um povo, até então, indefeso – e Star Wars (1977) – onde uma batalha contra um império autoritário que domina grande parte da galáxia motiva grande parte da trama. Contudo, se no clássico japonês temos debates sobre honra, glória e violência, e no épico sci-fi norte-americano uma trama política interessante que levanta questões sobre autoritarismo e movimentos revolucionários, aqui nós vemos um aceno (longínquo e desfocado) a qualquer um desses temas. Rebel Moon bebe de diversas fontes, mas não sabe o que faz delas grandes obras, não entende (ou cinicamente ignora) quais são as motivações por trás dos seus debates, e acaba os resumindo a lutas clichês em cenários pouco convincentes.

Além de genérico em sua essência, o roteiro peca em não conseguir apresentar de maneira interessante um personagem sequer, deixando tudo “largado” com diálogos tão expositivos que arrepiam de vergonha alheia. O time de heróis do longa é tão profundamente desinteressante quanto às suas respectivas (e vagas) motivações. A cada novo personagem introduzido somos forçados a questionar o porquê do súbito interesse dele/a com a trama, como eles se relacionam entre si e – para mim a pergunta mais importante – por que devemos nos importar com tudo isso? As duas linhas mal escritas de diálogo que chamamos nesse filme de personagens não são melhores que protótipos de fichas que algum pré-adolescente escreveu para uma mesa, de primeira viagem, de algum RPG de mesa interpretativo.

Grupo de heróis de Rebel Moon. Foto: Reprodução/Netflix

E, como se não bastasse, a estética visual do Snyder custa para colaborar com a película. A tão falada obsessão do diretor com o efeito de slow motion aparece repetidas vezes no longa, carente de qualquer motivação lógica. O efeito na lente, usada em praticamente todos os 134 minutos, possui um desfoque radial que irrita o olhar e distorce os planos de maneira irregular. A iluminação de estúdio favorece a artificialidade dos cenários, o que não seria um problema se qualquer outro pilar do filme desse algum propósito para a sua existência. 

O esvaziamento narrativo em troca de uma estética nos mostra outra tendência marcante do diretor-corroteirista, uma percepção visual que se esforça o tempo todo para ser descolada, mas acaba reforçando uma gama de pontos negativos. Seja o que falta na idealização dos planos e sequências, falta na edição de cor, falta até na escolha das músicas, tudo acaba ficando pelo caminho em prol de uma grandiosidade que tenta se sustentar no nome de uma estrela que já não brilha a mais de dez anos.

Como filme que marca a apresentação de um universo que se propõe a ser uma das novas caras da Netflix, fica muito a desejar. Podemos colocar 30 anos, 3 línguas, dezenas de espécies e povos em um mundo, mas sem uma obra cativante, todos esses gigabytes de informação carregados por centenas de horas de trabalho colaborativo viram poeira estelar no infinito, e em constante expansão, universo que chamamos de sétima arte. São duas horas e quinze de décadas investidas em… nada…

E de tudo isso me resta perguntar: se você pudesse ser um diretor, Snyder, qual você seria?

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