Os verbos e as vozes: a crescente procura pelo jornalismo alternativo incentiva a criação de meios locais
Por Rayane Lacerda
É visto que o progressivo acesso à internet – mesmo que muitas comunidades ainda se encontrem distantes dessa possibilidade – iniciou um processo intenso de transformações no jornalismo. Seja no processo de produção da notícia ou na busca por pautas e as suas respectivas informações e fontes, a área passou a obter maiores chances de proporcionar reportagens que sejam maneiras alternativas de opinar e questionar acontecimentos. Além disso, a necessidade de ‘fazer jornalismo’ livre de comerciais e demais fatores econômicos, incentiva que cada vez mais veículos locais sejam criados – principalmente por estudantes durante o período da faculdade.
Em Pelotas e São Lourenço do Sul, cidades do Rio Grande do Sul, um canal e um movimento foram criados com objetivos semelhantes: proporcionar outros caminhos para o acesso e para a interpretação dos fatos.
Conheça O Verbo Online
Em Pelotas, O jornalista formado pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Marcelo Nascente, idealizou o O Verbo Online. Ele sempre teve a intenção e vontade de criar um jornal alternativo na cidade, até que um caso específico cooperou para que o sonho se concretizasse.
Tudo começou com o canal alternativo do próprio curso, o Em Pauta – UFPel. Marcelo conta que a professora responsável pela coordenadoria à época, sugeriu reportagens sobre o caso Cláudia Hartleben, professora da Universidade que desapareceu em 9 de abril de 2015. Colocando em prática o seu gosto por jornalismo investigativo, o então aluno foi em busca de informações que não estavam sendo divulgadas ou procuradas pelos veículos tradicionais de Pelotas. Durante a sua investigação, encontrou esclarecimentos que não foram publicados, pois havia a possibilidade de processos serem iniciados contra a instituição de ensino.
Assim, ele viu uma oportunidade de finalmente criar um meio alternativo para compartilhar os conteúdos produzidos. “É duro começar, manter e ampliar um trabalho que não está sob a influência das máquinas registradoras. Por isso, O Verbo está, aos poucos, se transformando em um coletivo, composto por profissionais comprometidos com uma sociedade mais justa e consciente da sua parte.”, afirma Marcelo.
Inicialmente, o jornalista criou uma página na plataforma Facebook, pois hoje em dia é uma das formas mais rápidas e fáceis de disseminar informações. Uma única reportagem do caso Cláudia foi responsável por alcançar 50 mil visualizações, sendo que esses assuntos alcançam em média 20 mil, segundo ele. Logo, Marcelo percebeu que estava no caminho certo e se viu capaz de ampliar os objetivos do projeto O Verbo, o qual está sendo construído em forma de coletivo e com um site próprio em desenvolvimento.
A ideia central é produzir reportagens investigativas e não matérias pontuais informativas. Além de texto para o site, ele pretende utilizar o espaço da página para outras mídias, como vídeo-reportagem, por exemplo. Quanto aos recursos necessários para reportagens mais específicas, O Verbo pensa em realizar crowdfuding, a fim de tornar o setor financeiro também colaborativo.
Quando questionado sobre a sua visão do jornalismo alternativo, ele comenta que percebe uma considerável facilidade em alcançar informações, principalmente as públicas, sobre qualquer assunto. “A questão é que não há interesse no investigativo por parte dos jornais. É caro e demanda tempo. É mais fácil ter um estagiário fazendo 5 pautas simples”, desabafa. Marcelo também traz a sua ideia sobre o jornalismo como um todo: “Eu acho que o jornalismo é feito pra duvidar, questionar e se posicionar em relação às questões”.
Hoje, o fundador do O Verbo tem um parceiro, o jornalista Eduardo Silveira de Menezes, para dar continuidade ao trabalho e para pensar nas próximas pessoas que irão somar com o time. Eduardo afirma ter grande respeito à figura do colega. “O Marcelo me convidou para colaborar. Eu sou um entusiasta da comunicação alternativa. Tive por muito tempo na RádioCom e participei de um projeto de jornalismo comunitário na UCPel durante a graduação”, conta. Como expectativa do trabalho de O Verbo, ele diz que de acordo com as pessoas que estão se interessando em colaborar com o projeto, ele acredita que o meio possui grande capacidade para se tornar um caminho de contra-cultura, o que muito falta em Pelotas, segundo ele.
As Vozes de São Lourenço
Na cidade vizinha, São Lourenço do Sul, a ausência de canais alternativos também é uma realidade difícil. Pensando nisso, a moradora da cidade e egressa do curso de Jornalismo da UFPel, Grabriela Schmalfuss Borges, criou o movimento Vozes. “Em 2015, eu e um grupo de pessoas queríamos fazer algo diferente em São Lourenço. Por ser uma cidade pequena, os veículos de mídia da cidade se baseavam somente em comunicados oficiais e não apresentavam uma perspectiva ampla sobre os assuntos”, conta.
Inicialmente chamado de Vozes do Sul, a ideia trazia a produção de um jornal eletrônico local. Uma equipe foi estruturada junto ao site. Gabriela produzia notícias e reportagens e outros sete colaboradores enviavam textos de opinião para completar o conteúdo. Ela conta que o início foi difícil e o jornal passou por diversos empecilhos. “A cultura da cidade está acostumada a apoiar jornais e, em recompensa, ter seus nomes e empreendimentos divulgados como uma coluna social. Não queríamos isso. Tentávamos fazer reportagens diferentes, sobre aspectos que não eram muito questionados pelos moradores, como os prejuízos causados à cidade em prol do desenvolvimento”, explica.
Mesmo buscando patrocinadores em troca de publicidade e vendendo adesivos com mensagens políticas, o jornal não tinha recursos para continuar e a equipe decidiu parar as atividades por cerca de seis meses. Mas a necessidade de trabalhar com algo em que se acredita e apresentar uma multiplicidade de conhecimentos para as pessoas fez com que o retorno do Vozes do Sul viesse por meio de um movimento chamado Vozes. Ou melhor: Vozes em movimento. “Depois da primeira experiência, sabíamos que não ganharíamos dinheiro. Mas percebemos que, pra nós, o que era mais recompensador eram os leitores perguntando sobre quando iríamos voltar, ou elogiando as coisas que escrevíamos. Então, decidimos abandonar o viés de jornal, nos tornando um movimento”, esclarece Gabriela.
Agora, em novo formato, eles buscam propiciar uma alternativa ao público e participar de eventos em prol da democracia, dos direitos humanos e da diversidade. Considerando que o cenário alterativo na cidade é precário, com apenas o Vozes representando esse meio, nota- se a importância dos conteúdos produzidos. Além de utilizar textos e imagens, outra novidade é a produção de vídeos. Segundo Gabriela, é uma maneira de expressar a linha de raciocínio mais claramente – e talvez abranger um número maior de pessoas.
Ao final da conversa, Gabriela traz um ponto importante a ser destacado. Ela comenta que o Vozes pretende realizar oficinas de rádio comunitária em São Lourenço, principalmente com as crianças na comunidade Lomba. A comunidade possui um centro cultural, o qual já foi sede de reuniões que debatiam a redução de danos na cidade e que também recebe debates, conversas, eventos culturais e exibição de filmes.
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O Verbo
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Vozes em movimento:
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