Abra a cabeça e conheça Ruptura

Por Felipe Boettge

Imagine ter a chance de dividir sua vida e memórias em duas, dividir-se entre trabalho e lazer. Passar da porta de sua empresa e em um piscar de olhos, já estar saindo novamente de volta a sua casa. Sem levar nada de casa pro trabalho e nem do trabalho para casa, na Lumon, os empregados ganham essa “dádiva”. É com essa premissa que Ruptura, uma das melhores séries de 2022, introduz sua trama durante sua envolvente e misteriosa primeira temporada.

Exibida e produzida pela Apple TV, a série foi criada e roteirizada por Dan Erickson, com o comediante Ben Stiller como diretor em uma boa parte dos 9 episódios. Misturando uma simples comédia de escritório com uma intrigante ficção científica, Ruptura propõe e extrapola essa ideia usando do nosso desconhecimento, e dos personagens também, sobre o que está acontecendo para guiar a narrativa durante uma estranha aventura pelo labirinto que os corredores da empresa se tornam em meio ao desconhecer.

Pôster de Ruptura / Reprodução: Divulgação/AppleTV

Dessa forma, acompanhamos Mark S, um homem simples e enlutado que perdeu recentemente a esposa. Envolto pela dor da perda, não consegue mais cumprir seu papel como professor e encontra na Lumon, uma oportunidade de suprimir sua dor. Entretanto, entramos no seu trabalho e conhecemos as horas que ele escolheu não viver. Conhecendo o seu Eu do trabalho, uma pessoa que do Mark só tem o seu nome. Sem saber nada sobre sua vida exterior, ele tem ao lado de seu melhor amigo do trabalho uma vida empresarial normal, fazendo piadas no escritório e sem se preocupar muito com o que pode ser sua vida fora de lá. Porém, tudo muda quando conhecemos Helly R, a nova empregada e que desde o primeiro momento não concorda em trabalhar lá e cria um enorme problema para seus superiores e para a sua Eu de fora do trabalho. O que fazer quando seu outro eu não quer trabalhar onde você escolheu? 

Mark S, Helly R e seus companheiros de trabalho / Reprodução: Divulgação/AppleTV

É a partir dessa problemática que a série se desenvolve, mostrando os personagens com suas versões dentro e fora do trabalho e suas diferenças, trazendo questionamentos para além do ambiente do trabalho, como quem é realmente você? Mesmo sem todas suas memórias pessoais, você ainda é você? Se um Eu do trabalho pedir demissão, ele está se matando?

Questões essas que enriquecem todo o desenvolvimento da série e valorizam um muito bem definido suspense que parece arrastar o telespectador pelos episódios de uma forma que é difícil não se deixar levar.

Com uma segunda temporada já confirmada, a série possui um trunfo que a permite satisfazer tanto quem prefere a maratona quanto espaçar os episódios, já que consegue tanto nos prender em sua história quanto criar bons ganchos para que os acontecimentos sigam na nossa cabeça até o próximo episódio. Sendo as duas formas igualmente eficientes, a segunda me parece mais eficaz para a proposta da série. Tirar um tempo maior para pensar sobre o que está acontecendo a cada episódio e nos temas e reflexões que a série propõe permitem que ela seja montada e desmontada várias vezes e ganhe um sabor diferente para cada um que a pensa e assiste. 

Helly R no primeiro dia na Lumon / Reprodução: Divulgação/AppleTV

Dentre vários aspectos que tornam a série diferenciada, o mais interessante para se ressaltar é a forma com que tornam o prédio da Lumon e os corredores a principal forma de incomodar tanto os personagens quanto quem assiste a série. Corredores que parecem sem fim, curto e totalmente brancos parecem sufocar a cada momento em que presenciamos alguém correndo, caminhando ou dobrando uma esquina dentre eles. Mas que possuem um contraponto interessante, na sala de trabalho dos personagens, onde o chão é verde e a decoração traz um ar mais amistoso. Durante a maior parte da temporada, a série parece brincar pouco com o uso de luzes e sugar tudo que pode dessa sensação que os corredores podem trazer. Entretanto, usa muito bem uma cena onde as luzes piscam em várias cores para causar um dos momentos mais agoniantes do seriado.

Os empregados da Lumon olhando para seu supervisor / Reprodução: Divulgação/AppleTV

Sendo assim, a série já foi inteiramente lançada e é o início de um grande mistério que é introduzido e entenderemos melhor nas próximas temporadas. E por isso, é importante controlar a expectativa a respeito de respostas, Ruptura não pretende entregar tudo que desejamos de uma vez só e sim colocar o telespectador dentro desse enorme labirinto que é a Lumon e suas intenções. É com as preocupações certas e as perguntas ideias deixadas no ar que é entregue um dos melhores anos iniciais que se pode ter em um seriado de televisão. 

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