No combate ao desconhecimento e na defesa da preservação: os índios Kayapó
Por: Henrique König
Para ir além das canções de Renato Russo, conhecer as diversidades pelo extenso território do Brasil é fundamental. Os povos indígenas representam uma população de cerca de 433.363 pessoas na região amazônica, composta pelos estados de Acre, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão. No país, o Censo do IBGE de 2000 totalizou 896.917 indígenas.
A demarcação das terras para os índios está na lei das Terras Indígenas (TIs) da Constituição Federal de 1988. Segundo o parágrafo primeiro do artigo 231, as consideradas Terras Indígenas são aquelas “por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seu usos, costumes e tradições”.
Apesar da lei brasileira, muitas terras indígenas são desrespeitadas pelos mais diversos motivos, geralmente em prol do que chamam desenvolvimento econômico. São empresas, mineradoras, madereiras, agropecuárias e posseiros que ocupam irregularmente as divisões. Outras vezes, as TIs são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão de energia elétrica e inundações geradas por hidrelétricas. Não raramente, as invasões são denunciadas pelos indígenas na tentativa de reaver os espaços desrespeitados.
A Constituição de 1988 pretendia regular as Terras Indígenas no prazo até 5 de outubro de 1993. A data jamais foi cumprida e a regulação das áreas dos índios está em diferentes estágios jurídicos pelo país. É de pouco interesse dos governos o bem-estar dessas populações distantes das cidades. O lado econômico, por meio de empresas, ladra mais alto e prejudica a manutenção das sociedades indígenas. Outro ponto é o histórico de doenças trazidas de fora, em epidemias como as de gripe, rubéola e varíola, que já dizimaram até aldeias inteiras de índios, sem a mínima prestação de socorros pelas autoridades.
Os índios Kayapó
Onde vivem? Mato Grosso e Pará.
Quantos são? Cerca de 11.675 (Siasi/Sesai, 2014)
Os Kayapó são considerados um dos 15 grupos mais importantes da Amazônia pelos números absolutos de sua população. Eles pertencem à família linguística do grupo Jê, o mesmo dos sobreviventes Kaingangs no Rio Grande do Sul. Os Kayapó, no Norte brasileiro, espalham-se por aldeias pelos rios Iriri, Bacajá, Fresco e outros afluentes do intenso rio Xingu. Se traçar uma demarcação entre todas as aldeias espalhadas dos Kayapó, estima-se uma área semelhante ao tamanho da Áustria.
Alguns grupos desses indígenas apresentam constante contato com a sociedade do homem branco e com ambientalistas. Outros vivem de forma mais isolada na floresta equatorial. As aldeias são consideradas grandes para a média amazônica, variando entre 60 e mais de 1.000 pessoas, quando trata-se de uma reserva.
Os Kayapó apresentam complexos rituais espirituais e organização social. Costumam estabelecer rituais antes de ir à caça ou estabelecer novas roças. Dessa maneira, as intervenções humanas são acompanhadas de intercessões espirituais, para atualizar seus valores nas relações com a natureza e com o universo. Mesmo com a abertura de novos espaços para plantios, os Kayapó são cuidadosos para utilizar os recursos das árvores maiores. O solo da região da floresta equatorial é considerado pobre em minerais e aproveitar os recursos da vegetação ajuda na roça. Da mesma forma, algumas árvores evitam o desgaste da terra com chuva direta ou pelo sol forte.
O trabalho dos homens é voltado à caça, pesca e abertura de espaços dentro da floresta. Já as mulheres estão ligadas ao plantio, à colheita e atividades domésticas, como cuidar das crianças da aldeia. Por determinados ciclos, realizam excursões para coletar frutas silvestres e óleo de palmeira, por exemplo. Também possuem atividades voltadas ao artesanato.
A estudante Clara Scarpelini, de Goiás, teve a oportunidade de visitar uma aldeia Kayapó, no Pará. A viagem até a aldeia Gorotire ocorreu no início de 2016. Ela conta que o deslocamento de 130 km da cidade mais próxima demorou seis horas até a aldeia. Havia a festa para a posse de uma nova cacica. A passagem pela estrada em condições precárias atrapalhou o grupo em que estava Clara e chegaram com atraso para a cerimônia. As índias contaram que é um ritual com muitas danças e cantos como agradecimento.
Clara afirma que as índias usavam vestidos iguais, com o mesmo corte e estampas. Como era época de festa, elas produziram colares grandes com os nomes indígenas. Uma das índias se interessou por uma adereço da estudante. “Ela gostou de uma pulseira que eu estava usando e me pediu, só que a pulseira era presa no meu braço. Aí eu disse que se ela conseguisse tirar, ela poderia ficar. Ela tirou em 30 segundos e me deu uma em troca, feita de anzol, que não estica e não tem feixe. A técnica para colocar foi passar sabão e dá certo”.
A estudante goiana passou as horas na reserva somente entre as mulheres, mas afirma que também são disputados campeonatos de futebol, até com premiações. Na ocasião da experiência de Clara, estava sendo construída uma escola para a reserva. Ela considerou que falta assistência aos índios, pois viu muita sujeira, plástico descartado pelas imediações.
Os índios que possuem maior contato com os visitantes comerciam castanha e cobram valores de pedágio, em cerca de 20 reais para as trocas. Clara também comenta que havia plantios de milho e mandioca na aldeia Gorotire. Segundo ela, uma menina de 15 anos, chamada Biane, servia como tradutora para facilitar a comunicação entre visitantes e indígenas. A jovem intérprete pretendia cursar medicina para ajudar na assistência aos Kayapó.
Clara Scarpelini deixa um recado para as pessoas sobre a situação dos Kayapó e dos indígenas em geral pelo país: “Eles são uma cultura que fala sobre Brasil em tudo que fazem. A incompreensão, ou muitas vezes ignorância com essa cultura, junto com a valorização de tudo que é estrangeiro, criou nas pessoas uma aversão que as deixa omissas em relação às injustiças que esse povo sofre hoje”, enfatiza.