Os versos de um crime envolvendo a geração beat

Por Alex Sampaio Pires

Filme independente mostra início de poetas que revolucionariam a literatura e extrai atuações marcantes de seus interpretes.

Poucas pessoas sabem, mas muitos dos filmes que realmente fazem a diferença em uma filmografia não chegam às salas dos cinemas brasileiros. Os circuitos independentes são responsáveis por obras diferenciadas e corajosas que, se por um lado sofrem para conseguir ser realizadas devido à falta de investimentos, por outro lado, conseguem ter a liberdade criativa necessária, sem esbarrar nos interesses das grandes corporações.

Na onda de filmes que mostram a geração Beat, termo utilizado para se referir a um grupo de poetas que criaram um movimento cultural nas décadas de 1950 e 1960, surgiu, por exemplo, Na Estrada. Foi, no entanto, no festival de Sundance que o mundo conheceu uma pequena pérola que mostra a vida de alguns desses poetas antes de se tornarem ícones do movimento Beat, envolvidos em um crime que poucos sabem ter ocorrido.

“Versos de um Crime” mostra a entrada de Allen Ginsberg, fruto de um lar problemático que inclui uma mãe com distúrbios mentais, na Universidade. Jovem, tímido e muito responsável, ele nunca consumiu uma gota de álcool ou utilizou qualquer droga ilícita. Mas ao conhecer Lucien Carr, Allen inicia uma jornada de descoberta do mundo e de si mesmo, que mudará para sempre sua vida e o fará entender melhor seus próprios sentimentos.

Lucien é um jovem liberto, aberto a experiências e completamente desapegado de regras sociais. Ele só não consegue se livrar da perseguição de David kammemer, professor formado, que apaixonado pelo rapaz, aceita um emprego de zelador apenas para ficar próximo a sua obsessão.

Através de Lucien, Allen começa a modificar radicalmente seu comportamento e visão de mundo. Passa a frequentar festas, consumir substâncias que o fazem viajar, e sente cada vez mais inspiração para escrever e realizar o sonho de ser poeta. Ginsberg enfrenta professores por discordar deles e tenta burlar os sistemas pegando os livros considerados proibidos e obscenos que ficam trancados na biblioteca, longe do alcance dos alunos. A jornada de autoconhecimento inclui ainda o seu despertar homossexual, quando percebe estar atraído por Lucien. No entanto, o assassinato de David modifica novamente o rumo das coisas, e os envolvidos nunca mais seriam os mesmos.

Com figurinos bem acabados e trilha sonora saudosista, “versos de um crime” não é uma obra perfeita. Comete, por exemplo, deslizes no que se refere à edição do filme, além de não ser um grande trabalho de direção. Porém, estes deslizes, perdoáveis sob o ponto de vista de que o diretor, John krokidas, é estreante, não comprometem a intensidade da obra, que pulsa, vibra, proporcionando um belo retrato de uma juventude tentando se descobrir em uma sociedade ainda muito repressora e criando cenas sensíveis, como o beijo entre Allen e Lucien. Sem nunca negligenciar os personagens, o que se pode observar na tela é uma construção cuidadosa de pessoas que marcaram seu nome na história, os desmistificando e mostrando o que havia por trás dos mitos da contra cultura.

Krokidas, sobretudo, se mostra um excelente diretor de atores, sabendo extrair ao máximo dos intérpretes, que agarram a oportunidade com unhas e dentes. Daniel Radcliffe, famosos pelos oito filmes de Harry Potter, consegue afastar de vez o fantasma do bruxo em um papel desafiador, trabalhado especialmente em um olhar ao mesmo tempo perturbador e encantado com um mundo de novas possibilidades. Dando suporte, Michael C. Hall, o Dexter do seriado homônimo, é particularmente monstruoso em um homem que sofre, mais do que qualquer outra pessoa, pela obsessão que trás junto a si, carregando um fardo penoso do qual não consegue se livrar.

Versos de um crime não chegou ao grande circuito de prêmios, nem mesmo tinha lobby para isso, e como se sabe, premiações são feitas de jantares, marketing e propaganda. Mas é um tanto triste que o jogo funcione dessa maneira, pois enquanto as regras forem essas, pequenos grandes filmes como esse ficarão escondidos, apenas sendo vistos por poucos que procuram a liberdade criativa do mercado independente. E como um dia o próprio Allen Ginsberg diria, “quem quer que controle as mídias, a imagem, controla a cultura”. O resto é história, e ele, junto com os demais poetas do mesmo movimento, influenciariam, nos anos seguintes, milhares de jovens de uma geração a se rebelar contra as regras do sistema e da sociedade.

 

Imagem: divulgação

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