A Objetividade Fragilizada (parte 2)

 

Jornalismo literário e Novo Jornalismo

por Vinicius Colares

Uma das maiores obras da história do new journalism é o livro A luta (1975), de Norman Mailer. O escritor norte-americano acompanhou a “batalha do século” entre Muhammad Ali e George Foreman, realizada no Zaire. Uma das maiores lutas da história do boxe internacional se transformou em matéria-prima para Mailer e é interessante pensar que, 40 anos depois do lançamento do livro, é o Novo Jornalismo quem tenta se manter em pé da mesma forma que os dois pesos-pesados – já em idade avançada.

Publicações como as revistas Rolling Stone e Piauí, por exemplo, tentam trabalhar com o jornalismo literário e mantê-lo vivo, mas a situação do gênero é a mesma de Foreman no fim da batalha contra Ali: com as costas nas cordas, o jornalismo literário apanha; cansado e ofegante, ele, ainda assim, faz de tudo para não cair.

A origem do Novo Jornalismo 

As revoluções dos anos 1960 agitaram o mundo culturalmente, socialmente e politicamente. O jornalismo, como mecanismo presente em todas elas, foi afetado. Não faltaram, evidentemente, boas pautas para quem trabalhava com a notícia durante esse período. As ascensões e quedas de John F. Kennedy e Martin Luther King, o início da Guerra do Vietnã e os primeiros passos de Neil Armstrong na lua, por exemplo, foram alguns dos eventos que mudaram a história da ciência, política e cultura nos EUA e no restante do globo. O mundo girava e os fatos aconteciam, mas a forma como eram narrados não atingia a profundidade dos acontecimentos. Era isso que pensava Tom Wolfe, um dos precursores do movimento chamado Novo Jornalismo.

Tom Wolfe lembra que os jornalistas que faziam reportagens maiores durante os anos 1960 eram menos valorizados do que aqueles que corriam atrás do grande furo com um ritmo quase convulsivo, sabendo da competitividade do ambiente jornalístico na época. Sendo o próprio Wolfe um dos incomodados com a falta de profundidade da maioria dos textos nos jornais diários norte-americanos, depois de já ter publicado textos com características estéticas diferentes de tudo que havia na imprensa dos EUA, o jornalista publicou o manifesto The New Journalism (1973). Nesse pequeno livro, o autor detalha algumas das características desse movimento e ajuda a identificar um texto que pode ser caracterizado como produto do Novo Jornalismo.

Tom Wolfe: um dos principais nomes do Novo Jornalismo (imagem: divulgação)

Tom Wolfe: um dos principais nomes do Novo Jornalismo (imagem: divulgação)

É importante deixar claro, porém, que Wolfe não é o precursor desse tipo de texto. Felipe Pena (já citado na parte 1 do artigo) lembra que alguns historiadores consideram Daniel Defoe como “o primeiro jornalista literário moderno”. Também, pouco tempo antes das ideias de Wolfe serem difundidas, escritores como John Hersey publicavam reportagens tão profundas quanto Wolfe imaginava ser possível. Hiroshima (1946) de Hersey é um dos exemplos. Junto com ele autores como John Sack, Hunter Thompson e Joan Didion também estavam buscando a ampliação do jornalismo para além do lead e trabalhando com ideias que servem como base para o Novo Jornalismo. O jornalista, por exemplo, pode ser subjetivo e deve usar técnicas literárias para atingir um valor estético, defendiam esses jornalistas.

A definição de new journalism

Tom Wolfe, mesmo sabendo que o movimento não foi fruto de nenhuma teoria ou ideologia específica, escreveu em seu manifesto quatro recursos que, não de maneira obrigatória, devem ser usados no new journalism e servem como uma espécie de guia para identificar textos do gênero. São eles a reconstrução da história cena a cena, o registro de diálogos completos, a visão das cenas a partir de mais de um personagem (uso da terceira pessoa) e o registro de detalhes característicos dos personagens (roupas, expressões, hábitos, etc.).

Uma maioria de estudos e pesquisas da área do jornalismo literário e do new journalism apoia-se nos anos 1960 e 1970 e nos autores clássicos do Novo Jornalismo. Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote são os mais lembrados nesse período, além de Wolfe. Existe uma razão para tanto. O Novo Jornalismo não conseguiu encontrar um espaço definitivo dentro dos periódicos de maior circulação. Não conseguiu no seu auge e ainda não consegue hoje. A preocupação com a objetividade ainda é primordial para os grandes veículos e sobrou para os jornalistas que escrevem grandes reportagens algum espaço em poucas editoras – na tentativa de publicar um livro -, na internet e em algumas revistas.

E apesar da importância daquela luta para sua carreira, George Foreman perdeu para Ali. Ainda assim, depois de derrotado, continuou lutando e segue vivo até hoje. Esse talvez continue sendo o destino do jornalismo literário e do Novo Jornalismo dentro da produção jornalística moderna: manter-se vivo.

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