Abril Azul e a importância do combate à estigmatização do autismo

No mês da conscientização do Transtorno do Espectro Autista (TEA), compreender essa condição e visibilizar pessoas que a possuem é um degrau fundamental na evolução para a inclusão social

Por Maria Eduarda Lopes / Em Pauta

O Transtorno do Espectro Autista (TEA), ou mais conhecido simplesmente como autismo, é um conjunto de desordens do desenvolvimento neurológico, podendo estar presentes desde o nascimento ou começo da infância. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5, de autoria da Associação Americana de Psiquiatria, quem está dentro do espectro pode apresentar manifestações comportamentais, déficit na comunicação e interação social, padrões restritos e repetitivos de comportamentos e hipo ou hipersensibilidade a estímulos sensoriais.

Em sua maioria, as pessoas com o transtorno partilham dessas dificuldades. Entretanto, cada caso é afetado de diferentes formas e com diferentes intensidades, o que cria situações muito particulares. Não havendo cura, apenas o tratamento, são condições permanentes que acompanham todas as etapas da vida.

Caminhada Azul 2023 realizada no Calçadão de Pelotas e organizada pela Amparho. – Foto: Divulgação/Amparho

Justamente pelo TEA se tratar de um espectro, foi necessário classificá-lo em níveis. Os três níveis são caracterizados a partir da gravidade e necessidade de suporte, sendo ele requerido substancialmente ou de maneira mais leve. E seus tipos diferem, como o Transtorno Desintegrativo da Infância, considerado o mais grave, e a Síndrome de Asperger. A última, era antes vista como um transtorno separado, mas graças à evolução de estudos e pesquisas científicas, atualmente costuma-se chamar de Autismo Leve ou Autismo nível 1.

As causas do Transtorno do Espectro Autista ainda são desconhecidas. Evidências apontam que não há uma causa única, e sim a interação de fatores genéticos e ambientais, como a predisposição genética ou impactos externos ao feto em formação. Os primeiros sinais de alerta no neurodesenvolvimento podem ser notados em bebês nos primeiros meses de vida, estabelecendo-se o diagnóstico por volta dos 2 a 3 anos de idade. A prevalência é maior no sexo masculino, ocasionando o diagnóstico tardio para mulheres, por conta dos próprios manuais serem baseados em características mais masculinas.

O diagnóstico é essencialmente clínico, feito a partir de observações diretas de comportamento e entrevistas com pais ou cuidadores, podendo incluir o teste com escala M-CHAT, uma escala de rastreamento com objetivo de identificar traços de autismo em crianças de idade precoce. A confirmação permite que o indivíduo receba um tratamento adequado de acordo com as particularidades de seu quadro, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e bem-estar.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 2 milhões de brasileiros são autistas. Os dados desatualizados influenciaram a comprovação deste número, quando pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), colocou o autismo no radar de estatísticas do censo demográfico de 2020, que foi adiado para 2022 por conta da pandemia do COVID-19.

Surge então o Abril Azul, uma campanha em prol de conscientizar a população e difundir informações sobre o transtorno, assim como levantar discussões e reflexões sobre preconceitos e estereótipos e buscar a melhor inclusão dos autistas na sociedade. Neste ano, comemoramos pela 16ª vez o mês da conscientização mundial, criado em 2007 pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Quando criado, há quase duas décadas, a conjunção de conhecimento da sociedade sobre o TEA era diferente. É por isso que muitos ativistas autistas apresentam algumas críticas ao Abril Azul. Por exemplo, buscam normalizar o uso do símbolo com a forma do infinito que englobe as cores do arco-íris para relembrar a diversidade, não só dos espectros do autismo, mas da diversidade de raça, identidade, gênero e sexualidade. Segundo eles, é necessário enxergar o autista além do estereótipo da figura branca, masculina, pura, genial e infantil.

Mateada 2023 organizada pela Amparho. – Foto: Divulgação/Amparho

O preconceito e o estigma existentes contra o autismo surgem a partir da falta de informações sobre o transtorno, e pode dificultar muito a vida de quem o possui. Muitos acham que a criança ou o adulto diagnosticado possuem limitações que, na verdade, não existem, e se existem, por outro lado há muitas outras qualidades. Pela falta geral da capacitação de lidar com o assunto, infelizmente, são feitas muitas discriminações.

Em Pelotas, o Centro de Atendimento ao Autista Dr. Danilo Rolim de Moura e a Associação de Amigos, Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico (Amparho) já existem há anos na cidade e prestam auxílio para a comunidade.

A Amparho atende pessoas que possuem ligação com alguma criança ou adulto autistas, além de arrecadar alimentos e roupas e disponibilizar atendimento psicológico e médico. Apesar de oferecerem um plano mensal para associados, todo o trabalho é feito voluntariamente.

Josiane Schlatz, diretora da Associação, relata para o Em Pauta os obstáculos sofridos pelos familiares: “Nossa maior barreira, com certeza, é o preconceito e a falta de políticas públicas voltadas para os autistas. Nós lutamos muito pela inclusão, principalmente nas escolas. Nunca houve um número tão crescente de mães querendo tirar seus filhos de escolas regulares, para colocá-los em escolas especiais, ao ver que a inclusão não é exatamente isso que está no papel”.

Segundo a voluntária, existe muita dificuldade sem uma rede de apoio, e muitas famílias não possuem acesso a centros de atendimento. A cada ano, o número de diagnósticos aumenta, além dos diagnósticos tardios. “Às vezes os pais, por falta de informação, por falta de conhecimento, acabam descobrindo já muito tarde o autismo, e quanto mais precoce for a descoberta, mais chances de ter a vida praticamente normal”.

“Nós trabalhamos muito, não só agora no mês de abril, que é quando as pessoas se voltam a olhar para nós, mas queremos ser vistos todos os dias”, disse ainda.

Já o Centro de Atendimento ao Autista Dr. Danilo Rolim de Moura é vinculado à Secretaria Municipal de Educação (SMED) e oferece atendimentos a alunos de escolas regulares ou universidades, orientando e prestando auxílio também às famílias. Atualmente, atende aproximadamente 550 pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista.

Prédio do Centro de Atendimento ao Autista. – Foto: Gustavo Mansur

Adriana Bastos, coordenadora pedagógica, explica mais sobre os tipos de estigmas enfrentados pelos autistas: “As pessoas com o transtorno, ao longo da história, precisaram lidar com os estigmas inicialmente em relação ao próprio diagnóstico. Hoje em dia, muitos são os desafios, e um deles é o capacitismo. Sabemos que pessoas com TEA tem grande potencial, habilidades diferenciadas, mas precisam de oportunidades e de quem acredite no seu potencial. Elas podem estar em todo lugar, onde elas desejam estar”.

As estimativas apontam uma grande demanda por auxílio, devido ao aumento gradativo de casos. Adriana relata sobre o caso do Centro de Atendimento: “Percebemos essa demanda na prática. Quando o Centro foi inaugurado em 2014, 58 pessoas com TEA eram atendidas. Em nove anos, ultrapassamos 550 pessoas, com expectativa de até o final do ano chegar à capacidade máxima do local, de aproximadamente 600. Esses números crescentes nos dão indicativos da necessidade de ampliação de atendimentos em todos os lugares, não somente na área de educação, mas também na área de saúde e assistência social”.

A Amparho localiza-se na Rua Senador Mendonça, 151, e o Centro de Atendimento ao Autista Dr. Danilo Rolim de Moura na Rua Gen. Argolo, 1801. 

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