O remédio da loucura não é ficar ainda mais louco
Dirigido por Laís Bodanzky e estrelado por Rodrigo Santoro, Bicho de Sete Cabeças adapta o Canto dos Malditos, contando a história de Neto, um jovem que é internado indevidamente em um hospital psiquiátrico e precisa lidar com uma sequência de negligências e abusos que marcam histórias sobre essas instituições
Por Felipe Boettge / Em Pauta
Contando a história de Neto (Rodrigo Santoro), um jovem com relacionamento ruim com sua família extremamente conturbada, que tem o curso de sua vida alterado quando seu pai encontra drogas em sua roupa, decidindo assim interná-lo em um hospital psiquiátrico para tratar do vício. Dessa forma, acompanhamos o jovem em meio a todo descaso e crueldade desses lugares que deveriam cuidar das pessoas.
Lançado em 2000, o filme é anterior à reforma psiquiátrica no Brasil e acompanha o livro, baseado na denúncia ao tratamento dos pacientes em instituições como essas. Apresentando uma amostra brutal e impactante do que acontece por trás dos muros dos manicômios, ele está disponível na Netflix e por aluguel na AppleTV.
Sendo assim, acompanhamos Neto em uma perturbadora passagem por dois manicômios onde todo tipo de direito é violado, mostrando até onde a violência física e psicológica pode chegar em lugares com uma conduta tão distorcida. Isso tudo, mostrando uma realidade completamente manipulada para os familiares, os fazendo acreditar que o ambiente dentro daquele hospital é muito diferente do que realmente conhecemos durante o filme. Algo que os ajuda a manter tudo funcionando, uma vez que segurar os internos o maior tempo possível garante a continuidade da verba destinada e de seus empregos. Dessa maneira, enlouquecer os internos até que se atinja um ponto quase irreversível, permite uma estadia definitiva e é visível ter sido aplicado em muitos dos que ali estão.
A partir daí, de forma perturbadora, a história em momento algum se preocupa em poupar os momentos de quase puro terror dentro daquele local. Neto não vê só pessoas enlouquecidas ao seu redor, mas vê o seu destino se não conseguir sair daquele lugar. O que só aumenta a tensão durante quase todos momentos, trazendo o questionamento de quanto tempo ele vai conseguir aguentar antes de ceder completamente a loucura. Essa, que parece estar mais próxima a cada cena angustiante em meio ao caos do hospital.
É com essa preocupação, em meio a uma interminável violência, que o filme nos conduz em uma história que incomoda, conectando a revolta do protagonista em meio a tantos abusos, que tornam difícil de manter os olhos na tela em alguns momentos. Porém, o filme não foca apenas nas denúncias que tem como premissa, mas também sobre o conflito geracional que vemos entre Neto e seu pai (Othon Bastos). Sendo no acerto entre os dois a única chance de que ele consiga finalmente deixar o inferno em que foi colocado.
Bicho de Sete Cabeças foi reconhecido internacionalmente e ajudou a consolidar Rodrigo Santoro, uma vez que sua entrega absoluta a essa história é essencial para que ela impacte da forma que faz. Sendo um dos filmes mais importantes da época, funciona tão bem hoje quanto no momento em que foi lançado. Uma vez que os últimos governos buscaram financiar novamente instituições nesse sentido, trazendo o assunto à tona mais uma vez.
Com o encerramento do filme, uma mensagem citando as 70 mil pessoas internadas em lugares como os mostrados toma a tela, ajudando a entender a dimensão daquele problema e o número de pessoas que podem enfrentar situações semelhantes. Entretanto, mais de 20 anos após o filme e do início reforma psiquiátrica, instituições com esse propósito ainda existem. Apesar da lei que as torna obsoletas. Algo evidenciado pelo levantamento do Ministério da Saúde elaborado a pedido do GLOBO, mostrando que existem 13 mil leitos psiquiátricos pelo país.