Análise do acadêmico Henrique Benjamin, pesquisador do LabGRIMA e bolsista FAPERGS
No dia 12 de agosto de 2021 o Talibã invadiu a capital do Afeganistão, Cabul, e voltou ao poder após 20 anos. A retomada do controle do Estado pelo grupo extremista, é o resultado de uma série de erros políticos da administração Trump, seguida pela da de Biden, que foram cometidos no Oriente Médio. Com a política de “bring our boys back” – que visava a retirada de tropas americanas da região – buscando angariar votos e cumprir uma promessa de campanha, Trump tomou decisões precipitadas e contrárias à de analistas do próprio exército estadunidenses. A começar pela saída do acordo nuclear com o Irã e o levantamento de sanções, com a justificativa que o país não cumpria os termos acordados. Após isso, houve a quebra de aliança com os curdos na guerra civil Síria, mais uma vez na busca da diminuição do contingente americano no local. Finalmente, a retirada das tropas do Afeganistão – decisão esta mantida pela administração Biden – fez expor a confusão que assola as tomadas de decisão estadunidenses.
A questão afegã, no entanto, é muito mais problemática do que o noticiado pela mídia. Os EUA invadiram, conjuntamente com seus aliados da OTAN, o país em 2001 motivados pelos atentados de 11 de setembro. Nesses 20 anos houve a busca pela pacificação e estabilidade do país, como também lutar contra o terrorismo – a chamada guerra ao terror – entretanto, a retomada de Cabul pelo Talibã muito antes do previsto por autoridades estadunidenses – antes mesmo da retirada total de tropas do exército dos EUA – demonstra como o país norte-americano foi incapaz de atingir o sucesso na guerra ao terror, mesmo após duas décadas de conflitos.
Presença Chinesa
Apesar da distância geográfica, curiosamente Pequim se manteve completamente distante dos assuntos do Oriente Médio. Na realidade, os chineses ativamente buscaram manter o mínimo de presença militar em qualquer região do globo , tanto que a única base militar estrangeira que o país possui fica no Djibuti, e foi inaugurada em 2017.
No entanto, como não existe vácuo de poder na política internacional, Pequim, aos poucos, tem buscado aumentar sua influência na região, mas diferentemente dos EUA, os chineses não se utilizam de instrumentos militares para tanto, e sim meios econômicos. Um exemplo claro é o acordo de comércio com o Irã, concordando em aumentar o comércio com o país para o valor de US$600 bilhões (10 vezes o valor atual) na próxima década, com o aumento dos investimentos chineses em infraestrutura. Evidentemente, o acordo surgiu após a saída estadunidense do acordo nuclear e o levantamento de sanções contra o país do Oriente Médio.
Também, em 2013, a China anunciou o plano de infraestrutura multibilionário – chamado Iniciativa Cinturão e Rota (ICR) – visando ligar a Europa à China por meio de uma teia de portos e ferrovias, fazendo com que as economias da Ásia Central sejam dinamizadas e haja o escoamento do setor de infraestrutura chinês, que no momento está subutilizado. Desta forma, a inclusão de países do Oriente Médio na Nova Rota da Seda é positiva não somente pelo aumento do comércio com a China, mas também pela possibilidade de maior acesso ao petróleo da região. No entanto, há um entrave – ou havia – para que o projeto pudesse ser consolidado de forma mais fácil: a forte presença americana no Afeganistão.
A saída apressada dos estadunidenses do Afeganistão, conjuntamente com a não realização de seus objetivos e a retomada do poder pelo Talibã, abriu um caminho direto para Pequim aumentar sua presença geopolítica na região. Devido a sua posição estratégica, o país da Ásia Central catalisaria a influência econômica chinesa nos países da região, possibilitaria a construção de um corredor Sino-Paquistanês para o escoamento de produtos chineses diretamente no Oceano Índico e facilitaria a implementação da ICR. Entretanto, para que esses objetivos possam ser alcançados é necessário que a região como um todo esteja estável.
No dia 17 de setembro, a China deu o primeiro passo para a estabilidade regional. Em um encontro com representantes da Rússia, Irã e Paquistão, foi deliberado apoio ao governo do Talibã, respeito à soberania de seus territórios e encorajamento das partes na assistência para estabilidade e desenvolvimento do país. Desta forma, a coordenação entre os quatro países possibilita a busca pela estabilidade do novo governo afegão.
Evidentemente essa é uma percepção otimista – do ponto de vista chinês – uma vez que o Talibã é um grupo extremista e mantém contatos com grupos terroristas. Além disso, o Afeganistão possui outros grupos terroristas contrários ao Talibã e a população não é favorável ao grupo. Portanto, resta saber se de fato haverá moderação e os problemas relativos à instabilidade serão resolvidos a longo prazo e como Pequim irá reagir para alcançar seus objetivos caso o novo governo afegão não se consolide ou aja contra os interesses chineses.