A geopolítica mundial entrou no que eu chamaria de “Pós-Guerra Fria Tardia”. Ou seja, entramos em uma nova etapa onde a supremacia estadunidense é superada pela nova realidade do país: o seu declínio geopolítico
O encontro entre Vladimir Putin e Xi Jinping em fevereiro de 2022 deve ser visto como histórico sob o ponto de vista geopolítico e estratégico. Marca o “fim do Pós-Guerra Fria” iniciado em 1989 com a desagregação do então chamado bloco socialista e, em dezembro de 1991, com a extinção da União Soviética. Durante a década de 1990 o mundo foi assolado pelo que seria o “fim da história” e pela supremacia do liberalismo ocidental, pela globalização e consequentemente pelas crises econômicas globais. E no século XXI com crise econômica de 2008.
A geopolítica mundial entrou no que eu chamaria de “Pós-Guerra Fria Tardia”. Ou seja, entramos em uma nova etapa onde a supremacia estadunidense é superada pela nova realidade do país: o seu declínio geopolítico. Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi já apontaram isso há mais de uma década. E a realidade vem se confirmando. O mundo não aceita mais que uma nação determine a agenda mundial. Tanto geopolítica como economicamente.
Para os analistas liberais o que importa é exclusivamente a economia. A geopolítica em si é desprezada pela visão de curto alcance e baseada na ideia de que o capitalismo ocidental é, ainda, o vencedor do embate socialismo versus capitalismo. Contudo, o medo de uma Rússia forte sob o ponto vista nacional e sob uma liderança forte causa preocupação em Washington. Nas últimas décadas a Rússia recuperou-se do ponto vista econômico, social e militar, voltando a despontar (como nos tempos da URRS) como uma grande potência.
A demora na “transição para o capitalismo liberal-ocidental” tanto de russos como de chineses é uma preocupação para os estadunidenses: não ocorreram “revoluções de veludo” até o presente momento. Países antissistêmicos como a Rússia e a China que possuem projetos nacionais próprios são o verdadeiro problema por trás da retórica beligerante de Washington tanto de democratas como de republicanos contra Beijing e Moscou.
Apesar do fim da URSS, os ideólogos de Washington não abandonaram o paradigma do embate capitalismo versus socialismo e, principalmente, da Rússia como o maior obstáculo geopolítico e estratégico dos EUA na Europa. Se a aliança militar socialista (Pacto de Varsóvia) foi imediatamente desmantelada, o mesmo não ocorreu com a Otan desde a década de 1990. Na direção oposta, a Otan se manteve intacta e aumentou a sua influência em direção ao Leste Europeu. Letônia, Estônia, Lituânia e Hungria, por exemplo, passaram a ser membros da aliança militar ocidental sem nenhum motivo aparente que gerasse a necessidade de ingressar nela.
Moscou desde 1991 não nunca praticou uma postura que possa ser classificada como ofensiva contra qualquer país do Leste Europeu ou em termos globais. Sua atuação sempre esteve dentro das normas e do Direito Internacional, ao contrário de Washington. Por outro lado, os governos estadunidenses procuram classificar a Rússia como uma ameaça à “segurança” europeia ou global, sem nenhum exemplo concreto.
A retórica da “ameaça russa” ganhou destaque após a retomada da Crimeia em 2014 e da atuação externa na criação de uma “revolução de veludo” que abriria caminho para o que estamos vendo hoje: a inclusão da Ucrânia na Otan sem nenhum motivo que justificasse e colocando a segurança da Rússia em uma situação delicada. Olhando o tabuleiro geopolítico, a Rússia recuperou a península da Crimeia (com população de maioria russa) que era sua até 1956, quando foi cedida a então Ucrânia soviética. Uma saída importante para impedir a “primeira onda” de tentativa de chegada às fronteiras russas.
A “segunda onda” para a “cabeça de ponte” da Otan na Ucrânia “rumo” à Rússia está se desenvolvendo desde o final de 2021 e vem sendo enfrentada de maneira enérgica pelo Kremlin. No Ocidente a guerra de informações capitaneada pela mídia pró-EUA é intensa. A Rússia é ainda vista como a URSS dos tempos da Guerra Fria: ameaça o “mundo livre” e agora a democracia ucraniana. A difusão por parte de Washington da “invasão russa” iminente, mas que não acontece é tema recorrente na mídia ocidental.
O que está em jogo é exclusivamente o direito de uma Nação garantir as condições mínimas de segurança territorial de sua população. Não foi assim que os estadunidenses assinalaram na Crise dos Mísseis de 1961 em Cuba? Esta é a questão da Ucrânia na Otan. Aliás, fica uma pergunta: qual o sentido da existência da Otan em pleno século XXI?
Versão em português publicada no Le Monde Diplomatique Brasil
A parceria estratégica entre Moscou e Beijing – Le Monde Diplomatique