Da periferia para a área nobre

Conhecido por seus polêmicos papéis recriando estereótipos da mulher negra da periferia, o ator e escritor Rodrigo Sant’Anna traz a sua comédia escrachada para as telas da Netflix com “A Sogra Que Te Pariu”.

Por Sarah Oliveira

 

Elenco de A Sogra Que Te Pariu. Foto: Netflix/Reprodução.

 

A mais nova sitcom brasileira da Netflix conta a história de Dona Isadir, moradora do bairro Cachambi no Rio de Janeiro, que no início da pandemia vai morar na casa do seu filho Carlos (Rafael Zulu), em um condomínio de luxo da Barra da Tijuca, área nobre do Rio. Depois de quase um ano e meio vivendo com a família, Carlos e sua esposa Alice (Lidi Lisboa) decidem que já está do que na hora de Dona Isadir voltar para o seu apartamento, mas ela não quer sair de lá tão cedo – e é aí que começam as trapalhadas para evitar a sua volta para casa.

Inspirado pela própria mãe para criar a série, Rodrigo Sant’Anna revive mais uma vez o seu tipo de personagem de maior sucesso: a mulher periférica. Durante anos Sant’Anna fez sucesso na TV com as suas personagens caricatas, que muitas vezes extrapolavam os limites do humor por meio de uma produção realizada através do ‘blackface”. 

Adelaide vs Rodrigo

O ‘Blackface” é uma prática racista de caracterização que surgiu logo nos primórdios do cinema no final do século XIX e início do XX, onde um artista – geralmente uma pessoa branca –  pinta o rosto e corpo em tons de marrom ou preto para se fazer passar por uma pessoa negra na indústria do entretenimento. Com intuito de ridicularizar a comunidade negra, esses atores utilizavam os ideais racistas de que são pessoas de comportamento violento, malicioso, mau-caráter, entre outras concepções, para realizar as suas performances. Além da pintura, perucas de cabelos cacheados, trançados ou de penteados afros, uso de próteses de aumento de busto e quadril – enfatizando a sexualização do corpo negro -, imitação de traços faciais, tais como boca e nariz, através da maquiagem, também são utilizados para complementar a caracterização.

Após diversas denúncias desde 2012 por sua personagem Adelaide – uma senhora negra e pobre que vagava pelo metrô como pedinte -, Sant’Anna repaginou os seus personagens, mas, apesar de não possuírem mais resquícios de blackface, eles ainda sim podem ser ofensivos pelo o que ainda resta de sua caracterização e pela maneira estereotipada que são interpretados.

Caracterização de Tô de Graça. Foto: Multishow/Reprodução.

Ao saber que uma nova série do ator estava em produção, a primeira coisa que se esperava – além do humor pastelão muitas vezes sem graça – era a continuação da propagação desses estereótipos, que de fato estão ali, só que dessa vez um pouco mais suavizados, realistas e até mesmo conscientes.

Desta vez, para dar vida à Dona Isadir, o ator utilizou próteses mais condizentes ao seu corpo, mas que ao mesmo tempo pudessem representar o corpo de uma idosa cuja postura já está um pouco debilitada. Diferente das outras vezes, a única prótese facial utilizada é uma dentadura simples, tendo o resto da caracterização complementada pelo figurino e por uma peruca sem tantos exageros.

Apesar de ter uma postura de uma mulher ousada, intrometida e um pouco leiga em determinados temas, Isadir, que é uma professora aposentada, possui boas falas repletas de críticas sociais e políticas, além de uma visão levemente feminista quando aborda alguns temas cotidianos, principalmente aqueles em que discute com sua neta Márcia.

 

Com um roteiro repleto de piadas que funcionam e outras que não funcionam, a produção brasileira é praticamente igual a todas as outras sitcoms existentes, tendo como seus únicos fatores inovadores as inúmeras referências à cultura pop brasileira, que, coincidentemente são os momentos mais prováveis de arrancar risadas do espectador, junto com algumas enquencras mirabolantes de Isadir e sua melhor amiga Fátima e o final de temporada totalmente inesperado e divertido.

Rodrigo caracterizado como Dona Isadir na série. Foto: Helena Barreto/Netflix.

Com convidados celebridades da TV, da música e da internet, “A Sogra Que Te Pariu” é uma produção rasa para ver sem nenhum compromisso ou medo de perder alguma parte importante, porque ela realmente não tem nenhuma. É a série perfeita para deixar rolar na televisão enquanto faz alguma tarefa do seu dia, nem que seja apenas para ter algum barulho na casa.

A mais nova série brasileira da Netflix, “A Sogra Que Te Pariu”, traz o comediante Rodrigo Sant’Anna mais uma vez na pele de uma caricata mulher periférica, mas pelo menos dessa vez sem tantos exageros.

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