A China é logo ali
Intercambistas contam como é viver em Pelotas e suas saudades da terra natal
Por Rafaela Stark / Em Pauta
Em janeiro de 2023, quando o recesso de verão da UFPel terminou, milhares de estudantes voltaram às suas atividades. Jovens de diferentes cantos do Brasil retornam para Pelotas, mas também alguns vêm pela primeira vez. É o caso destes seis alunos, que percorreram mais de dezessete mil quilômetros para estudar na Cidade do Doce.
Renato (20), Ruy (20), Lei Yun (22), Li Lu (22), Yongfeng (22) e Yixing (21), são jovens chineses, alunos do curso de Português da Universidade de Ciências e Engenharia de Sichuan (Suse). O grupo veio a Pelotas como estudantes intercambistas, e ficarão por 2 semestres. Através do Em Pauta, pude conversar com eles sobre suas experiências no Brasil.
De Chengdu para Pelotas
Em nosso primeiro contato, ficamos um pouco tímidos, nunca havíamos sequer nos visto. Ao iniciar a entrevista, pergunto porque decidiram cursar Português, entre risadas, eles me explicam. A princípio, o curso dos sonhos deles não era Português, alguns como Renato e Ruy, queriam Computação, mas infelizmente não conseguiram ingressar. Situações parecidas aconteceram com todos, levando-os assim, para o curso que estão agora.
Com o passar do tempo e do aprendizado, eles começaram a gostar mais do curso, a achá-lo interessante, e com isso, veio a vontade de se aprimorar. Quando a oportunidade de fazer um intercâmbio surgiu, o Brasil apareceu para eles.
O programa de intercâmbio tinha três opções: Pernambuco, Distrito Federal e Rio Grande do Sul. Os jovens contam que decidiram vir para Pelotas por um motivo: apoio. Enquanto as outras universidades ofereciam apenas auxílio moradia ou menos, a UFPel oferece moradia, alimentação e transporte.
O primeiro contato deles com brasileiros foi com Eriovan, internacionalista formado pela UFPel e o mais novo melhor amigo deles. Eri foi quem mediou nossa conversa, ajudando a criar um clima mais descontraído e a resolver empecilhos linguísticos. Além de auxiliar os jovens na universidade, Eri também os levou para conhecer lugares clássicos para lazer em Pelotas, como o Parque da Baronesa, Parque Una e Praia do Laranjal. Infelizmente, eles contam que não gostaram tanto da nossa praia de água doce, mas adoraram o Cassino.
Uma das informações mais surpreendentes foi quando disseram que nunca haviam ido à praia. A cidade em que moram, Chengdu, fica no sudoeste da China, na província de Sujuão, que é cercada de rios e montanhas. A China é o quarto maior país em extensão do mundo, superando o Brasil, logo, não é difícil entender o motivo de nunca terem ido à praia.
Conversando um pouco mais sobre cidades e distritos, eles contam que estranharam Pelotas em relação a Chengdu. Primeiro, por conta do tamanho e da população, a cidade em que estudam tem aproximadamente 17 milhões de habitantes, contra os pouco mais de 340 mil habitantes da Cidade do Doce. Outro ponto importante é a tecnologia, ou a falta dela. Enquanto Chengdu é uma cidade global, com enormes arranha-céus e altamente tecnológica, Pelotas é uma cidade extremamente menor, com requintes de interior e construções antigas.
Entre costumes e novidades
No entanto, a calmaria pelotense e o modo de viver pacato de nossos conterrâneos encantaram os seis. O principal choque de culturas é a maneira como nos referimos ao próximo. Enquanto o povo chinês tende a ser mais reservado e até mesmo tímido, os brasileiros são mais desenvoltos e diretos.
Ruy conta uma de suas primeiras experiências em Pelotas: “O que realmente surpreende-me é que após duas semanas em Pelotas, fomos a um bar e as pessoas perguntaram: você quer beijar?”, diz o jovem entre risadas. Os outros explicam que, para eles, não é comum ser tão franco, ainda mais se for com pessoas com as quais há um interesse romântico.
Além disso, eles ficaram surpresos com o quão calorosos somos com os outros, até com desconhecidos. Geralmente, ao cruzarmos com alguém nos lugares, falamos o tradicional “bom dia” ou “tudo bem?”, o que não é comum para eles. Também ficaram levemente desconcertados com tanto contato físico, já que no Brasil costumamos cumprimentar com abraços e beijos, enquanto na China, um aperto de mão é mais do que o suficiente.
A culinária é, definitivamente, a maior diferença para eles. Lei Yun diz que os pratos chineses são mais temperados e principalmente apimentados. Alguns alimentos brasileiros não são o suficiente para o paladar apurado dos jovens, mas eles, surpreendentemente, contam que algumas comidas tem sal demais.
Os estudantes até tentaram comprar os temperos e especiarias chineses pela internet, mas são todos muito caros, o que torna inviável cozinhar pratos nativos com frequência. Contudo, os seis foram rendidos pelos doces de Pelotas, em especial, o quindim. Além dele, o brigadeiro ganhou seus corações.
Ao serem questionados sobre qual comida brasileira mais gostaram, a resposta é alta, clara e unânime: AÇAÍ. Amaram tanto o açaí que gostariam de levá-lo para a China. É irônico se pensarmos que muitos brasileiros não gostam desta iguaria amazônica.
O churrasco também é favorito entre eles, foram em algumas churrascarias na cidade e provaram o verdadeiro churrasco gaúcho. Yixing conta que ele e Yongfeng foram em uma churrascaria e “quando o garçom passava e perguntava se queríamos, ela dizia sim para tudo, sem nem saber o que era”. Ambos se tornaram grandes fãs de churrasco.
Pergunto qual o corte de carne eles mais gostaram, todos se olham e conversam em chinês tentando decidir, mas há um problema: não lembram o nome em português. Tentam procurar uma palavra em inglês para explicar, o que também não funciona. Até que Ruy, em uma brilhante ideia, aponta para sua costela, e finalmente descubro qual a carne favorita deles.
Uma parte cômica é quando me contam da adoração que desenvolveram pelo leite condensado. Como dito antes, eles gostaram muito do brigadeiro, cuja base é o leite condensado. Yixing diz que pegaram tanto gosto pelo laticínio que até provaram em comidas salgadas, como hambúrguer e carne, as quais juraram ser uma combinação interessante.
Infelizmente, não há lugares de cultura chinesa em Pelotas, então fica difícil para eles matarem a saudade de seu país e de seus costumes. Mas quando questionados se gostariam de levar algo do Brasil para a China, eles concordam que seria o guaraná, açaí e claro, o Eri, nada ganha dele.
Do mandarim ao português
Sobre as diferenças entre as aulas na Suse e na UFPel, eles explicam que em Pelotas, as aulas são mais longas, com períodos extensos e sem intervalos. Porém, na China, as classes são mais sérias e os professores mais rígidos.
Renato informa que as aulas na Suse iniciam com uma leitura, supervisionada pelo professor, que após esse primeiro momento, começa a falar sobre o assunto explicitado no texto lido. Já na UFPel, eles não tem essa didática, o que agradou os alunos.
Eles relatam que múltiplos estudantes que conheceram falam inglês muito bem, que os brasileiros desenvolvem melhor a questão de uma segunda língua do que os chineses. A turma diz isso por acreditarem que a gramática se assemelha mais entre o português e o inglês.
Explicando melhor, o português é uma língua romanizada, assim como o inglês, espanhol francês e italiano, logo se torna mais fácil para aprendermos, pois conseguimos ler as palavras e tentar entender sua pronúncia. Com o mandarim isso não acontece, pois o idioma não utiliza um alfabeto de letras romanizadas, mas sim de símbolos. Alguns desses símbolos podem ser muito parecidos, então pode haver confusão.
Eles me elucidam como o mandarim é uma língua complicada a partir do exemplo da sílaba fonética [Chur] que possui o mesmo som, mas com quatro entonações diferentes que mudam o sentido dela. Do mesmo modo, eles dizem que verbos não se conjugam em mandarim, mas não se engane, isso não torna o aprendizado do idioma mais fácil de aprender.
Outra grande diferença é sobre os campus das instituições de ensino superior. O curso de Letras é concentrado no campus Anglo, mas a UFPel ministra aulas em vários locais ao redor da cidade e no Capão do Leão. A universidade Suse possui um único campus, concentrando todos os seus cursos nele.
Quando questionados sobre o que a UFPel poderia fazer para melhorar a experiência dos intercambistas, eles destacam que a faculdade poderia dar prioridade para cadeiras voltadas ao português em si, sem focar em cadeiras de língua inglesa. Se dedicando ao desenvolvimento da proficiência em português. Cadeiras voltadas para estrangeiros também é algo que eles gostariam de ter.
Para contextualizar, eles aprendem o português através do inglês, pois as traduções diretas do mandarim para o português podem ocasionar em muitos mal entendidos, logo, é mais fácil utilizar o inglês de ponte. Yixing também expõe que a UFPel poderia promover eventos de integração entre os alunos, algo como feiras e encontros, pois assim eles poderiam aprimorar seu português ao conviver diretamente com nativos.
Renato ressalta um comportamento da UFPel que o deixou pensativo: a inclusão de PCDs no ambiente escolar. Na China não é tão comum ver pessoas com deficiência na sociedade, ao mesmo tempo que no Brasil há uma política de inclusão melhor. Na universidade é possível ver indivíduos com deficiência em diversos cursos, que precisaram se adaptar em alguns pontos para que todos pudessem se sentir incluídos.
Suplementar a pauta de inclusão, eles também se surpreenderam ao ver que boa parte dos restaurantes tem alternativas vegetarianas em seus cardápios. Em seu país, isso não é muito comum, visto que a considerável maioria dos pratos chineses tem como base, a carne.
Conhecendo Pelotas e a cultura brasileira
Os estudantes visitaram alguns lugares típicos da vida social dos universitários pelotenses, foram, em maioria, a bares. Entretanto, o bar não é o local favorito deles. Ruy justifica que não é que não tenha gostado, mas definitivamente não é uma saída a qual ele ou seus amigos estejam acostumados. Na China eles gostavam de frequentar lugares mais calmos, apenas encontrar os amigos e conversar.
Durante o feriado de Carnaval, os seis foram no bloco “Língua Maldita”, onde inúmeras crianças pediram para tirar fotos com eles. Não apenas por serem estrangeiros, mas também por terem sido confundidos com cantores de K-pop, gênero musical coreano.
Ao falar de música, pergunto se já se tornaram fãs de algum cantor ou cantora brasileira. Com exceção de Renato, que gosta da banda Melim, os outros ainda não sentiram essa conexão de fãs com artistas do Brasil. Isso se dá devido a diferença de sonoridade entre as músicas brasileiras e chinesas. Na visão deles, o Brasil gosta de músicas mais agitadas, com batidas mais fortes, enquanto o povo chinês, geralmente, tende a gostar mais de batidas calmas, suaves e lentas.
Mais chineses ou mais brasileiros?
Se eles voltariam para o Brasil em outra oportunidade? Claro que sim, nossos amigos quase sino-brasileiros querem voltar ao país mais vezes, seja para estudar ou visitar e curtir o país. Renato já até está decidido: se vier a fazer um mestrado, será no Brasil.
Pergunto se eles se sentem mais chineses ou brasileiros e apesar de gostarem e terem se adaptado bem ao Brasil, acham que não podem se considerar brasileiros de coração. Mas creio que posso falar que se tornaram ótimos amigos do Brasil e da nossa cultura. Eles afirmaram que tentam encontrar um ponto de equilíbrio entre a cultura chinesa e a brasileira, para que possam viver bem aqui e aproveitar tudo sem ignorar suas raízes.
Durante mais de um hora, pude conhecer um pouco desses seis jovens muito queridos. Entre problemas de pronúncia, alguns “por favor, pode repetir?”, mal entendidos e até mímicas, conseguimos nos entender. Agradeço a Renato, Ruy, Lei Yun, Li Lu, Yixing e Yongfeng por dedicarem seu tempo a me receber e abrirem suas memórias e experiências.