Considerando a situação atual das relações entre Brasília e Riad como “excelentes”, o otimismo de Lula quanto ao presente e o futuro das relações brasileiro-sauditas reflete uma característica importante da Política Externa Brasileira (PEB) após o seu retorno ao Palácio do Planalto. Em meio às perspectivas de reativação dos laços do Brasil com o chamado Sul Global, a retomada de uma presença geopolítica e geoeconômica do país no Oriente Médio tem nos Estados do Golfo um dos principais vetores de desenvolvimento de tal estratégia.
Na tarde de 13 de janeiro de 2025, um telefonema entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o príncipe herdeiro e também primeiro-ministro da Arábia Saudita Mohammed Bin Salman chamou atenção de parte da mídia brasileira e do país do Oriente Médio. Em nota publicada pela Saudi Press Agency, o contato entre as duas lideranças foi marcado por uma espécie de revisão geral das relações entre os países, bem como a demonstração de interesse no aprofundamento de laços. A partir da imprensa brasileira, foi noticiado que Lula demonstrou interesse em contar com uma visita oficial de Bin Salman ao país, num gesto de reciprocidade em relação à sua presença em Riad ainda em 2023.
Considerando a situação atual das relações entre Brasília e Riad como “excelentes”, o otimismo de Lula quanto ao presente e o futuro das relações brasileiro-sauditas reflete uma característica importante da Política Externa Brasileira (PEB) após o seu retorno ao Palácio do Planalto. Em meio às perspectivas de reativação dos laços do Brasil com o chamado Sul Global, a retomada de uma presença geopolítica e geoeconômica do país no Oriente Médio tem nos Estados do Golfo um dos principais vetores de desenvolvimento de tal estratégia. Além do interesse pelo aumento dos investimentos árabes no país, a ampliação da presença comercial do Brasil na região, bem como a possibilidade de estreitamento de laços políticos em nível bilateral e multilateral fazem parte de um esforço que reúne não apenas estímulos do Estado, como também conta com a participação de atores privados. Em sintonia com tal movimentação, o avanço no processo de diversificação das relações externas sauditas, tendo na América Latina um fator de interesse e na consideração do Brasil enquanto um ator relevante em diferentes agendas globais, amplia as possibilidades de transformação das relações entre os dois países.
Do ponto de vista das relações comerciais, os resultados de 2024 demonstraram ligeira queda tanto das exportações quanto das importações brasileiras. Registrando cerca de aproximadamente 3,1 bilhões de dólares em relação às vendas e 3,05 bilhões com relação às aquisições brasileiras, a Arábia Saudita ocupou, junto com o Irã, a condição de segundo maior destino das exportações do Brasil para o Oriente Médio, perdendo apenas para os Emirados Árabes Unidos (25% do total das exportações). Com destaque para o comércio de açúcares e melaços, carne de aves, milho, carne bovina e soja, a permanência do predomínio do setor de alimentos na agenda comercial brasileira demonstra a força do agronegócio na arquitetura socioeconômica de tais relações. Apesar do registro de redução das vendas, se comparado ao ano de 2023, as exportações brasileiras em 2024 ocuparam o segundo lugar nos últimos dez anos, situando-se num quadro de recuperação do comércio brasileiro com o país árabe em índices próximos ao registrado no início da década passada.
Do ponto de vista das importações, os números de 2024 indicam a manutenção da tendência de queda. Após atingir mais de 5 bilhões de dólares em 2022, as vendas sauditas para o Brasil declinaram em mais de 30% em 2023, alcançando um revés de quase 15% no ano anterior. Composto majoritariamente por produtos como petróleo bruto, combustível e adubos ou fertilizantes, as exportações sauditas para o Brasil corresponderam a mais de 40% das aquisições feitas pelo país no Oriente Médio. A queda nas importações brasileiras foi uma das responsáveis pelo registro de um pequeno superávit comercial em 2024 após quatro anos.
Perspectivas de crescimento nas relações comerciais foram apontadas por autoridades de ambos os países para os próximos anos. Com destaque para a promessa de elevar o comércio para até US$ 20 bilhões até 2030, brasileiros e sauditas buscam explorar o potencial envolvendo o desenvolvimento de duas economias emergentes, considerando estímulos tanto do setor privado quanto do setor público. Segundo estudo desenvolvido pela APEX Brasil, um dos maiores desafios envolvendo as exportações brasileiras reside na incorporação de produtos de maior valor agregado. Além da consolidação brasileira em setores como os produtos alimentícios, outros segmentos como transportes, casa e construção, saúde e moda podem ser vistos como importantes na diversificação dos produtos brasileiros. Nessa perspectiva, iniciativas como a Brazil – Saudi Arabia Conference, organizada pelo Grupo Líderes Empresariais (LIDE) em parceria com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira em março de 2024, além da missão da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) em setembro do mesmo ano, representam movimentações essenciais no sentido de ampliar a participação do setor privado brasileiro num momento essencial da trajetória saudita, tendo em vista as oportunidades criadas a partir do avanço do seu projeto de modernização.
No campo dos investimentos, há também certo otimismo. Após o anúncio das intenções sauditas em aplicar cerca de US$ 10 bilhões no Brasil e das tentativas do governo brasileiro em adquirir, tanto a partir de fundos soberanos quanto por meio do setor privado do país árabe, recursos para obras do PAC, o interesse saudita alcançou outras áreas como o setor de minerais estratégicos. Anunciado pelo ministro Alexandre Silveira nas últimas semanas, o suposto investimento de até US$ 8 bilhões da mineradora Ma’aden no Brasil reafirma o interesse saudita em um setor considerado vital para o desafio de transição energética. Num processo que envolve também a ampliação da presença saudita na América Latina, especialmente em países como o Chile e a Guiana, lítio, cobre e níquel estão na esfera de prioridades de Riad, de olho também na possibilidade de fortalecimento do país no mercado de carros elétricos.
Uma série de acordos entre os dois países sinalizam com as perspectivas promissoras de uma parceria estratégica. Desde 2023, acordos de cooperação envolvendo a atuação de empresas brasileiras como a EMBRAER e a Vale, além de iniciativas governamentais como compromissos na área de Defesa e fortalecimento do turismo despontam como fatores no sentido de garantir condições de aprofundamento nas relações brasileiro-sauditas.
Na esfera política, a participação mútua no G-20 e as expectativas quanto uma resposta oficial saudita sobre a entrada no BRICS pavimentam também os contatos na esfera bilateral. Apesar de possuir menor peso estratégico do que Rússia e China, a presidência brasileira no agrupamento emergente ao longo do ano de 2025 pode ser importante no sentido de garantir uma entrada de Riad como membro pleno, aspecto que representaria uma importante vitória geopolítica e geoeconômica para a iniciativa multilateral.
No horizonte de consolidação de um relacionamento multifacetado, Arábia Saudita e Brasil chegam em 2025, ano em que os dois países completam cerca de 57 anos de interações diplomáticas formais, com uma forte tendência de ação complementar em diferentes campos. Fazendo valer a condição de duas potências regionais, com algum nível de capacidade de incisão em diferentes agendas globais, sauditas e brasileiros estabelecem os fundamentos para uma cooperação que tende a promover benefícios em setores estratégicos para os seus respectivos desenvolvimentos. Se o momento é visto como excelente, nada melhor do que transformá-lo em efetivamente numa era favorável a solidificação dos contatos entre dois países essenciais no processo de transição da ordem internacional.
Mateus Santos
Doutorando em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Membro-Pesquisador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA)
Referências
AMORIM, Lucas. “Mineradora saudita Ma’aden investirá R$ 8 bilhões no Brasil”. Exame, 2025. Disponível em: https://exame.com/brasil/mineradora-saudita-maaden-investira-r-8-bilhoes-no-brasil/
APEX BRASIL. Perfil de comércio e investimentos – Arábia Saudita. 2024.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Exportação e Importação Geral. Comex Stat. Disponível em: <http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral>.
MATOS, Maria Clara. “Em conversa com líder saudita, Lula diz que relações entre países estão em excelente momento”. CNN Brasil, São Paulo, 13 jan. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/em-conversa-com-lider-saudita-lula-diz-que-relacoes-entre-paises-estao-em-excelente-momento/
OLMO, Guillermo D. “Por que Brasil é central no plano bilionário da Arábia Saudita de investimentos na América Latina”. BBC Brasil, 9 jul. 2024. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c99w5x984pno
SANTOS, Mateus José da Silva. Missão empresarial Brasileira potencializará as relações econômicas entre Brasil e Arábia Saudita (Policy Brief). Pelotas: LabGRIMA, 2024. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/labgrima/2024/03/19/1785/
SAUDI PRESS AGENCY. HRH the Crown Prince Receives Telephone Call from Brazilian President. Medina, 13 jan. 2025. Disponível em: https://spa.gov.sa/en/N2242248