Realmente existe acessibilidade em Pelotas?
Será que o lugar em que vivemos é, de verdade, adequado às pessoas com
deficiência? Aqui em Pelotas, as perspectivas não são das melhores: há um longo
caminho para tornar a cidade acessível.
Por Caroline G. Quincozes
Entre os dias 25 e 27 de março, ocorreu o Lollapalooza e, após dois anos sem o
evento, muitas pessoas estavam ansiosas para ver seus artistas favoritos de perto e
aproveitar os shows. Porém, para algumas pessoas, aproveitar não foi exatamente
o que aconteceu: Pequena Lô e Lorena Eltz, muito conhecidas na Internet por
compartilharem seu cotidiano e, consequentemente, situações que vivem como
pessoas com deficiência, relataram momentos desagradáveis vivenciados no
Lollapalooza. Mesmo que o festival tenha sido sediado em São Paulo, as denúncias
expostas pelas influenciadoras fizeram com que relatos de inúmeros lugares do país
viessem à tona, todos sobre os percalços que PCDs passam ao se deparar com a
dificuldade de acesso em diversas ocasiões, mesmo as mais simples.
Existem locais para o acolhimento e auxílio para PCDs, como por exemplo a
Associação dos Deficientes Físicos de Pelotas (Asdefipel). Fundada em 1998 por
Carlos Aristides Rodrigues, hoje presidente da Associação, a entidade atua dentro
do processo de acessibilidade no município. Além disso, pode ser mais conhecida
por ter sido fundadora da primeira equipe de futsal para deficientes visuais de
Pelotas que, inclusive, é reconhecida nacionalmente. Mais especificamente, o
fundador da equipe foi Diego Lemos, atleta paralímpico que é bastante conhecido
no esporte pelotense.
Voltando à história e às origens da Associação, a luta pela equidade e qualidade de
vida para pessoas com deficiência começou logo em sua criação, quando foi
precursora do projeto “Pelotas sem Barreiras”.
“Esse projeto é um resultado da conquista pela Asdefipel pelo transporte coletivo
adaptado de Pelotas. Apresentamos o projeto, que consistia em rebaixamento de
calçadas, nos corredores de ônibus da Osório e Deodoro”, conta o presidente.
Questionado acerca de políticas públicas que podem ser feitas para melhorar a
acessibilidade na cidade, ele acredita que o melhor jeito de fazer isso seja
escutando as pessoas que têm deficiência e buscando enxergar as necessidades
delas mediante seus próprios pedidos.
“O Instituto Opinião fez uma amostragem por bairros e para cada tipo de deficiência
para a Asdefipel. Essa pesquisa serviria para todo o tipo de política direcionada aos
PCDs, ou seja, acessibilidade, educação, todo tipo de política pública que se possa
imaginar. A pesquisa na época foi entregue à assessoria do prefeito da época, para
serem trabalhadas essas políticas, que na verdade, não foram utilizadas até os dias
de hoje. Qualquer tipo de política para melhorar a acessibilidade seria interessante,
a partir da ótica das entidades, e não dos governantes”, frisa Carlos.
Essas ideias são compartilhadas pela professora de Libras da UFPEL, Aline Kaster.
Aline é surda e, como pessoa com deficiência, relata que a luta que a comunidade
surda está lutando, é uma luta sem fim.
“Algumas conquistas já foram feitas por meio dessas lutas, como a presença de um
intérprete em alguns espaços. Estamos, ainda, enfrentando muitas barreiras de
acessibilidade. Na polícia, por exemplo, não tem ninguém que saiba se comunicar
conosco e, nos hospitais, também não tem. Na universidade tem porque os surdos
estão presentes em sala de aula”, expõe a professora.
Além do papel dos governantes em relação a essa pauta, há o dever da população
de se observar o seu próprio comportamento em relação às pessoas com
deficiência, e isso inclui palavras que são utilizadas no cotidiano. Existem termos
considerados pejorativos e que devem ser descartados. Levando isso em conta,
Aline ressalta a forma correta para se dirigir à pessoa com deficiência auditiva. “Nós
gostamos que a sociedade nos chame de surdos, não surdo mudo, não combina
com a gente porque nós somos surdos: mudo é uma pessoa que não consegue
falar, mas nós falamos as línguas de sinais”, finaliza.
No censo do IBGE feito em 2010, 87,295 dos 328,275 pelotenses, ou seja, 27% da
população do município, declaravam ter pelo menos alguma deficiência, fosse ela
deficiência visual, auditiva, motora, mental/intelectual ou outra. Desde a realização
da pesquisa, se passaram 12 anos. Com certeza esse percentual está maior,
considerando que hoje em dia Pelotas tem 343.132 habitantes (2020). A
apresentação desses relatos e números apurados, trazem as seguintes reflexões: o
que realmente é acessibilidade? A cidade está preparada para trazer qualidade de
vida a todas as pessoas, sem distinção?