PEC 206: cobrar mensalidade em universidades públicas é justificável?
Por Caroline G. Quincozes e Victória Silva/ Em Pauta
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/19 voltou à tona na terça-feira, 24 de maio, quando a proposta seria votada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Contudo, devido à ausência do relator do texto da PEC, o deputado Kim Kataguiri (União Brasil), a votação foi adiada.
A PEC em questão prevê a cobrança de mensalidade em universidades federais. Segundo o General Peternelli (União Brasil), autor da proposta, a decisão de qual parcela dos estudantes teria de desembolsar uma mensalidade ficaria a cargo das próprias universidades, que estabeleceriam a renda que o aluno deveria ter para iniciar a contribuição, ou seja, a gratuidade seria assegurada aos que tivessem uma maior vulnerabilidade econômica.
A cobrança de mensalidade seria justificada pelo relatório “Um ajuste justo – propostas para aumentar eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, de 2017, do Banco Mundial (Bird). Segundo o documento, boa parte dos estudantes “que frequentam universidades públicas no Brasil tende a ser de famílias mais ricas que frequentaram escolas primárias e secundárias privadas”.
Uma pesquisa divulgada em 2019 mostra, no entanto, que, hoje, 70,2% dos estudantes das universidades federais são de baixa renda. O levantamento, realizado pela Andifes (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior), apontou que esses estudantes têm uma renda familiar mensal de até 1,5 salário mínimo per capita.
“50% das vagas oferecidas pelo Sisu são para estudantes que têm origem em escola pública, então isso já é um indicativo de que 50% das vagas são ocupadas por pessoas que não tiveram condições de estudar em escolas particulares”, lembrou Paulo Roberto Ferreira Jr., pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento Institucional da UFPel. Ele ainda comentou sobre o PAVE (Programa de Avaliação da Vida Escolar), que oferta 20% das vagas na universidade, das quais 90% são destinadas aos estudantes que frequentaram todo o ensino médio em escolas públicas.
“Considerando os números da Assistência Estudantil que temos hoje, não dá para dizer que a universidade é da classe média e alta”, complementa Ferreira Jr.
Victor Hugo Santos de Oliveira, que faz parte da coordenação do Diretório Central dos Estudantes da UFPel, também não concorda com a possibilidade de ser imposta uma mensalidade. Para ele, seria necessário que os ingressantes na faculdade tivessem acesso a uma política de assistência estudantil, auxílio esse que daria aos estudantes a possibilidade de focar nos estudos.
“Entre estudar sem receber o mínimo de amparo, e trabalhar para sustentar uma família, a escolha desses estudantes é óbvia. Hoje, a assistência estudantil é basicamente um ranking de pobreza onde, entre os vulneráveis, apenas alguns serão contemplados. Isso é um absurdo”, ressalta Victor. “Na UFPel, a verba que vem da Política Nacional de Assistência Estudantil (PNAES) já não é suficiente para manter os auxílios que a UFPel oferece, sendo necessária a suplementação via orçamento da própria universidade. A cada ano que passa, o PNAES sofre mais e mais cortes. Para quem defende a universidade pública, popular, gratuita e de qualidade, não há benefício algum nessa proposta”.
De fato, nos últimos anos, as verbas que são repassadas pelo governo às universidades públicas são cada vez menores. Neste mês, o Ministro da Educação, Victor Godoy, disse em uma publicação em seu Twitter que a verba destinada às instituições públicas de ensino sofrerá um corte de 7,2%, uma redução de R$1,6 bilhões.
“Desde o começo do governo de Bolsonaro há um esforço constante para o desmonte das universidades públicas“, argumenta a professora de História, Cláudia Daiane Garcia Molet. Segundo Cláudia, a PEC 206/2019 que versa sobre mensalidades nas universidades é mais uma ação coordenada contra as instituições públicas de ensino superior e contra o povo brasileiro.
“As universidades, ao contrário do que os defensores da PEC argumentam, não são mais espaços somente de pessoas ricas. A Lei 12.711/2012, uma conquista do Movimento Negro, mudou o cenário das universidades públicas a partir da reserva de vagas nos cursos para, pelo menos metade das pessoas ingressantes: negras (pretas e pardas), indígenas, pessoas com deficiência e pessoas oriundas de famílias pobres. Como estas pessoas vão conseguir arcar com a mensalidade?”.
Cláudia ainda aponta que, mesmo com a gratuidade atual, os estudantes ainda necessitam de auxílio alimentação, transporte e moradia para sua permanência em sala de aula. Para ela, a cobrança de mensalidade seria mais uma barreira às pessoas que, por muito tempo, não viram seus familiares nesses espaços de ensino.