Pessoas Normais – Um romance entre encontros e desencontros

Na obra de Sally Rooney, idas e vindas dos personagens Marianne e Connel são retratadas de forma sincera e realista

Publicado no ano de 2018, o livro traz à tona desafios das relações e como alguns elos permanecem ao longo do tempo. – Foto: Amazon

Por Carol Quincozes / Em Pauta

“É um dos segredos daquela mudança de estabilidade mental adequadamente nomeada transformação, que para muitos de nós nem céu nem terra trazem qualquer revelação, até que sejamos tocados por alguma pessoa com uma influência peculiar, subjugando-nos à receptividade”. Esse trecho do romance “Daniel Deronda” é o ponto de partida para o leitor adentrar no mundo de “Pessoas Normais”, obra mais conhecida da autora Sally Rooney.

Quem nunca viveu um amor no ensino médio? Se você já vivenciou um romance nessa época da vida, sabe que tudo é mais intenso e qualquer palavra ou ação pode mudar o rumo das suas relações. Aliás, até mesmo a ausência de assumir um “sim” ou “não” já é uma resposta, e “Pessoas Normais” consegue retratar muito bem essas situações, já que cada silêncio dos personagens demonstra muito mais do que palavras nessa obra.

Em janeiro de 2011, Marianne Sheridan e Connell Waldron vivenciam, em uma cidade no interior da Irlanda, o último ano do ensino médio. Os jovens estudam juntos, mas se conhecem por conta de suas famílias. Lorraine, a mãe de Connell, trabalha na casa da mãe de Marianne, Denise. Ambos nutrem uma estranha relação de amizade, que logo evolui para algo mais. Apesar de se encontrarem frequentemente, os dois mantêm o romance em segredo. O medo e o constrangimento que nasceriam caso a união se tornasse pública vem, quase que por completo, pela parte de Connell. Apesar de ser o típico protagonista popular, que é o jogador de futebol conhecido pela escola inteira, o estudante nutre uma timidez e insegurança, permanecendo preso à opinião alheia de maneira marcante durante boa parte de “Pessoas Normais”.   

Em contrapartida de Connell, Marianne não tinha amigos, era vista como a “esquisita” na escola e recebia uma avalanche de críticas dos outros alunos, além de aparentar que, ao contrário de Connell, não ligava para ofensa alguma. Na realidade, Marianne também era frequentemente criticada por seu irmão, que a tratava de forma rude e abusiva, e ignorada por sua mãe nas piores situações de “Pessoas Normais”, o que expõe a difícil vida familiar da protagonista. Ao longo da história, conseguimos conhecer melhor as incontáveis complicações que nascem nas experiências de Marianne, que tem dificuldades em reconhecer o seu valor nas relações em que está inserida.

Depois da primeira das várias separações do casal, os dois vão para faculdade em Dublin, e assim é retratado um dos diversos reencontros que vão acontecer no livro. Dessa vez, os lugares se invertem e Marianne é a notável na faculdade, o que dá a impressão da mesma ter encontrado o “seu lugar” no mundo. Consequentemente, Connell tem dificuldades em se adaptar à sua rotina universitária, não tem mais seus amigos por perto e não busca novas amizades, além de manter uma postura reservada nos debates da turma.

A história se dedica às idas e vindas de Connell e Marianne e demonstra tanto a fragilidade das relações contemporâneas, quanto a força de alguns elos emocionais que conquistamos pelo caminho, mesmo sem querer. Fora isso, é um daqueles livros que algumas páginas são quase sufocantes à maneira que são lidas, cujo leitor tem vontade de entrar história adentro e “sacudir” os personagens, dizendo “a situação não é tão complicada quanto parece ser!”. Entretanto, é necessário reconhecer que é bem mais fácil ser o observador da narrativa, onde ambos os lados são expostos e pode-se analisar com calma o que é dito e, também, o que é “deixado para depois”. 

Durante a trajetória de 264 páginas, é indispensável ressaltar a evolução gradativa dos personagens principais, que conseguem, lentamente, construir relações mais maduras. É claro que até chegar à conclusão de que um crescimento pessoal realmente estava se concretizando na vida de cada um, foram necessários mais erros em outros relacionamentos (alguns bastante problemáticos, diga-se de passagem). Fica claro para o leitor que são relacionamentos amorosos provisórios, “confortáveis”, onde existem quase que por conveniência do momento.  

Em comparação, na relação de idas e vindas do casal principal, Sally Rooney consegue expôr as diferenças das relações aleatórias que perpassam o caminho dos jovens e o romance que vivem em determinadas épocas de suas vidas. Entre Marianne e Connell, são as sutilezas que conseguem transmitir ao leitor a sensação de um amor verdadeiro.

No fim, chega-se à conclusão de que alguns sentimentos não perdem-se em meio ao tempo – podem ser raras as situações, mas acontecem. Marianne e Connell são a comprovação de que esconder seus sentimentos não é garantia de que eles irão sumir. É um romance realista e, provavelmente, doloroso, em todos os capítulos. Afinal, o que é a vida, se não pessoas normais que vivem encontros e desencontros e, dentre esses encontros e desencontros, também vivenciam relações que marcam o resto de suas vidas?

Na trama, Marianne é interpretada por Daisy Edgar-Jones, enquanto o ator Paul Mescal assume o papel de Connell. – Foto: Hulu/Divulgação

Sobre a série:

Em abril de 2020, a adaptação sobre “Pessoas Normais” foi lançada pela Hulu. Dessa vez, a história é apresentada em 12 episódios que duram em média 30 minutos. Dirigida por Lenny Abrahamson e Hettie Macdonald, a série é consideravelmente fiel à obra de Sally Rooney. Mesmo com a curta duração, a intensidade da narrativa não deixa de atingir os telespectadores. Em relação à crítica, “Pessoas Normais” tem 91% de aprovação no Rotten Tomatoes, com uma nota média de 8,5. 

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