Cooperativas de reciclagem promovem sustentabilidade e sustento à famílias pelotenses

Por: Amanda Kuhn e Larissa Bueno /Em Pauta

Reciclagem é o processo de transformação de materiais, que ao serem reaproveitados, são reutilizados como novos itens de consumo. Em Pelotas, no Sul do Rio Grande do Sul, essa é a palavra-chave de seis cooperativas de reciclagem, que atuam nesse processo de sustentabilidade.

Escute a reportagem:https://soundcloud.com/amandakuhn/cooperativas-de-reciclagem

Desde 2012, são seis cooperativas de reciclagem conveniadas ao Serviço Autônomo de Saneamento de Pelotas (SANEP): a Cooperativa de Trabalho dos Agentes Ambientais do Fraget (Cootafra), a Cooperativa de Trabalho de Catadores da Vila Castilho (COOPCVC), a Cooperativa Pelotense de Prestação de Serviços e Ação Social (COOPEL), a Cooperativa de Trabalho e Reciclagem (COORECICLO), a Cooperativa de Trabalho da Vila Governaço (COOPERCICLAÇO) e a União Cooperativa dos Catadores de Resíduos Sólidos (UNICOOP). A Nova Esperança Cooperativa, criada em 2019, é a responsável por transformar o óleo saturado em produtos de higiene.

Cooperativa: “Associação de consumidores ou de produtores, com igualdade de direitos, que, eliminando intermediários, desenvolve atividades econômicas ou prestação de serviços, em benefício dos associados, sem lucro.” Esse é o significado do dicionário para a palavra ‘cooperativa’. Na prática, ela assume uma significação ainda mais profunda na vida de quase 100 famílias pelotenses.

Cooperadas vem na reciclagem uma chance de trabalho

É o caso de quatro trabalhadores da Cooperativa Pelotense de Prestação de Serviços e Ação Social (COOPEL), que tiveram suas vidas mudadas após começarem a trabalhar nas cooperativas. Fran, trabalhadora do lugar há 5 anos, viu sua vida se transformar ao conseguir o emprego: “Eles abriram as portas para eu poder trabalhar, consegui comprar a minha casa, eu me sinto muito bem trabalhando ali, é nota 1.000, é onde eu sustento meus filhos”, conta.

Outro funcionário que teve uma oportunidade única, foi o Joel, que por ser indígena, encarou muitas dificuldades para entrar no mercado de trabalho: “Por ser indígena, muitas portas se fecharam pra mim, mas a COOPEL acreditou em mim e me deu essa chance, e hoje em dia consigo ajudar em casa e comprar minhas coisas. Estou conseguindo adquirir algumas coisas e ajudar minha família”, compartilha.

Cátia, trabalhadora há 7 anos do local, saiu do trabalho informal nas ruas para as instalações da COOPEL: “Minha vida melhorou um pouco, porque antes eu trabalhava na rua, reciclava na rua, trabalhava de doméstica… Aí depois, eu conheci a cooperativa, através de uma colega da minha rua, que me indicou a cooperativa e até hoje eu tô lá, faz sete anos. É um trabalho em conjunto, uma cooperativa é feita de parcerias… A nossa economia melhorou… No meu conceito, esse projeto foi muito bom”, afirma.

Diogo, homem transgênero, explica que conseguiu o trabalho, após enfrentar vários obstáculos: “Eu comecei a trabalhar na cooperativa através de uma conversa que eu tive com a presidenta da nossa cooperativa, falei pra ela que era difícil uma pessoa transgênero conseguir emprego no mercado de trabalho hoje em dia, e graças a Deus, consegui uma vaga na cooperativa”, diz.

A secretária da COOPEL, Janaína Procópio, reforça a importância do emprego na vida dos trabalhadores: “Uma regra básica, tem que ser morador do bairro, normalmente são pessoas que não tem outras oportunidades. A gente tem um indígena trabalhando conosco, um menino de 18 anos que não consegue emprego em lugar nenhum, pelo fato de ser indígena… Também há uma senhora que já é idosa, com 60 anos, também temos pessoas analfabetas. São pessoas que não teriam outras oportunidades… Temos um transgênero. Então, a gente empregou eles na cooperativa para poder ajudar de uma forma social também”, esclarece Janaína.

Além de uma bolsa-auxílio de R$ 400,00, os trabalhadores também recebem o valor das vendas dos produtos, que garante uma renda superior a um salário-mínimo mensal a cada um dos funcionários, além de todos os direitos garantidos pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), como direito a licença à maternidade.

Desde o começo da pandemia, as cooperativas tiveram que se adaptar às novas regras de distanciamento social e higiene. As equipes estão reduzidas, com horários de serviços menores e consequentemente, a quantidade de material reciclável que chega também diminuiu, como explica o engenheiro e coordenador do Departamento de Resíduos Sólidos do SANEP, Edson Pla: “Em relação a resíduos recicláveis, nós estamos na pandemia, houve uma redução, mas a nossa média hoje está em 200 tonelada/dia, mas já chegamos a atingir 250/300 no mês”, esclarece Edson.

O caminho do lixo

Diariamente, milhares de pessoas consomem diferentes produtos, e que muitas vezes não são descartados com a devida atenção que recebem quando são comprados. Enquanto o produto está dentro da validade, ele é valorizado, e depois de usado torna-se insignificante, por não ter mais um sentido concreto na vida do consumidor.

Por trás de cada âmbito de nossas vidas existe um ser humano que está do outro lado. No processo de descarte de resíduos recicláveis, não é diferente: após ser ‘jogado fora’, ele percorre um extenso caminho pelas ruas do município nos caminhões de coleta seletiva até chegar nas cooperativas de reciclagem, que são responsáveis por garantir o sustento de diversas pessoas com realidades, histórias e superações de vida distintas, e ao mesmo tempo, semelhantes, que moram no município de Pelotas (RS).

Durante a semana o caminhão da coleta seletiva realiza diferentes percursos entre os bairros do município para coletar a maior quantidade possível de resíduos recicláveis, que posteriormente são encaminhamos para as seis cooperativas.

Tem dia certo para passar nos bairros. Nós somos seis cooperativas hoje e cada cooperativa tem seus dias. Aqui na nossa (COOPEL) é segunda, terça e quarta. Chegam cargas de lugares já pré-definidos”, informa Janaína.

Dentre os materiais coletados, a secretária conta que as cooperativas recebem variados tipos de produtos como vidro, jornal, papel, papelão, pet branco e pet verde e ressalta os problemas que são enfrentados pelos cooperadores durante a seleção dos materiais que serão reciclados: “A gente está tendo um problema assim: vem máscaras, vem seringas, coisas que não deveriam vir na coleta seletiva, às vezes animais mortos, restos de árvores… Essas coisas, as quais a gente fica muito chateados”, lamenta.

Processo da reciclagem

O processo da reciclagem é realizado em diferentes fases e cada setor recebe um processo específico, mas que parte do mesmo princípio básico, ou seja, a disponibilização da coleta seletiva por parte da autarquia; a separação dos resíduos passíveis de reciclagem por parte do gerador; o encaminhamento desses materiais coletados às Centrais de Triagem (as cooperativas); a separação, classificação e enfardamento dos resíduos por tipo, classe e característica; o envio desses materiais às indústrias de reciclagem; e o retorno desses materiais ao consumidor por meio de diversas formas.

Diariamente, 180 toneladas de resíduos sólidos domésticos são operados junto com o transbordo que recebe também resíduos de limpeza urbana, de varrição, de capina, entre outros. “Esses resíduos somam o total aproximado de 250 toneladas por dia, então nós temos uma produção mensal de resíduos, de limpeza urbana incluído, mais a coleta domiciliar na faixa de 7.000/7.500 toneladas por mês”, destaca Edson.

Após o material ser separado e enfardado, as cooperativas entram em contato com os atravessadores que retiram o material do local e pagam os trabalhadores. “Não tem empresas do município que fazem essa venda, o que a gente faz? Vende para um atravessador e ele vende para as cidades do Estado. O nosso trabalho é separar o material e fardar o material, chamamos ele (atravessador), ele vem, retira e nos paga. É isso aí. É o atravessador. Claro que se a gente vendesse direto, ganharia mais, mas aí a gente teria que ter um montante maior de resíduo que a gente não tem. Então, no momento é o que tem e para nós está sendo bom”, comenta Janaína.

Até 2012 os lixo não recicláveis, chamados também de rejeitos, eram encaminhados para o aterro sanitário da cidade. Em razão do encerramento das atividades, agora todos os rejeitos são levados para o aterro sanitário Extremo Sul, como conta Edson: “O aterro que nós utilizamos hoje é o aterro chamado Extremo Sul que fica em Candiota, próximo a Bagé, então todos os resíduos orgânicos e os rejeitos vão para lá”.

Ainda segundo Edson, um novo projeto está sendo criado com o objetivo de reduzir de forma expressiva os resíduos que são enviados para o município vizinho: “Nós temos um projeto que vai ser implantado no início de 2022. Parcialmente estou trabalhando nele. A gente vai montar uma central de compostagem para podas, resíduos de feiras livres, de supermercados…A gente pretende implantar esse projeto em 2022, porque a gente também reduziria de forma significativa o envio de resíduos para esse aterro de Candiota.”

A importância da reciclagem

Por meio da reciclagem o meio ambiente é totalmente beneficiado junto com a população que nele se encontra. De acordo com a bióloga e professora, atualmente doutoranda em sistema de Produção Agrícola Familiar da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Joan da Silva Theis, a separação correta de resíduos é imprescindível para a reciclagem, e diz respeito a responsabilidade de cada cidadão e cidadã com seu próprio “lixo”.

O início do processo de reciclagem começa na separação correta, que é feita nas residências e nos locais de trabalho. A sua destinação final será responsável por determinar se o material será reciclado ou não, como explica a bióloga: “Ao misturarmos resíduos orgânicos, por exemplo, com os resíduos que poderiam ser reciclados (“secos”), impossibilitamos que os mesmos possam passar por esse processo, por sujá-los e umedecê-los. O ideal seria encaminharmos para os aterros sanitários somente aqueles resíduos que não podem nem ser compostáveis, que é uma outra forma muito interessante de transformação de resíduos em algo aproveitável (adubo, solo).”

Joan realça que o principal passo é a redução do consumo, e depois a reutilização de tudo que for viável. Então, quando não for mais possível nem reduzir e nem reutilizar (como fazer uma composteira com o resto de resíduos orgânicos), vem a reciclagem. “Destaco a responsabilidade das empresas/indústrias que produzem os materiais que consumimos e a importância de termos consciência disto. Pois as equipes das mesmas devem pensar e elaborar produtos finais com menor produção de rejeitos possível (aqueles resíduos que não podem ser sequer reaproveitados, nem reciclados), sem componentes tóxicos na composição e emissão destes na produção, e com menor exploração possível dos recursos naturais”, acrescenta a bióloga.

Além da parte ambiental, outras áreas também são beneficiadas com a reciclagem, como a área social, econômica (em virtude dos trabalhos gerados nas cooperativas, a economia de dinheiro público que seriam usados em aterros) e a saúde pública, com a redução da poluição. “Todos os processos seletivos de reciclagem são mais econômicos financeiramente e são menos poluentes, menos agressivos, geram muito mais empregos porque tem a cadeia da reciclagem que tu agrega dentro de todo esse processo produtivo e eles são muito menos causadores de problemas ambientais, camada de ozônio, efeito estufa, de contaminação dos rios, contaminação de córregos, onde os efluentes das indústrias primárias são altamente prejudiciais”, salienta Edson.

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