Covid-19 trouxe novos olhares sobre como cuidamos da saúde mental
Pesquisas demonstram a necessidade do debate acerca do assunto que, mesmo bastante conhecido, ainda tem uma difícil abordagem.
Caroline G. Quincozes / Em Pauta
Um tabu até os dias de hoje, os termos “saúde mental”, “terapia” e “depressão/ansiedade” causam estranhamento em alguns. Muitos consideram perda de tempo ou bobagem quando pensam em buscar tratamento psicológico, outros não acham necessário refletir como a maneira que seus sentimentos e modos de agir estão refletindo em suas vidas, e ainda existem alguns que consideram transtornos psicológicos simplesmente falta do que fazer, fazendo recomendações como “é só melhorar e se sentir feliz”. Entretanto, desde o surgimento do coronavírus e as mudanças que foram causadas em decorrência dele, temas relacionados à saúde mental ganharam bastante espaço.
Recentes pesquisas mostram os elevados índices de depressão e ansiedade que, mesmo antes da Covid, já eram altos. Outras doenças, como a Síndrome de Burnout, entraram em evidência em um cenário bastante preocupante em termos da saúde mental da população. Em um dos estudos realizados, consta que os diagnósticos de depressão cresceram em 40% no Brasil, enquanto a Síndrome de Burnout teve aumento de 400% entre 2014 e 2021. Esses dados confirmam que, mesmo antes do conhecido vírus, as doenças psicoemocionais já eram um alerta para a forma como são tratados assuntos dessa natureza e, no final, a pandemia pode apenas ter adiantado esses resultados.
Não há como negar que as mudanças causadas pelo coronavírus foram consideravelmente intensas até mesmo para pessoas calmas, para as flexíveis, para as que aceitam melhor mudanças ou até para os mais positivos do grupo. De fato, o isolamento social, as mudanças na rotina e as incertezas do futuro tornou a positividade algo difícil de se manter, e isso inclui os mais otimistas.
“A pandemia trouxe impactos indiscutíveis à saúde mental. Como os pacientes eram em sua maioria, estudantes com vida social ativa, essa mudança de comportamento acabou trazendo um grau de sofrimento psicológico considerável”, explica a psicóloga Ana Cristina Moura. Ela relembra que, naquele momento, as consultas eram em sua maioria online, o que limitava a abordagem de algumas questões, principalmente por conta da falta de privacidade.
Com certeza, durante períodos extremamente preocupantes da pandemia, o isolamento necessário para conter a disseminação do vírus desgastou muitas relações. O divórcio, por exemplo, bateu recorde no Brasil em 2021: 80.573, um aumento de 4%. No Distrito Federal, o aumento chegou a 40%, enquanto cartórios de São Paulo registraram o maior número de divórcios em 14 anos. Aqui no Rio Grande do Sul, o índice teve elevação de 8% na comparação de 2020 com 2021.
“Foi preciso uma readaptação ao jeito de fazer terapia. A maioria não estava acostumada com essa convivência direta com familiares, o que fez com que surgissem conflitos acerca dessa relação, o que, por um lado, vi como positivo pois talvez em outra situação, esses conflitos não emergissem”, ressalta a psicóloga.
A psicóloga Gabrielli Marques também contou sua experiência, reforçando os dados que foram exibidos anteriormente e relatando que sintomas relacionados à ansiedade e depressão tiveram aumento significativo nesta fase. O isolamento da família e dos amigos, a adesão de cuidados intensificados, a frequente ocorrência de notícias trágicas e a perda de pessoas próximas, segundo a profissional, foram situações drásticas que prejudicaram a saúde emocional de milhares de pessoas.
“Os primeiros meses foram bem significativos, muitas pessoas procuraram por atendimento online e essa demanda foi crescendo, tanto que a modalidade continua sendo bem vista até hoje”, ressalta Gabrielli.
De modo efetivo, o módulo de tratamento online realmente se destacou. Conforme pesquisas, o número de profissionais dessa área que quiseram aderir ao atendimento virtual aumentou em 352% entre 2020 e 2021. Esses dados são da Psi, uma plataforma para os psicólogos que pretendem realizar consultas de forma remota. Porém, o crescimento na demanda desse tipo de consulta não foi visto apenas aqui no país: em outubro de 2020, quase 70% dos países já utilizavam a teleterapia, segundo informações publicadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde). Inúmeras plataformas desse gênero de atendimento observaram seus números alavancarem, demonstrando que, realmente, a prática não nasceu para tornar-se provisória, mesmo depois da pandemia. Além disso, essas estatísticas relatam o desejo da população em geral de buscar formas para avaliar suas questões pessoais, aderindo o costume de cuidado com a saúde mental.
“Vejo a terapia como um desejo de ser escutado, de mudar nosso modo de agir e pensar, de trazer bem estar e cada vez mais as pessoas buscam isso. Já não basta só cuidar do corpo e da alimentação, a saúde mental é o pilar para que todo o resto funcione”, argumenta Ana, ressaltando que a Internet foi uma ferramenta de acesso a conteúdos importantes, naturalizando assuntos como ansiedade e depressão.
“As pessoas começaram a se dar conta que cuidar da saúde mental é tão importante quanto cuidar de outras áreas da vida. É interessante ver como as novas gerações veem a terapia como motivo de orgulho e isso é gratificante. Estamos preparando nossos filhos para que saibam a importância de fazer terapia, de se sentir bem”, finaliza.
Gabrielli, ao mesmo tempo que acredita em uma melhora significativa na visão que a população tem acerca da saúde mental e busca por tratamentos, observa que a categoria deveria ser mais valorizada e reconhecida.
“Embora tenha diminuído (a resistência pela procura de atendimentos), muitas pessoas ainda acreditam que para fazer terapia necessita ter um transtorno “grave”, ser “louco” ou que apenas mulheres procuram por psicólogos, mas a realidade é completamente diferente”, observa.
Segundo estudos, a pandemia também trouxe alertas para os índices de suicídio, que ampliaram-se por conta das mudanças que o vírus ocasionou. Problemas econômicos, solidão e dificuldades no acesso à saúde ressaltaram fatores que influenciam consideravelmente nos aspectos psicológicos dos indivíduos. De acordo com a OMS, mesmo após uma maior naturalização dos temas ligados à saúde mental e o surgimento de políticas públicas que tratem do assunto, o suicídio ainda é uma das principais causas de morte no mundo.