Veiiga e a cena artística independente da região sul

Jovem pelotense conta como começou nos ramos da música e artes visuais, além das suas aspirações       

Por Rafaela Stark e Sarah Oliveira      

 

João Veiga tem apenas 21 anos e já trabalha com arte há sete           Foto: Acervo pessoal

 

A cena artística pelotense cresce cada dia mais. Personalidades como a drag queen Myah Michele e a cantora Julie Schiavon vêm ganhando destaque por seus trabalhos. Em abril, o Festival Cabobu voltou após duas décadas de hiato e movimentou a cidade com muita música. Os artistas enfrentam longas jornadas até se tornarem grandes nomes na cidade, caminho o qual Veiiga já está trilhando com sua música ambiental, produção e design para trabalhos sonoros.

Natural de Pelotas e com recém completados 21 anos, Veiiga – nome artístico que João Veiga assina – se reconhece como artista desde criança, quando passava boa parte de seu tempo desenhando. Para ele, a arte era “meio (que uma) correnteza, uma coisa leva a outra e não tinha como não seguir”. E foi a partir de 2016 que passou a levar a sério a sua vocação no ramo. Depois de se encontrar nos desenhos, Veiiga descobriu uma nova veia artística: a música.

A ideia de começar uma carreira musical surgiu junto com a vontade de produzir um álbum de covers, por não ter muita confiança em seu talento para compor. Mas ao chegar no estúdio de gravações de um amigo, o mesmo lhe explicou que o tempo e trabalho gasto na produção de um cover era maior do que se ele investisse todo o seu foco em algo autoral. E, mesmo com receio, ele fez. “Eu comecei […] não era bem assim que eu imaginava, mas depois que eu entrei no pique, fui querendo aprender mais, a produzir e fazer outras coisas parecidas, e entrei já de cabeça,” lembra João.

Da criação à distribuição, a saga de um artista que enfrenta a produção musical

Quando o assunto é o processo de criação das faixas, Veiiga expõe que tudo é um processo natural e “de boa”, como ele mesmo diz. Tudo começa com ideias aleatórias que surgem durante o dia, a qualquer momento.

“Depende muito, há músicas que vou levar mais a sério, que irei trabalhar mais e colocar mais sentimento e esforço nela. Tenho uma ideia, por exemplo, de uma letra, então eu anoto. Normalmente eu pego um dia na semana para focar nela, utilizo algum instrumental pré-pronto que eu tenha guardado e vou juntando com outras ideias, pensamentos que vêm na hora. O sistema de rimas é assim, é muito do que vem na hora. É meio que tudo junto: uma ideia do dia a dia, uma ideia que se tem na hora do banho [risos]. É um processo bem de boa. Geralmente eu não escrevo uma letra inteira, vou juntando trechos que imaginei e formo a composição. Colocando o sentimento para fora, sabe?”

Já sobre a preparação para o lançamento dos seus trabalhos, João explica que é algo técnico para ele, de praxe. Ele gosta de fazer as artes que servirão de capa para as canções. “Nem sempre desenho, utilizo a técnica da colagem também. Para mim, uma música tem que ter uma arte.”

 

Criação do single ‘Narusawa’, de 2023        Imagem: Veiiga

 

Esse mesmo processo quando feito com outras pessoas pode sofrer algumas alterações e alguns – pequenos – ruídos de comunicação. Por trabalhar como produtor com artistas da região e de diversas partes do Brasil, é normal haver divergências, já que nem sempre as duas partes estão no mesmo contexto. Apesar disso, tudo é passível de resolução, e a colaboração musical prevalece. Também é por meio dessas parcerias que novos contatos são feitos e outras acontecem. Quando perguntado sobre como conheceu artistas espalhados pelo país, João conta que tudo começou através de uma pessoa: “Minha amiga Luana me apresentou para outra, a Mari, e ela já tinha outros contatos e em menos de dois anos, já conheci muita gente. Fui expandindo meu círculo assim. Participei de alguns coletivos artísticos que já se desmembraram, e, aos poucos, fui encontrando os meus.”.

A arte inspira e ajuda a criar

João conta que se inspira em muitos artistas do meio para produzir suas obras. Em nível internacional, o conjunto Shed Theory chama atenção: “É um pessoal que faz uma música bem misturada, alternativa, até ambiental, eu diria”. Ele relata que, pelo grupo ter muitos membros, eles trazem ideias diferentes, que funcionam unidas. “Alguns curtem mais rima e outros mais canto, então acho que traz uma perspectiva bem distinta, autêntica, o que me inspira bastante”, diz Veiiga.

Além da Shed, seus próprios amigos o influenciam: “A banda Bliss Compound tem um estilo que me atrai muito, já trabalho com eles e vejo neles muita autenticidade, gosto de atuar com gente que me inspira.”

Ao falar das artes visuais, a jovem artista Xeylao vem à sua mente. João justifica que a maneira como ela trabalha o azul em suas produções foi o que lhe cativou. A artista utiliza diversos materiais para produzir, pintando em tecidos e até azulejos. A questão dos tons de azul é explorada por Veiiga, que se identifica com a cor, dizendo que ela traz conforto. Provavelmente, por esta razão, ele adora tanto o trabalho de Xeylao.

Voltando aos amigos, o designer e produtor Ultrasensíveis também é fonte de inspiração para ele. O músico destaca a arte do amigo como original, clássica e bela.

 

O azul: uma das cores dominantes no trabalho do artista   Imagem:Veiiga

 

Na ponta do lápis e do mouse

Em sua música, João também insere os seus designs, mais especificamente nas capas de seus singles. Quando a produção da música acaba, ele se volta para a arte de seus singles e, neste momento, ele também experimenta um pouco mais da sua liberdade poética como artista.

Mesmo gostando de fazer os seus designs do zero, tanto à mão quanto digitalmente, Veiiga utiliza do seu universo e gênero musical underground para criar ilustrações mais alternativas. Elas oscilam entre os seus desenhos e as colagens de imagens com aplicações de efeitos e filtros, para também dar o seu toque pessoal de originalidade. Um exemplo disso é uma de suas capas em que ele fez referência a uma sequência de um filme. “Esses tempos, eu cheguei a desenhar uma cena de um filme e desenhei só as linhas e coloquei ela em cima de uma outra arte, só para referenciar o filme. E quem ver (a arte) e já viu o filme vai reconhecer e saber que tem alguma coisa (do longa) aqui.”

Outro momento em que os seus dois mundos se encontram é quando colabora com outros artistas. Além da mixagem – momento que designa como “quando a mágica acontece” -, sua outra parte favorita é poder criar a parte visual das capas dos singles. Quando fala de trabalhar com os seus dois ramos artísticos, João diz que, por ser de um gênero mais variável – o underground – e de fácil transição entre outros estilos musicais, existe uma maior afinidade em utilizar instrumentos diferentes e outros elementos de diversos outros gêneros para criar o seu próprio, sem deixar de pertencer ao seu estilo alternativo. Para ele, a arte se cria a partir da música, com os sentimentos que ela traz.  

Nem tudo são flores

Por mais que João ame o que faz e encontre prazer nele, ainda há partes desanimadoras. Ao ser questionado sobre os maiores desafios para o ramo, o artista fala de invisibilidade. “São poucos os espaços que abraçam esses artistas. Aqui temos uma cena forte de DJ e Rap/HipHop, mais clássico e tradicional, mas para por aí”, diz.

Veiiga também menciona que alguns amigos pelotenses até têm um certo reconhecimento virtualmente, mas não chegam a ir para festas, eventos culturais e outros lugares físicos. Há algumas tentativas de ampliar a cena, eventos pontuais e pequenos tentam trazer mais artistas para se apresentarem em “pocket shows”, que duram cerca de 30 minutos. Mas a falta de espaços é o principal fator a complicar a ascensão dos talentos.

“Somos artistas autoproduzidos, fazemos tudo por nós mesmos, mas eu gostaria de ter essa porta aberta, esse espaço para divulgar o trabalho e expandir o repertório junto ao público”, declara João.

O que o futuro guarda

 

Para João, se reinventar é essencial enquanto artista  Foto: Acervo Pessoal

 

Ainda que esteja no âmbito artístico há consideráveis anos, João está só começando. Como todo bom artista, ele permanece em cena a partir da reinvenção, sempre buscando se aprimorar em suas raízes e encontrar novos floresceres. “Acho que preciso estar sempre me reinventando, procurando novos estilos. Meu estilo atual, o ambiental, está aos poucos se sobressaindo na cena, mas acredito que o tempo vai fazer virar moda e depois vai embora, então a reinvenção é algo vital.”, alega.

Trabalhando em seu primeiro EP com previsão de lançamento ainda este ano, Veiiga é a personificação de um artista completo e totalmente dedicado à sua arte em todos os seus sentidos e formas. O projeto já conta com duas faixas e um interlúdio, mas elas não serão as únicas. “Eu quero fazer mais umas duas ou três canções e lançar esse projeto, que é maior. Normalmente eu só lanço singles, mas agora quero investir em algo mais trabalhado. Talvez saia mês que vem, mas não prometo nada [risos].”

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