Nos últimos momentos, o mundo assistiu a um acirramento das tensões entre Japão e China após declarações da primeira-ministra japonesa Sanae Takaichi.
No dia 7 de novembro, pela primeira vez na história, uma premiê japonesa afirmou explicitamente que um ataque chinês a Taiwan poderia configurar uma “situação que ameaça à sobrevivência” (survival-threatening situation) do Japão (Ewe, 2025), categoria introduzida pela Lei de Segurança de 2015, durante o governo de Shinzo Abe (2012–2020). Até então, a legislação permitia ação militar japonesa apenas em cenários nos quais o próprio Japão fosse atacado ou quando houvesse ameaça direta ao país. A afirmação de Takaichi, portanto, abriu espaço legal para o emprego das Forças de Autodefesa do Japão em defesa de um aliado.
Esse movimento discursivo só pode ser plenamente compreendido quando situado na própria trajetória política de Takaichi. Pertencente à ala mais conservadora do Partido Liberal Democrático (LDP), ela representa a continuidade de uma agenda nacionalista que ganhou força durante o governo de Shinzo Abe, de quem foi protegida e cuja visão estratégica herdou. Nesse sentido, Takaichi é defensora tanto do fortalecimento das capacidades militares japonesas quanto da flexibilização das restrições impostas pelo Artigo 9 da Constituição. Sua ascensão à liderança do Japão consolida o retorno da direita nacionalista ao centro do poder, bem como um projeto de “normalização estratégica” que busca ampliar a autonomia militar japonesa e reduzir a histórica dependência de Washington em matéria de segurança (Imai, 2025). Esse pano de fundo político ajuda a explicar o tom assertivo adotado na declaração sobre Taiwan.
A fala gerou forte reação na China, tanto no âmbito estatal quanto na opinião pública. A mídia chinesa elevou o tom e chegou a insultar Takaichi, enquanto o jornal do Exército chinês advertiu que, caso o Japão interviesse no Estreito de Taiwan, “toda a nação japonesa se tornaria alvo”. Uma semana mais tarde, Takaichi reafirmou no Parlamento a possibilidade de mobilização japonesa (Chunshan, 2025). Diante disso, o governo chinês exigiu um esclarecimento formal da política japonesa sobre Taiwan. Chunshan (2025) pontua que, como alternativa possível para restabelecer confiança e estabilidade, China e Japão poderiam vir a negociar um documento bilateral semelhante ao Comunicado de 17 de Agosto de 1982 firmado entre China e Estados Unidos, no qual Washington reafirmou a política de não interferência nos assuntos internos chineses, sobretudo no que concerne à questão taiwanesa.
Apesar da retórica japonesa, uma ação militar isolada do Japão é altamente improvável sem apoio direto dos Estados Unidos. Nesse sentido, destaca-se a postura do presidente Donald Trump durante o episódio. Em um primeiro momento, Trump evitou apoiar publicamente Takaichi ou comentar a situação no Estreito de Taiwan, movimento que sinalizou prudência diante da sensibilidade do tema para a China e reforçou a estratégia de reaproximação sino-americana após o encontro entre Trump e Xi Jinping na APEC, que resultou no compromisso chinês de retomar compras de soja norte-americana (O Globo, 2025).
Mais recentemente, Xi dedicou metade de uma conversa telefônica de uma hora com Trump para reiterar a reivindicação histórica chinesa sobre Taiwan e reforçar o que chamou de responsabilidade compartilhada entre China e Estados Unidos para a estabilidade global. No mesmo dia, Trump telefonou para Takaichi recomendando que ela evitasse provocar Beijing, embora sem exigir retratação explícita, segundo reportado pelo Wall Street Journal (2025). Esse duplo movimento revela que Washington buscou evitar tensões capazes de comprometer a reaproximação econômica com a China e o acordo para ampliar as compras agrícolas norte-americanas.
Diante do exposto, percebe-se que a crise entre Japão e China evidencia o nó estratégico entre comércio, segurança e alianças no Indo-Pacífico. De um lado, o Japão testa os novos limites de sua política de defesa; de outro, revela sua profunda dependência do apoio militar norte-americano para qualquer ação na região. A China, por sua vez, reitera que Taiwan constitui sua linha vermelha absoluta, ao mesmo tempo em que demonstra habilidade em instrumentalizar a relação sino-estadunidense a seu favor, projetando a ideia de uma “securitização compartilhada” entre as duas potências. Já os Estados Unidos exibem cautela: compreendem tanto os riscos de uma ação militar japonesa isolada contra a China, dadas as limitações de capacidade das Forças de Autodefesa, quanto os custos econômicos e políticos de um confronto aberto no Indo-Pacífico.
Assim, o tabuleiro geopolítico do século XXI revela-se uma arena complexa e dinâmica, marcada pela busca de equilíbrio estratégico entre China, Estados Unidos e seus aliados, e pelo entrelaçamento cada vez mais profundo entre segurança regional e interdependência econômica.
*Glauco Winkel é pesquisador do LabGRIMA
